DOS FERROVIARIOS AOS PETROLEIROS

A GRANDE MENTIRA MACAÉ-CAMPOS

Por José Milbs

Capítulo XI

O telefone tocado a manivela é atendido por um sonolento X-9 que anota tudo e repassa para um detetive alto, braços músculos, peito bem gordo e que aparenta uma psicopatia visível em seu olhar.

Bufa e deixa exalar um cheio de tarde mal curtido e dos cantos de sua boca fedorenta, duas bolas de babas amareladas escorrem abaixo de seu lábio inferior. Suas mãos ainda cheiram a ossos de uma galinha que havia a pouco comido. O detetive esfrega estas duas mãos, se sentindo o dono da lei. Vamos, grita para o motorista de Jipe que serve de viatura. Temos serviço para fazer. Um perigoso marginal, possivelmente vindo do Rio esta nas imediações da Estação. Positivo, resmunga o motorista que estava cedido a DP de seu órgão de origem.

Vamos logo que a gente aproveita e tenta olhar, mesmo de longe, o homem que toda a região esta reverenciando como herói. Quero conhecer o autor da Longa Mentira Macaé - Campos , finaliza sua fala o detetive Paranhos.

Uma rápida passada num posto de gasolina de um comerciante que ajuda a lei e eles partem. Algema, dois longos trabucos, corda e ainda um soco inglês caso este marginal tente algo.

O detetive tinha vindo de Caxias e Macaé. Ostentava um grande pé que lhe tinha valido o alcunha de “Pé de Chumbo”. Gostava de deitar os presos e pisar em cima te que o infeliz falasse o que tinha feito e o que não tinham Alguns presos, do Rio e de Nova Iguaçu já até tinham denunciado em juízo que “Pe de chumbo” gostava de “Queimar uma rola” nas noites frias das cadeias da Baixada.

Sua bunda grande o fazia, embora apertando muito a calça com o coldre, parecer mesmo um elegante travesti das noites da Cinelândia, em passeios nos arredores da Senador Dantas, Amarelinho e Ponto Azul na Lapa...

Transito da Alberto Torres intenso. Padres e pastores de varias igrejas estão indo para a estação em busca de ver e acompanhar o desfile, em carro aberto, até o centro com o Homem da Longa Mentira . Lá ele receberá as bênçãos e as orações para que tenha longa vida por uma ecumênica região de religiões da região.

O jipe da policia chega ao local. É ele...é ele... È ele, apontam umas 40 pessoas para um canto de muro, cercado por um pequeno gramadinho. Acocorado, já tendo passado as mãos a cabeça e tolado a cara de uma merda rala misturada ao suor do medo, João Barbeiro esta quase que pedindo para ser levado pela policia. Seus olhos ainda estão com o brilho da sabedoria que nasceu com ele. Não esboça nenhuma reação quando “Pé de Chumbo” coloca em seus delicados pulsos o grampo que identifica o fora-da lei. Algemado, cagado e inocente... Coisas de nosso poder judiciário.

“Puta que o pariu”, rosna o detetive, Este filho da puta ta todo cagado. Ate na beira dos olhos tem merca escorrendo. Na delegacia, fala olhando para o motorista que está tampando o nariz com uma mão e segura um trabuco na outra, está sem água até para nossas necessidades. Como vai ser para lavar este puto todo cagado?

Uma multidão já começa a querer gritar “lincha”... lincha... lincha... quando o jipe parte em alta velocidade para a delegacia de Campos.

Um escrivão simpático está sentado numa máquina de escrever de olho num radio rabo quente que da as ultimas noticias sobre o Homem que tinha pregado a Longa Mentira Macaé – Campos.

“Uma rádio fala, cabotinamente, aos berros: Radio Cultura de Campos, falando para o mundo”. O locutor argumenta, dizendo-se ao vivo, e que está em cadeia com mais de 500 emissoras espalhadas pelo mundo. Que o João Barbeiro iria conceder uma “coletiva” as redes de comunicação que estavam chegando à cidade para cobertura.

A dificuldade em falar com o Homem devia ser que, segundo um comentarista da Record de São Paulo , ele tinha sido levado, escondido dentro de toldo amarelo para despistar a imprensa. Afirmava o locutor paulista que devia ser os repórteres da BBCde Londres ou da UPI.

A corria outra versão de que o pregador da Longa Mentira Macaé – Campos talvez estivesse descido em Ururaí. Mais se assim o fizesse teria perdido o seu feito porque a Mentira teria que ser até Campos. Hipótese que era confirmada pela Radio Clube de Macaé, das organizações Dantas .

Outra radio de freqüência modulada e. também de rabo quente, estava no corredor da delegacia onde um amontoado humano, que eram chamados de “acautelados ao Estado”, escutam atentos as noticias da Longa Mentira . Numa das celas, bem aconchegado numa rede de pano azul, um preso se balança alegre e bem nutrido. È o “xerife” da cadeia. Sempre de cara amarrada para parecer bravo ele assumiu esta posição depois de ter sido “moça” numa cadeia de São Gonçalo. Virou “ex” e, de cara de machão acompanha atento as noticias da grande e longa mentira.

João Barbeiro está ainda cheirando a merda quando o Delegado senta-se a sua distancia e pergunta se ele tem advogado. Já estava pensando eu oferecer um seu sobrinho que atendia a “porta de cadeia” e deixava sempre um troco que, somados ao que os bicheiros e prostitutas da Rua do Vieira mandava, dava para eles manter uma amante em sua ida semanal para sua cidade natal. João Barbeiro não sabia nem de que estava sendo acusado.

Não entendi do que seria penado e disse que não precisava de advogado não. Queria era sair dali de banho tomado e poder ver o casalzinho de velhos que estava esperando ele na Rua dos Bondes.

Desacato à autoridade. Trafico de drogas, tentativa de assalto com possibilidade de latrocínio, porte de armas, abuso de poder econômico, atentado violento ao pudor, vadiagem eram alguns dos enquadramentos que o delegado ia dizendo e o escrivão ia numerando numa folha de papel com o emblema da Republica do Brasil.

Desfilava os artigos e ia qualificando. Desacato era por ter sido acusado de dar um ponta a pé na bunda do chefe de estação e se defender quando o “Pé de chumbo” lhe pisou na cara. Trafico porque, foram encontrados em seus bolsos alguns restos de um fumo que parecia, grosso modo, erva do diabo.

O restante do enquadramento nos artigos da lei foram todos explicados e até a condição de estar todo cagado o delegado colocou como sendo ele cagando de bunda de fora na frente de populares na Estação, numa visível tentativa de poluição de cheiro e atentado ao pudor expondo a bunda aos olhares públicos.

Antes de ser recolhido a cela e aguarda um juiz que só vinha de sete em sete dias a comarca. João Barbeiro ainda é obrigado a passar num estreito “Corredor Polonês” recebendo tapas e pontapés de mais de 50 homens aos gritos de “porco, sai daí com esta catinga”. Vai tomar banho. E, outro mais agressivo e violento o mandava tomar em ligares terrivelmente feio e não sei aonde mais...

Recolhido a uma sela João Barbeiro vai aguardar a presença e um Juiz para que seu sofrimento que, se inicia, tenha prosseguimento. Encosta os ouvidos nas grades para uma respiração mais amena e escuta como o demais preso às últimas noticia do Homem Herói que tinha pregado a mais Longa Mentira Macaé-Campos . Pensa nos velhos que o esperam na Rua dos Bondes. Devem estar beirando aos oitentas.

Sempre que ia vê-los tinha uma mesa posta de café moído no pilão do quintal, maracaxeta cosida e assada, milho assado na brasa, um bolo de aipim e outro de fubá. As frutas eles colhiam e punham numa cesta que ele depois levava para os amigos debarbearia em Macaé . Sem falar no descansar de uma rede de fabricação artesanal que eles trouxeram quando visitaram os pais no Pará. Rede feita à mão e com os nomes dos dois velhos escritos em realce. Alcides e Ana. Estes nomes ainda estavam vagando em sua memória quando é desperto por um jato de água fria em seu corpo Ainda estava fedendo e os presos lhe ensoparam as vestes e o corpo. Sentado ainda viu o sol nascendo, nos últimos cantar de um galo mutuca numa casa ao lado da delegacia...
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Jornal O Rebate