DOS FERROVIARIOS AOS PETROLEIROS

A GRANDE MENTIRA MACAÉ-CAMPOS

Por José Milbs

Capítulo VII

No colégio Público em Macaé, Canela de Pau ainda esta no pátio Após as aulas os meninos vão para um campinho em busca de peladas e caça de passarinhos. Se outros não gostam de peladas ficam jogando bolebas ou indo roubar algumas frutas nas grandes chácaras das cercanias do colégio. São abacate, manga rosa e espada, abiu, carambolas, cajus vermelho e branco, araçás, abricós, mexerica e jambo de duas cores. Estas frutas são nativas em todos os quintais de Macaé e as crianças ficam horas e horas na sua busca. Muitos dos moradores nem ligam quando eles chegam a fim de deste pequeno ganho.

Até gostam porque a presença infantil alegra as chácaras. Apenas o Velho Coutinho evita esta debandada infantil, Alega, e disto alguma razão devia ter, que as crianças deixam a maior parte das frutas jogadas no chão e usam setas para matar passarinhos. Seu Coutinho era de uma das mais tradicionais famílias do centro da cidade e tinha uma simpática careca que lhe rendia a carinhosa alcunha de “Seu Coutinho Careca”.

Ele mesmo atendia este afetivo apelido nas ruas saudosas esticadas matinais até a praia do Forte onde se banhava nas tardes de outono.

Despedidas, beijos, afagos, muita lagrima derramada e é dada nova partida do Expresso. Desta vez o destino é Dores de Macabú. Os loiros cabelos encaracolados e ligeiramente de picos que recebem o boné de Maquinista estão ainda molhados pelo lavar que teve nas águas puras da bica Carapebuense. Sua missão estava cumprida e seus olhos verdes já se fixam nos trilhos. Mentalmente ele vai recordando os momentos de angústia que sempre tomava conta de seus velhos companheiros ferroviários aposentados. Seu pai mesmo era um deles.

Ingressou na Estrada de Ferro, viu os primeiros trilhos serem fincados ao chão, ajudou assentamento de dormentes. Quebrou mata, foi mordido de cobras, perdeu um pulmão e morreu esquálido com um salário que mal dava para sua mãe comer e alimentar mais 5 meninos. Não fosse a ajuda de um tio, irmão de seu pai, também da ferrovia, ele não estaria hoje levando tanta gente para lá e para cá como Maquinista. Deu duro e chegou a onde esta mais não vai deixar-se morrer como centenas de companheiros de seu pai. Aceitou a idéia do Guarda-freio de Macaé, fez um pequeno curso e estava agora lutando por melhores condições de vida para toda a classe operária.

Respira fundo e da a ultima olhadela para a estaçãozinha de Carapebus e acena para as ultimas e retardatárias crianças que estão no jardim da futura Igreja Matriz. Revira os bolsos de sua farda de comandante do comboio de ferro, puxa a corda do apito e assobia uma velha canção de ninar. Lembra de seus filhos, uma menina de quatro anos e um menino de dois. Perto do Barão de Maia eles moram.

Bem na subida do Morro da Mangueira onde sua mulher nasceu e foi criada. Na ida ao bolso confirma que ainda tem mais dois papéis. Um será entregue, na Estação de Dores a um jovem que coisa dos trilhos que estará com uma blusa azul e outro a um senhor de ternos e chapéu branco em Campos. Este homem de terno vai lhe dar outros quatro papéis que ele deverá deixar em Mimoso do Sul e em Cachoeira. Sua alegria era tanta que nem notou que tinha que abastecerem mais algumas achas de lenha na caldeira e soar mais intensamente o mágico apito.

No vagão restaurante reina um vazio . Poucos são os que se arriscam deixar de ficar atento ao que fala o João Barbeiro. Alguns passageiros do vagão de 2 a são avisados que podem ir ao Restaurante, Ficam atônicos. Como? A gente pode ir comer lá? Porque isso se lá só pode ir o pessoal da 1 a classe? Vocês podem ir sim, afirma o homem que fura as passagens. Ele veste um sobre-tudo azul que esconde sua rota e puída camisa branca. “““ “““ Leva as mãos ao nariz para não sentir cheiro de mijo de velhos e crianças e, quase numa ordem, fala bem alto:” vocês podem ir todos comer o que quiser e será tudo de graça”. A correria dos pobres parecia igual felicidade de pinto no lixo. Muitos saiam com sacolas, marmitas e outros utensílios. A oferta era porque o trem não podia chegar a Campos com mantimentos prontos.

Outro concorrente iria assumir de Campos em diante e urge que a comida seja acabada ou jogada aos porcos. Dezenas de pessoas passaram momentos de suma integração com as delícias que aos ricos eram oferecidas.

Dores de Macabu esta próximo. A tarde já começa a sentir um frescor da tardinha que vai dar lugar a noite de lua. Canela de Pau está prestes a para casa. Sua vontade era deixar de estudar de dia, fazer uma prova numa escola da Leopoldina e ser ferroviário. Enquanto caminhava ao vento, vinha relembradas suas discordâncias com determinadas atividades em sua curta vida de menino.

Não aceitou a hierarquia burguesa que tinha lhe sido imposta no Grupo de Escoteiros e saiu de lá, a toque de caixa como se diz nas rodas dos mais velhos. Na Igreja, nas aulas de catecismo tinha sido também objeto de severas criticas o que lhe ocasionou outra saída brusca. Estava satisfeito com tudo isso porque Canela de Pau se sentia mais maduro não tinha nenhum arrependimento destes dois saimentos em sua vida. Sacristão ele gostava mais no dia em o padre descobriu que lês estava comendo as hóstias sei nome foi riscado das celebrações e Canela de Pau não pode mais ir às missas ajudar os padres. Por sorte o padre não tinha descoberto algumas expropriações feitas durante o recolhimento de dízimos e alguns goles de vinho branco tomados na solidão de manhas quando limpava a sacristia.

Enquanto isso, Guarda-freios ia se doutrinando nas suas idas e vindas pendurados em trens da Leopoldina.

Conversava com um velho Ferroviário de nome Ramialho. Ramialho era carpinteiro também. Foi explicando ao jovem Guarda – freios das mentiras milenares das Igrejas que iam bitolando as pessoas de geração em geração. Falou do São Jorge na Lua que ele acreditava e até via. Explicava tudo isso em noites que faziam nas mexidas de trens e locomotivas. Estes ensinamentos serviram de base para que o jovem começasse a ler alguns textos de Lênin e ser, ainda com 23 anos, um grande militante na transformação da sociedade.

Enquanto Canela de Pau com 13 anos rompia com padrões sociais mais ainda acreditava nos valores da eternidade que seus pais e avós lhe incutiam a mente, Guarda-freio, aos 23 anos jogava para longe os ensinamentos de seus pais e familiares mais velhas e caia fundo nos estudos do Materialismo.

A Estação de Dores de Macabú ficou para trás e à tarde fresca vem com cheiro de bagaço de cana pisado. As Usinas despejam um vinhoto mal cheiroso que entra por entre as janelas do trem e faz com que as pessoas pensem até ser algum desprevenido peidinho infantil O odor toma conta de toda a composição. São ao todo 18 vagões e com a locomotiva somam 19. Sete dos vagões são de carga. Levam bois, telhas. Algumas madeiras para cercas de pinho e muitas mudanças de gente que se transferia para outras localidades. Alguns eram ferroviários que vinham de Bicas para Campos ou de Macaé pata Cachoeira.

No Restaurante todos riem e falam alto. Tapinhas nas costas do dono do pedaço comercial o fazia ficar meio puto da vida com as intimidades dos pobres com ele. Sentia-se um burguês de alta classe porque, além de ter a concessão do uso do Restaurante de Barão até Campos, tinha um sobrinho Engenheiro que sempre estava na mesa “dos homens”, se referindo aos Ingleses donos da Estrada de Ferro. Não admitia e até ensaiou uns cascudos quando um menino pobre lhe puxou os fiapos de uma barba rala e relaxada. Só não conseguiu seu intento porque, ao olhar o menino, viu que estava ao lado de um rosado homem rude de braços musculosos e pernas arcadas. Além do mais o olhar do homem parecia dizer que estava doido para lhe quebrar os últimos dentes de uma boca que tinha três falhas frontais.

A cidade de Campos está próxima e, no vagão de 1 a , João Barbeiro fantasia suas dissertavas e alguns ocupantes da 2 a , classe, vindos do vagão Restaurante entram também e ficam sentados no chão se misturando aos que já estavam inebriados pelo domínio que João despertava desde que o Expresso tinha saído de Macaé. O cheiro de vinhoto se torna mais forte e a Locomotiva, elegantemente, entra em território dos Goitacás.

As pequenas casas ocupadas por funcionários das usinas se abrem com suas janelas enfeitadas de moças e rapazes que olham orgulhosos a Maria Fumaça e sua longa esteira de 19 vagões. Este deve ser o grande momento que marca a sutileza do belo que o olhar admirado nos coloca a vista. São gente simples, operários mesmos e seus filhos que saúdam, a exemplo de outras estações este lindo bicho de metal e ferro com suas rodas barulhentas e um apito sonoro.

Carros de bois. Vindo das Fábricas de rapaduras, de biritas, melados e um povo bairrista ao extremo.

Campos é a cidade mais populosa que o Expresso chega desde que saiu de Barão de Mauá. Aqui esta quase toda a parafernália de oficinas que fazem reparos e reposições . Também é onde o Expresso demora mais tempo. Alem de abastecer de água a Locomotiva os ferroviários entram, vagão por vagão e fazem inspeção em todos os entroncamentos que ligam as composições entre si. Além do mais alguns vagões ficam em Campos e a composição segue para o Espírito Santo com novos carros acoplados. Este processo de ida e vinda de novos vagões não demora muito e nem chega a ser percebido pelos passageiros. Alguns desvios de linhas já pré - realizadas faz com que a harmonia deste trabalho artesanal e puro se transforme numa tarefa alegre e vitoriosa para quem a realiza.



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