Um crime perfeito

Desde a invasão americana da casa de Bin Laden, em 2 de maio, a comunicação da Casa Branca tem se mostrado incapaz de apresentar um cenário de credibilidade para a operação. Uma comunicação "caótica", "mal orquestrada", "incoerente" - não faltam adjetivos para descrever algo que não pode deixar de ser qualificado como um "fiasco", mas ainda assim é surpreendente para uma operação preparada há tanto tempo.

Quando se conhece a perícia do escritorio de informação e comunicação da Casa Branca, é difícil ficar satisfeito com as explicações em termos de erro de comunicação ou atraso de informações sobre o fato. As condições para um novo processo para dar credibilidade, comparável à que existe já há dez anos para a versão oficial do atentado contra o World Trade Center, estão reunidas e sua instrução está longe de ser compreendida, haja vista as improbabilidades que se acumulam, as contradições não explicadas e as provas, que estão faltando.

A execução de Bin Laden se reveste de todos os sinais de um "crime perfeito" ao qual se referia o filósofo e sociólogo Jean Baudrillard (1929-2007), um crime cujos autores são anônimos, a história impossível, o cadáver não encontrado e onde todos os fragmentos das provas desapareceram na noite paquistanesa, apesar de terem sido filmados por câmeras montadas nos capacetes dos membros do comando e acompanhados ao vivo pelo executivo dos EUA. Um alvo invisível. Uma execução invisível. Um cadáver invisível. Um verdadeiro buraco negro no mundo da mídia que se manifesta por seus efeitos induzidos: a proliferação de evidências conflitantes, cenários sucessivos, hipóteses improváveis ...

A execução de Bin Laden cria esse tipo de invisibilidade no coração da transparência da mídia, a invisibilidade do óbvio, que relembra Edgar Poe em "A carta roubada", o que mostra também o encobrimento de Bin Laden no coração do dispositivo de segurança do Paquistão; em um dos lugares mais inspecionados no mundo, do qual nos é dito que é o já famoso "ultra-seguro complexo de Abbottabad. A invasão dos EUA sobre a pequena cidade da guarnição ficará na memoria como um caso exemplar deste disfarce das aparências características das sociedades de hipercomunicação. A violência foi disfarçada. Limpou-se a história. Eliminou-se o cadáver, acreditando-se talvez assim exorcizar os atentados de 11 de setembro e seu renomado autor, envolvendo-se um e outro na mesma mortalha branca e transportados ao mar do esquecimento. A caçada ao fugitivo mais procurado do mundo pode dar lugar a uma forma de "obsessão": a de deixar o corpo insepulto. Das cavernas de Tora Bora para as profundezas do mar de Omã, que os fundamentalistas estão prestes a batizar como "Mar do Mártir", transformando em um local de peregrinação uma simples massa de água, com um corpo jamais encontrado e que viajará melhor ao sabor da imaginação.

Após o 11 de setembro, especialistas em contraterrorismo não deixaram de insistir na necessidade de opor uma história coerente com o imaginário do qual se alimenta o terrorismo. "Dois especialistas do Centro de Conflitos Contemporâneos argumentam que a guerra contra o terrorismo deve levar em conta as historias que os terroristas contam. O nascimento, a maturação e a transformação das organizações terroristas baseiam-se em histórias que devem ser decodificadas se quisermos definir uma estratégia para minar sua eficácia. "Desconstruir o mito fundador da Al-Qaeda significa assumir que somos capazes de oferecer um mito alternativo", uma história melhor do que a proposta pelos devoradores de mitos""...

Mas foi o contrário que aconteceu. Longe decodificar o mito fundador da Al Qaeda, os americanos tem-no alimentado, talvez inconscientemente. Após o 11 de setembro, Bin Laden encarnou esse herói solitário, que aparece e desaparece a seu criterio, zombando da maior potência mundial, um Clint Eastwood árabe, um Robin Hood muçulmano que pretende vingar o sofrimento do povo palestino. É a figura de justiceiro que se baseia em estereótipos, dos "western" de Hollywood, uma lenda ou um mito de que Bin Laden não poderia ter criado sem a ajuda dos Estados Unidos, que participaram na produção, da mise-en-scène e difusão dessa lenda; de George W. Bush, que lançou a caçada a Bin Laden com um cartaz onde se lia "procura-se vivo ou morto", como no velho oeste, até a infeliz escolha do nome de código para a operação, "Geronimo" para designar o ataque final contra o Forte Apache de Bin Laden, o complexo de Abbottabad.

Isto significa que se os "fazedores de complôs" estão errados quando se empenham em denunciar os índices de um conluio "operacional" entre os serviços secretos e a Al-Qaeda, em vez de expor a co-produção de um mito compartilhado. Sua rivalidade não é operacional, não é disputada nos campos de batalha, ela tem o objetivo de captar as atenções, o poder sobre os corações e as mentes. Seu modo de operação é o mesmo. Eles agem por meio da surpresas, feitos teatrais. Eles manipulam o suspense. Eles são guerreiros da tensão narrativa.

Ambas as imagens revelam o inconsciente em ação neste empreendimento para a conquista dos espíritos em escala mundial. Na primeira, vemos Barack Obama e sua equipe acompanhando o ataque das forças especiais sentados numa sala conhecida como "sala de situação" ("situation room"). Na segunda, Ben Laden, com um controle remoto na mão, trocando de canal em canal, em busca de sua imagem na TV. Nestas imagens, não podemos ver o ataque das forças especiais, nem ouvir qualquer declaração de Bin Laden. O importante não é a sequência de eventos ou do discurso, o suspense ou o efeito da linguagem. O importante é o dispositivo de visão.

Estamos incluídos em um triângulo perceptivo que não afirma nada (já que a ação não é visível e que o som é desligado) além dele mesmo. Neste dispositivo, somos o terceiro lado de um triângulo que envolve a ação, o autor e o público na mesma tomada. O objeto é invisível. O olhar é cativo. Estas fotos não mostram nada mais do que um dispositivo onde há o mais puro "simulacro", que não passa do espetacular no sentido estrito, uma vez que a rigor não há nada para ver, mas uma mentira na medida em que instala uma relação triangular, onde todo mundo olha o outro tentando ver o que não é visível. O mundo da mídia reconheceu isto desde o início, tanto que reservou para essas imagens um sinal de boas-vindas a um herói: a cena do crime perfeito.

Christian Salmon, fundador do Parlamento Internacional de Escritores, membro do CNRS

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