Itália e Battisti: Crise não é Diversão Suficiente

O Estado Italiano e todos seus colaboradores parecem não ter suficiente “lazer” com as manifestações anticapitalistas dos últimos dias, onde grupos de cidadãos desesperados observam a desaparição dos poucos benefícios europeus que a Itália ainda conservava. Os violentos mascarados, que apareceram numa operação típica dos arditi de Mussolini, serviram para desviar a atenção da supressão dos últimos vestígios de democracia social na península e (como na famigerada chacina de Génova de 19 a 22 de julho 2001) para tratar a indignação popular, deturpada por infiltrados vandálicos da própria direita, como caso de polícia.
Também serviram como pretexto para que quase uma centena (a mídia não coincide em suas informações) de pessoas seja massacrada.
Os atos pacíficos, que os fascistas e (antes deles) os “finiseculares[i] ” sempre sabotaram com provocadores infiltrados, é uma das grandes tradições da Itália, que ajudou na manutenção de democracias precoces e efêmeras em diversas regiões. Mas, essa tradição é atacada desde há três décadas, no que os especialistas entendem como um nítido ressurgimento do fascismo.
O sindaco (prefeito) de Roma, Giovanni “Gianni” Alemanno, megalómano esportista membro do partido fascista MSI desde sua adolescência, e o veterano presidente Giorgio Napolitano, stalinista desde a mesma idade, estiveram novamente juntos como nas “gloriosas” épocas do Pacto Von Ribbentrop – Molotov para deplorar a violência, que eles atribuem à esquerda.
Mas, nem sequer estes problemas abalam as manobras tortuosas da Itália no Brasil, algo que não surpreende, pois é típico das culturas mafiosas e conspiratórias. Em outra época ou local poderia acrescentar-se “acredite se quiser”, mas não farei isto. Nada que provenha daquele estado e seus mercenários pode ser alvo de surpresa.
A Itália quer embargar parte do acórdão do STF sobre a extradição número 1085, que encerra definitivamente o caso Battisti, e que representa, em forma escrita, a decisão da maioria na sessão de 8 de julho desse ano. (Vide)

 

Petulância Mafiosa

Recentemente, os advogados[ii] , do Estado Italiano na causa da extradição 1085, reclamaram do STF a modificação de alguns pontos do acordão redigido pelo Ministro Luiz Fux. Observem a gravidade desta pretensão: a Itália quer que o judiciário brasileiro modifique uma sentença, já que acordão é simplesmente uma sentença coletiva de um corpo colegiado.  
Um desses pontos é o seguinte, que se encontra na Recusa de extradição: reclamação e insindicabilidade do ato do Presidente da República (RD 11.243, a partir do ponto-§ 53)
Compete ao Presidente da República, dentro da liberdade interpretativa que decorre de suas atribuições de Chefe de Estado, para caracterizar a natureza dos delitos, apreciar o contexto político atual e as possíveis perseguições contra o extraditando relativas ao presente, o que é permitido pelo texto do Tratado firmado (art. III, 1, f). O Supremo Tribunal Federal, além de não dispor de competência constitucional para proceder a semelhante exame, carece de capacidade institucional para tanto. Aplicável, aqui, a noção de “institutional capacities”, cunhada por Cass Sunstein e Adrian Vermeule (Interpretation and Institutions. U Chicago Law & Economics, Olin Working Paper, Nº 156, 2002; U Chicago Public Law Research Paper nº 28. Disponível em: acesso em 27/05/2011) – o Judiciário não foi projetado constitucionalmente para tomar decisões políticas na esfera internacional, cabendo tal papel ao Presidente da República, eleito democraticamente e com legitimidade para defender os interesses do Estado no exterior. [O grifado é meu]
Esta declaração do ministro Fux não é apenas impecável desde o ponto de vista jurídico, mas contém implicitamente uma importante questão sociológica. Com efeito, o judiciário, pelo menos teoricamente, deve defender os direitos dos habitantes; quando fixa limitações a alguém, é porque o réu é passível de ameaçar os direitos dos outros. Por esse motivo, o STF tem a prerrogativa de proibir a qualquer funcionário, por importante que seja (incluído o próprio chefe de Estado), de efetuar uma extradição. Entretanto, a justiça não tem poder para forçar uma extradição, quando a autoridade competente (no caso do Brasil, o chefe de Estado que é, ao mesmo tempo, o chefe do executivo) decide recusá-la. Mas, quando o presidente e seus assessores justificam sua recusa, obviamente, devem formar-se uma opinião sobre o caso. Ninguém pode seriamente dar um parecer “no escuro”. Nesse momento, o chefe de estado interpreta, segundo seu critério, os delitos em apreço, como Fux faz notar na parte grifada do texto.
O ponto que mais parece ter incomodado os bersaglieri é aquele que reconhece o direito do chefe de estado a interpretar a natureza dos delitos. Observemos que, se tivesse acontecido o contrário, o presidente não teria direito a qualificar os delitos. Se, por exemplo, o STF tivesse proibido realizar a extradição e tivesse reconhecido que os delitos são políticos (como disse, no dia 9 de setembro de 2009, Marco Aurélio de Mello, se baseando nas próprias fontes italianas), Lula não poderia ter executado a extradição, aduzindo, por exemplo, que os delitos eram comuns.
O STF tem exclusividade constitucional para qualificar a natureza dos crimes nesse sentido protetor que deve caracterizar a justiça. Justamente, esta cláusula introduzida na Constituição, que é mais avançada que as de alguns países desenvolvidos, tem por objetivo evitar que um governo pouco sensato extradite um estrangeiro lhe acusando de crimes comuns.
O ataque contra este irretocável acordão deve dar uma idéia do tamanho das provocações do Estado Italiano. Não há motivo para pânico, pois estas provocações sucessivas, feitas diretamente pela Itália ou por seus alcoviteiros, que incluem Haia, o problema do visto e agora isto, são simplesmente amostras de impotência e ressentimento vingativo. Isso não significa, porém, abdicar do estado de alerta, como parece acontecer com alguns setores da rede de proteção de Cesare Battisti.
Aqui há dois problemas diferentes.
(1)   No caso do escritor italiano, devemos perceber que a Itália está decidida a multiplicar estas provocações ao infinito. Isto não deve ser considerado impossível, pois a crise que o país atravessa não é motivo para afastar-se destas atividades dispersivas, mas, muito pelo contrário, é causa de que as forças dominantes tentem distrair a atenção com outras questões (como aconteceu nos anos 30). Outro fato que não deve ser confundido é a relação entre governo e estado. Muitos ativistas, incluso alguns esclarecidos, insistem em carregar toda a culpa no atual governo italiano, e acreditam que uma mudança política mudaria também esta cruzada inquisitorial.
É fácil observar que não é assim: Battisti foi sequestrado no Rio de Janeiro, em março de 2007, por forças policiais multinacionais que contavam com o apóio da Itália, na época do governo Prodi, inimigo da atual administração Berlusconi. Além do governo, quase todo o judiciário e todo o parlamento (desde que Rifondazione perdeu suas vagas) participam da orgia linchadora. Deve lembrar-se que em novembro de 2009, quando se anunciou a vitória do voto em favor da extradição no STF brasileiro, os parlamentares italianos aplaudiram e muitos deles brindaram à próxima morte de Battisti, o que provocou mal-estar até em outros membros da máfia parlamentar, que pediram desculpas à família de Cesare, e criticaram aos colegas que mostravam o jogo. Nessa época, o ministro La Russa disse que não deviam “assustar o governo brasileiro” porque a decisão final estava com Lula.
Ainda, o chefe de Estado, o presidente Napolitano, figura egrégia do stalinismo, é o mais eficiente propugnador da extradição, embora, por sua condição de homem culto e refinado, não exiba a rudeza dos membros do governo.
(2)   O outro problema nada tem a ver com Battisti nem com extradição: trata-se da soberania brasileira. O direito humanitário é consciente de que a soberania, num sentido absoluto, é um típico valor da direita, mas existe uma soberania relativa que consiste na capacidade de um estado de decidir sem interferências sobre ações que defendam as pessoas que estão dentro de seu território, sejam ou não nativos. De fato, a oposição ao imperialismo é uma oposição à pretensão de outros estados de estender sua soberania escravizando outros povos. Por isso mesmo, a limitação de soberania é necessária para a defesa dos direitos humanos, como aconteceu recentemente na Líbia.

Apoiar a Justiça

Brasil é um país que têm alguns grandes juristas, mas eles são poucos em relação com o tamanho e as necessidades do país. Aliás, muitos juristas foram badalados por razões que não parecem propriamente jurídicas. Um exemplo catastrófico é o de um dos “papas” do direito brasileiro, que escreveu um artigo sobre Battisti onde começa assim:
Cesare Battisti, condenado pela justiça italiana à pena de morte [sic] pela prática de quatro homicídios, fugiu para o Brasil.
[Se não acreitar, veja]
Qualquer humano pode cometer erros, mas existem erros de diferente tamanho. Qualquer criança que assista à escola já sabe no 3º grau que a Itália está na Europa. Nem falar então, de muitos outros charlatães togados.
É fundamental que a sociedade civil faça chegar seu mais forte apóio ao ministro Luiz Fux e também aos ministros Marco Aurélio, Carmen Lúcia e Joaquim Barbosa. Este apelo não vai dirigido apenas à rede de solidariedade com Battisti, pois o que está sendo explodido não é só o direito a justiça de uma pessoa, mas qualquer possibilidade de justiça. Num país onde máfias nacionais ou estrangeiras são capazes de alterar sentenças, não nenhuma possibilidade futura de justiça.
Se estimularmos os magistrados honestos e lúcidos, talvez dentro de algumas gerações o Brasil e outros países da América Latina tenham realmente um sistema judiciário humano. Se estes dignos juízes não recebem apoio da cidadania, podem acabar isolados pelo peso do corporativismo e a irracionalidade do sistema que eles tentam melhorar.
Por causa deste caso paradigmático, percebemos que agora a justiça não está apenas ameaçada pela mídia, por leguleios, por politiqueiros, e pela própria legião de medíocres nela enquistados, mas também pela máfia internacional. Não cometamos o erro que menciona Bertold Brecht em seu célebre poema de esperar a reagir quando não seja possível.
______________________________
[i] Nome dado ao movimento irracionalista de fin de siècle, que se tornou extremamente forte na Itália após a Unificação, cujos principais representantes foram Gabriele d'Annunzio e Enrico Corradini. A partir de 1870 eles propugnavam o irracionalismo romântico, a luta contra a democracia, o racismo, o antifeminismo, e a inutilidade da paz.
[ii] O chefe da equipe de defesa da Itália já foi advogado de Collor, de PC Farias e de outras figuras análogas cuja lista não caberia neste artigo.

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