DOS FERROVIARIOS AOS PETROLEIROS

A GRANDE MENTIRA MACAÉ-CAMPOS

Por José Milbs

Capitulo I

Canela de Pau era magro, Perna fina, Nunca ia à praia e, quando ia ficava sempre meio escondido, ressabiado com olhares, principalmente feminino Ele pensava que os olhares e os sorrisos furtivos que as adolescentes lhe dirigiam eram de criticas a sua Canela fina e esticada.

Risinhos escondidos em mãos frágeis que vinham das meninas em sua direção era motivo de escondimentos de pernas e olhares desviados. Era assim que ele não assumia a sua beleza magra e sensual. Não imaginava que o conjunto de seu corpo era de uma beleza que a todos encantavam. Ficavam horas e horas em sua praia solitária esperando à hora de solidão para seus mergulhos matinais.

O sol sempre vinha cedinho e Canela de Pau caminhava em direção ao mar que era seu grande aliado no escondimento de suas Canelas. Lá, dentro do mar, furando as lindas ondas parecia um outro menino. Alegre, como um jovem boto, fazia suas entradas e saídas no mar azul e de lindas e reluzentes ondas. Sua existência dentro do mar era diferente da vida em terra. Depois de horas de integração com sua beleza escondida se dirigia aa areias amarelas e de pedrinhas pequeninas em sua praia de sempre. Nada de olhar para os lados. E há poucas horas que olhava sempre tinha algum olhar feminino a lhe gravar a lembrança que lhe levada, automaticamente as suas Canelas fina e compridas. Nada de fixar olhos. Firme ele senta em uma estendida toalha de banho branca e fica olhando o sol e queimando seu lindo corpo de menino de 13 anos.

As horas passam e, chegando aproximar-se do meio dia, se prepara para voltar à casa. Sempre ouvia em, nas longas conversas em família, sentadinho a beira das Cadeiras nas Calçadas estendidas na rua que nasceu e jogou bola de gude, que o sol depois das 12 horas prejudica a saúde. Um olhar escantilhado de um lado para outro faz com ele veja se não está sendo observado por alguma menina.

Agradece ao momento quando sente que ninguém o observa quando se levanta, tira do corpo lindo algumas pedrinhas brilhantes de areia e algumas algas que o vento lhe ornou a toalha e se dirige à rua onde nasceu, brincou os primeiros anos e ainda mora. Longe seu olhar cai nas ilhas distantes da praia. Por algum momento sua cabeça fica belamente atordoada com a beleza do mar e das ilhas nesta manha de 2 a feira num ano qualquer de sua cidadezinha. Seu caminhar é lento como a vida neste mundão de beleza que seus pés pisam. É uma rua com poucas casas a que vai da praia a que ele mora.

Uma rua reta onde o primeiro olhar já pode ver na distancia uma praça no final, a umas duas mil passadas lerdas e descontraídas. Reta não delineada por mãos humanas . Com flores nativas em frente a poucas residências e muito cercado de bambu japonês dá um lindo e esverdeado bronze as pequenas casinhas. Seu caminhar é lentamente despertado pela presença de algum outro menino desta cercania. Alguns indo para praia porque a aula tinham terminado, outros com gaiolas a mão em busca de um passarinho faminto e desprevenido. Cumprimentam-se, param, papeiam coisas da idade. Se a praia esta boa se tem onda forte ou se tem meninas. Perguntas que são repetidas em todos os lábios de quem vive a beira do mar e vão às praias...

Canela de Pau tinha a fama de grande namorador no pequeno colégio público e por isso tinha sempre o olhar ciumento de muitos meninos. O que eles não sabiam era que, na praia ele se assumia diferente de quando estava de farda ou uniforme no colégio. Se antes, falador, alegre, sempre cortejando as meninas na praia era outro o seu modo de agir.

Algumas meninas diziam que ele era “mi tido”. Marrento mesmo e isto ele não tava nem ai para desmentir. Meninos se despedem e caminha em direção a praia e, Canela de Pau aumenta as passadas para chegar a casa, tirar o sal do corpo, comer alguma coisa e ir para o colégio.

Como todo menino nascido em qualquer rua de qualquer cidadezinha de interio r, ele é acariciado afetivamente por todos os moradores da rua. Acenos, cumprimentos, afagos no seu cabelo loirinho já caminhando para o castanho, ele recebe em cada casa que passa na sua ida rápida a casinha onde mora.

Pensamento sempre aguçado no que virá nesta tarde nem nota algumas tranqüilas bicicletas que passam a sua volta. São ferroviários que voltam ao trabalho respeitando o “buso” que tocou pela 2 a vez avisando que esta próxima o ultima aviso de suas chegadas. São homens que trabalham das 7,00 ate as 16,00. Saem de casa sempre pela manha, as 6,30. As 15 pras 7.00 toca o “buso” e eles caminham em direção ao trabalho.

Com uma hora de almoço das 11 às 12 horas eles sempre voltam e ficam conversando nas imediações do seu local de trabalho. Sentam preguiçosamente em baixo de uma amendoeira e alo ficam jogando conversa fora e se informando das novidades comuns todo operário em qualquer parte do mundo.

As pessoas que passam pelo menino ele conhece apenas de nome . Alguns são pais de amigos seus outros visinhos de ruas próximas. Balbucia alguma frase para alguns deles e seu caminhar já esta quase chegando às proximidades de sua morada. Os homens que passaram nas bicicletas já estão dobrando as vielas que os levariam ao trabalho. Pequenos trechos de futuras ruas. Abertas apenas pelo caminhar diário e são de uma beleza incomum . Pequena arvore pés de maracujás, com seus frutos pendurados, algumas pitangas são sempre apanhadas nesta caminhada de velhos e jovens proletários.

Três nomes são chamados este encantamento de ruas. Rua do Meio que viraria Rua Doutor Bueno, Rua da Poça , que se transformaria em Luiz Belegard e a Rua da Igualdade , com seus cemitérios, que manteria seu nome, até por que sería um crime mudar tão sugestivo nome que as pessoas em vida esquecem de viver e pregar.

Chegando à rua que margeia a praia eles (os ferroviários) abrem os botões de suas vestes. Algumas destas vestes estão ligeiramente sujas de óleo. Outras cheiram a madeira raspada. As primeiras são de Caldeireiros, Torneiros, Eletricistas e Ferreiros e os últimos dos carpinteiros.

Todos deixam entrar em seus peitos o sol ameno que bate firme e deixa a mostra à beleza de seus corpos fortificados pela luta do dia a dia. Aproximam-se da velha amendoeira de galhos frondosos e se sentam. Alguns que moram longe e levaram a comida em potes já estão ali de há muito tempo.

Papeiam com alguns poucos turistas que chegam a pé e, na chegada dos que almoçaram em casa, a conversa volta a ser deles. Olhares para mulheres que passam com marido ao lado, para adolescentes que chegam e algumas domésticas que deixaram o serviço e vão também tomar seu banho diário. A maioria que esta sentada em baixo da amendoeira é mesmo de ferroviários. Tem alguns meninos dos bairros próximos mais todos são filhos ou parentes destes homens suados e belos que, sentados ou meio deitados, estão fazendo a historia de suas vidas.

Ainda não apitou o “buso” de 15 para 12.00 e, o tempo parece que para. As sombras que saem dos galhos da frondosa arvore dão um colorido especial às roupas destes homens lindamente rudes que se põem à mostra enfileirada na pequena escadaria que fica em torno do local de sentamento.

Bem atrás, numa distancia de alguns metros turistas estudantes e ferroviários em férias, jogam animada pelada. Entre o local onde eles conversam e o pequeno campinho tem um barzinho onde, aqueles que não foram almoçar em casa podem se sentar e comer e ainda conversar longa e deliciosamente com o proprietário e trabalhadores do barzinho.

Enquanto isso, Canela de Pau já esta quase chegando a casa. Minutos de eternidade são estes que o separam da residência onde o esperam para comer. Na praia, sol a pino, dezenas de pessoas, esticadas em longas saídas e entradas de praia, douram corpos e deixam-se levar pelo sono. Nas pedras que ficam no final da praia, rapazes pulam em trampolins improvisados ou nadam em torno destas pedras cheias de limo verde e balsedos . À direita os muros de um velho Balneário são usados por corajosos meninos em pulos por entre pedras e ondas que vão e voltam. Bem ao longe, num longo muro de pedras, já bem dentro do local onde os proletários cedem sua força de trabalho ao capital inglês, outros rapazes, indo a nado, chegam e burlam a vigilância para se tornarem por algum tempo heróis em mergulhos profundos vindo do alto destes penhascos íngrime e vigiado. A conhecida Pedra do Rodrigo nada mais é do que velhos penhascos estirados à beira mar que fazem dos que ousam nele pular motivo de olhares e admirações de quem está nas pedras que margeiam a praia.

A vida, sempre preguiçosa , faz destes homens, mulheres, crianças e trabalhadores personagens de uma beleza incomum. Fazem histórias sem que saibam de sua importância dentro dela. Não imaginam o futuro. Vivem um presente singularmente deles. Estes minutos de eterna sintonia como divino unem estes seres. Mesmo distantes geograficamente eles se tocam no paralelo que se une. A inexistência dos valores materiais em certos momentos da existência humana poe o homem no patamar da igualdade que faz brotar o prazer do verdadeiro ser.

O menino de 13 anos que caminha para a casa: o proletário ferroviário que papeia em sombra de amendoeira: as meninas que chegam para dourar a linda pela morena: os afoitos e corajosos rapazes que, a nado chegam ao paredão de pulas enfim toda esta minuciosa presença humana, carregadas de energias do vital que os une na existência que vive, se liga de forma harmônica para dar seguimento da vida de uma cidadezinha de interior.

O apito das 12 horas ainda esta longe de chegar. Mais urge que o banho seja tomado. Uma grande bacia com fundo de madeira que substitui o fundo que foi furado pelo tempo de uso, espera o menino com a água morna esquentada pelo sol. Esta água, além de tirar o sal ainda lhe fará bem à saúde porque água esquentada nos raios solares é rica em energias. Assim ele sempre escutou dos seus avós e fica feliz quando chega ao portão de sua simples casa. Recebido no portão por uma senhora de cabelos brancos, vestida de negro e com um lindo sorriso. Existe mesmo uma diferença em ser criado por avó?

Canela de Pau entra porta adentro e vai direito ao quintal tirar o sal do corpo e ir para o colégio. Antes, quando ainda estava uns 180 metros para chegar em sua casa e, já avistava o vulto de sua avó no portão de madeira da casa, ficou matutando sobre suas canelas finas. Quando ia jogar bola no campinho do areal que ficava uns 700 metros de sua residência ou quando ia numa rua distante uns 1000 metros num campinho de uma rua que tinha dois cemitérios ele evitava bola dividida. Poucas idas e vindas ao Estádio Municipal.

Embora gostasse de jogar na “banheira ”, sua posição predileta era na ponta esquerda. Chutava bom com a perna esquerda porque tinha tido um grande corte de caco de vidro na sola do pé direito. Corte que lhe fez ficar muito tempo com curativos porque a região era muito difícil de se cicatrizar. Além do mais os pontos, em forma de grampos que era usado no hospital tinha sido infectado pela constante teimosia em jogar bola pulando numa perna só. Engraçado que quando algum menino cruzava com ele em trombada ele não sentia muita dor e o outro saía reclamando. Canela com canela ele levada vantagem.

Medo de quebrar sua canela fina ele tinha e isto o atormentava . Imagine quebrar a canela no meio. Quando estava no meio da meninada, ora sentado nas beiras dos caminhos ou debaixo de arvoredos, sempre faziam medição de canelas. A dele era sempre a mais fininha e os dedos que mediam o tamanho se encontravam, por menor que fosse a mão que media.

Daí que seu apelido de Canela de Pau corria de boca em boca na meninada de sua cidadezinha natal. Sua sorte pensava, já quase chegando a casa, era que este apelido não estava indo parar nas meninas já que os meninos evitavam espalhar por que achavam que com isso ficariam em pior situação nas divididas das peladas.

Os meninos queriam evitar que as meninas soubessem que eles, num confronto direto de pernas saiam sempre chorando e Canela de Pau bem nas paradas. Isto era um pequeno conforto mais não diminuía sua apurrinhação por ter canela tão fina e cumprida. Os últimos momentos de seu banho na bacia com fundo de madeira foram alegres. Jogava água que ajuntava em suas duas mãos em forma de concha em sua irmã de 11 anos e ainda espantava pintos e galinhas que rodeavam sua bacia. O cachorro amarelo com listas brancas e pelos reluzente esta sentado perto dele e gosta de receber os pingos da água que lhe acalma o calor de meio dia. Lá dentro uma mesa esta sendo colocada para seu almoço o que lhe fará ir logo em seguida para o colégio.

Na praia, a espera do estridente apito que chama os operários/ferroviários para o trabalho, tudo gira em torno de um dia qualquer que pouca diferença faz do ontem e não fará no amanha. Alguns fazem trocas de bicicletas por outra e pegam passarinho cantando “de volta” e outros ainda acender os últimos cigarros encoralados num maço de “cinco pontas” que era um fumo vendido em todos os mercadinhos. Afora o "cinco pontas" havia ainda os “fomo de rolo” vindos diretamente do interior que tinha um cheiro forte. De vez em quando eram maços de cigarro Iolanda, Clarin, Saratoga e Astória com ponteira. Ainda não tinha chegado à cidadezinha o cigarro continental com ponteira.

As pitadas iam de mão em mão parecendo até a volta dos tempos dos índios com seus históricos e harmonioso “ cachimbo da paz”. Entre uma baforada e outra os minutos se eternizavam. Às vezes o assunto deixava de ser as pernas bonitas das meninas e o olhar de soslaio de mulheres casado safadinhas que já existiam, eles buscavam falar sobre seu mundo de operários. Dia após dia trabalhando esperando sempre o “trem pagador” chegar nos primeiros dias de cada mês. Holerite sempre igual. Pouca perspectiva de ver os filhos fora desta vida, eles iam se tornando mais sérios em suas faces lindas e, já com algumas listas em forma de rugas.

Algumas destas rugas eram forjadas na batida diárias de malho em bigorna numa ferraria quente e perigosa. Outras eram mesmo o serenar da vida que estava vindo delicadamente para torná-los mais adultos e sensuais.

As buscas de um mundo melhor semeavam as falas destes homens, cansados de noites de pensamentos e dias de longas jornadas. Impossível mudar isso, falava um velho carpinteiro, bocejando e esticando os braços até onde podiam se encontrar as duas mãos calejadas e dedos longos. Porque você diz isso, resmunga ou caldeireiro moreno e cabelos de carapico.

Tudo na vida pode ser mudado dependendo de como a gente faz a coisa, alertou um jovem guarda-freios que, de férias estava ali junto aos companheiros esperando a hora passar. Como você diz isso com tanta certeza? Interroga um torneiro-mecanico que, sentado ao lado de um ajustador e um velho aposentado, deixou escapar a incerteza de dias melhores. O guarda-freio não titubeou. Olhou seu velho relógio Mido a prova dágua e com voz firme e mansa sentencia: vamos nos unir, bancada com bancada, longe das chefias e dos que almejam chefias porque os ingleses não são bobos e pagam bem a informação.

Vamos de boca em boca fazer de nossa dificuldade um motivo de luta e, em pouco tempo à coisa mudará. Seus olhos brilhavam como deviam brilhar os de centenas de lideres que a história não conta.


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