A dimensão do profundo: o espírito e a espiritualidade

s24 A dimensão do profundo: o espírito e a espiritualidade
Leonardo Boff. Foto: Divulgação

O ser humano não possui apenas exterioridade que é sua expressão corporal. Nem só interioriadade que é seu universo psíquico interior. Ele vem dotado também de profundidade que é sua dimensão espiritual.
O espírito não é uma parte do ser humano ao lado de outras. É o ser humano inteiro, que por sua consciência se percebe pertencendo ao Todo e como porção integrante dele. Pelo espírito temos a capacidade de ir além das meras aparências, do que vemos, escutamos, pensamos e amamos. Podemos apreender o outro lado das coisas, o seu profundo. As coisas não são apenas “coisas”. O espírito capta nelas símbolos e metáforas de uma outra realidade, presente nelas mas que não está circunscrita a elas, pois as desborda por todos os lados. Elas recordam, apontam e remetem à outra dimensão a que chamamos de profundidade.

Assim, uma montanha não é apenas uma montanha. Pelo fato de ser montanha, transmite o sentido da majestade. O mar evoca a grandiosidade, o céu estrelado, a imensidão, os vincos profundos do rosto de um ancião, à dura luta da vida, e os olhos brilhantes de uma criança, o mistério da vida.
É próprio do ser humano, portador de espírito, perceber valores e significados e não apenas elencar fatos e ações. Com efeito, o que realmente conta para as pessoas, não são tanto as coisas que lhes acontecem mas o que elas significam para suas vidas e que tipo de experiências marcantes lhes proporcionaram.
Tudo que acontece carrega, existencialmente, um caráter simbólico, ou podemos dizer até sacramental. Já observava finamente Goethe: “tudo o que é passageiro não é senão um sinal” (Alles Vergängliche ist nur ein Zeichen). É da natureza do sinal-sacramento tornar presente um sentido maior, transcendente, realizá-lo na pessoa e fazê-lo objeto de experiência. Neste sentido, todo evento nos relembra aquilo que vivenciamos e nutre nossa profundidade.
É por isso que enchemos nossos lares com fotos e objetos amados de nossos pais, avós, familiares e amigos; de todos aqueles que entram em nossas vidas e que têm significado para nós. Pode ser a última camisa usada pelo pai que morreu de um enfarte fulminante com apenas 54 anos, o pente de madeira da avó querida, que faleceu há anos; ou a folha seca dentro de um livro, enviada pelo namorado cheio de saudades. Estas coisas não são apenas objetos; são sacramentos que nos falam para o nosso profundo, nos lembram pessoas amadas ou acontecimentos significativos para nossas vidas
O espírito nos permite fazer uma experiência de não dualidade, tão bem descrita pelo zenbudismo. “Você é o mundo, é o todo” dizem os Upanishads da Índia enquanto o guru aponta para o universo. Ou “você é tudo” como muitos iogues dizem. “O Reino de Deus (Malkuta d’Alaha, ou os Princípios Guias do Todo) está dentro de vós”, proclamou Jesus. Estas afirmações nos remetem a uma experiência viva ao invés de uma simples doutrina.
A experiência de base é que estamos ligados e religados (a raiz da palavra “religião”) uns aos outros e todos com a Fonte Originária. Um fio de energia, de vida e de sentido passa por todos os seres, tornando-os um cosmos ao invés de caos, uma sinfonia ao invés de cacofonia. Blaise Pascal, que além de genial matemático era também místico, disse incisivamente: “é o coração que sente Deus, não a razão” (Pensées, frag. 277). Este tipo de experiência transfigura tudo. Tudo se torna permeado de veneração e unção.
As religiões vivem desta experiência espiritual. Elas são posteriores a ela. Articulam-na em doutrinas, ritos, celebrações e caminhos éticos e espirituais. Sua função primordial é criar e oferecer as condições necessárias para permitir a todas as pessoas e comunidades mergulhar na realidade divina e atingir uma experiência pessoal do Espírito Criador. Infelizmente, muitas delas se tornaram doentes de fundamentalismo e de doutrinalismo que dificultam a experiência espiritual.
Esta experiência, precisamente por ser experiência e não doutrina, irradia serenidade e profunda paz, acompanhada pela ausência do medo. Sentimo-nos amados, abraçados e acolhidos pelo Seio Divino. O que nos acontece, acontece no seu amor. Mesmo a morte não nos mete medo; é assumida como parte da vida, como o grande momento alquímico da transformação que nos permite estar verdadeiramente no Todo, no coração de Deus. Precisamos passar pela morte para viver mais e melhor.

* Leonardo Boff é teólogo, membro Comissão Central da Carta da Terra e professor emérito de ética da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
** Publicado originalmente no site Adital.
(Adital)

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