Crise espanhola chega ao setor dos cuidados

bandeira Crise espanhola chega ao setor dos cuidadosValência, Espanha, 5/12/2012 – “É muito doloroso trabalhar e quando chega a hora de receber não te pagarem. E não poder denunciar por não ter contrato nem documentação”, disse à IPS a dominicana Rossana*, uma das muitas imigrantes que trabalham como cuidadoras e empregadas do lar na Espanha. Aos 32 anos, Rossana chegou à Espanha em fevereiro de 2011 procedente de Santo Domingo, onde deixou três filhos, de 15, oito e quatro anos, que dependem em boa parte de suas remessas de dinheiro.
Trabalhou na cidade de Barcelona durante seis meses como cuidadora de uma senhora idosa até sua morte, quando foi demitida sem nenhuma indenização, e desde então Rossana assegura que “apenas há emprego e o que há não é dado a imigrantes sem os devidos documentos, como eu”. Sobre situações como a de Rossana foi discutido no dia 29 de novembro na cidade de Valência, durante o fórum Mulher, Migração e Cuidados, promovido por organizações de mulheres imigrantes.
Elas cuidam de idosos, crianças e pessoas dependentes, passam roupas e cozinham; o trabalho da empregada do lar, pouco reconhecido socialmente, tem rosto de mulher e na Espanha é realizado em 65% por imigrantes, boa parte procedente da América Latina, de cujas remessas dependem familiares em seus países de origem.
A Pesquisa da População Economicamente Ativa do Instituto Nacional de Emprego na Espanha revela que há 667 pessoas empregadas do lar, das quais 592 mil são mulheres. Mas o setor conta com apenas 399.796 filiados ao sistema de Assistência Social, segundo os últimos dados oficiais de uma profissão na qual reina a chamada economia submersa.
“Ocorrem situações de abusos que beiram a escravidão”, disse à IPS a economista espanhola Carmen Castro, especialista em políticas públicas e igualdade de gênero e que participou do fórum com a palestra “O que fazemos com os cuidados? Alternativas para outro modelo de sociedade”. Ela assegura que, “quando se dá a conjunção de ser mulher, trabalhadora doméstica e imigrante, se agrava a situação de vulnerabilidade e precariedade”.
Rossana viveu na própria carne duros enganos, como quando encontrou um trabalho pela internet para cuidar durante toda a noite de um idoso em um hospital durante dez dias, e no ficou sem receber o pagamento. “Há muitas aqui com as quais acontece o mesmo”, afirmou. Também há experiências positivas. Entre elas a de Nancy, jovem venezuelana que trabalhou cuidando de um menino por mais de um ano e conseguiu a residência graças ao empenho de Remédios, a mãe do garoto e sua empregadora que não duvidou em enaltecer suas qualidades à IPS.
Para revalorizar e dignificar o trabalho de cuidadoras e empregadas do lar e defender seus direitos, meia centena de mulheres colombianas imigrantes e com experiência migratória criaram em 2011 a cooperativa transatlântica Coomigrar. A organização atende mulheres que vivem na cidade colombiana de Pereira e as espanholas de Valência e de sua vizinha Alicante, e participou da organização do fórum.
A Coomigrar pretende “dignificar um trabalho que as mulheres fazem e que não é reconhecido”, explicou Luisa Vidal, coordenadora na Espanha da organização feminista colombiana Sisma-Mulher, impulsionadora do projeto apoiado pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. Na Colômbia, a Coomigrar presta, desde julho de 2011, serviços profissionais de cuidado de crianças, adultos e dependentes e apoio doméstico, enquanto na Espanha sua função se volta no momento para incidir e sensibilizar sobre os direitos das mulheres. Também visualiza seu papel como agentes de desenvolvimento e capacita suas sócias.
“Nenhuma sociedade é sustentável sem o trabalho de cuidados”, disse à IPS a refugiada política Leonora Castaño, coordenadora e sócia da Coomigrar. Ela afirmou que as trabalhadoras do setor na Espanha continuam sofrendo “um forte déficit de direitos trabalhistas” em relação aos demais setores, apesar de a nova normativa que regula a relação trabalhista do coletivo.
Em uma tentativa de tirar as empregadas e os empregados do lar da economia informal, suas condições de trabalho passaram a ser reguladas desde o primeiro dia deste ano por uma lei que obriga seus empregadores a fazerem um contrato, inscrevê-las na Assistência Social e pagar as contribuições correspondentes. “Muitos empregadores não estão contratando” suas trabalhadoras no serviço doméstico, como obriga a norma, disse Vidal à IPS.
A nova legislação considerada insuficiente pelas participantes do fórum, mantém a livre demissão e não soma ao setor os trabalhadores com direito a ajuda por desemprego. Mas estabelece a obrigação de contrato, normatiza o salário mínimo, limita os horários, fixa indenização de 20 dias por ano em demissões e obriga a um aviso prévio, garante acesso gratuito à saúde e dá direito à aposentadoria, entre outras melhorias.
A Espanha sofre os embates de uma crise econômica e financeira que aumenta a desigualdade social e cujo dado mais angustiante é uma taxa de desemprego de 26% da população economicamente ativa, com seis milhões de desocupados, segundo dados oficiais europeus do dia 30 de novembro. Muitas mulheres imigrantes que trabalhavam como cuidadoras para famílias espanholas estão conhecendo o desemprego e voltam para sues países. “Há momentos em que digo que quero ir, mas depois penso que continuarei lutando”, contou Rossana.
A Coomigrar, que se constitui em uma alternativa à crise pela qual passam as mulheres com experiência migratória, ajudou há pouco duas colombianas que voltaram para sua terra a conseguirem trabalho, disse Vidal.
“É preciso dar valor ao trabalho dos que cuidam das pessoas que outros não podem cuidar”, disse à IPS a psicóloga Luz María Arias, integrante da cooperativa colombiana e que vive há 12 anos na Espanha com sua família. Arias valorizou no fórum o fato de que “se passou de criada a empregada do lar”. Para ela existe maior conscientização, mas “ainda há pessoas que se aproveitam”. A nova norma passa a denominar o setor como serviço do lar familiar e seus profissionais como empregados do lar. Mas, para Rossana e muitas outras, ainda não surgiram as mudanças por trás das palavras. Envolverde/IPS

* Rossana e outras fontes desta reportagem pediram para não terem seus sobrenomes divulgados.
(IPS)
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