As hidrovias de São João da Barra

Leio que Jaime Lerner formulou o novo Plano Diretor para o município de São João da Barra. Nele, o famoso urbanista pretende valorizar o transporte hidroviário. Não sei se o seu escritório entregou o plano pronto ou se ele tem ainda forma de anteprojeto. Lembro que, pelas leis em vigor, a formulação de um Plano Diretor só é legal e legítima se passar pelo crivo de audiências públicas.
Quero comentar a intenção de valorizar as hidrovias num município que contava com muitas e as abandonou e destruiu. A primeira notícia do território que serviria de suporte a São João da Barra refere-se a hidrovias. Em 1633, os Sete Capitães, iniciadores da uma colonização contínua do norte fluminense em moldes europeus, navegaram por um córrego que os levou da margem direita do Rio Paraíba do Sul ao Rio Iguaçu. Tratava-se de um sistema hídrico formado por lagoas e canais naturais que drenavam águas do Paraíba do Sul para as Lagoas de Gruçaí e Iquipari, bem como para o Rio Iguaçu, todos eles navegáveis. Foi batizado de Rio Doce ou Água Preta.
O falecido Domingos Rodrigues da Silva, morador num pequeno sítio nas cabeceiras da Lagoa de Iquipari, antiga Lagoa da Lucrécia, explicou-me que o caminho d'água matou a navegabilidade de todo o sistema. Perguntei-lhe que caminho era esse. Respondeu-me que é o Canal de Quitingute, responsável por drenar as lagoas formadoras do antigo Rio Doce. Este canal também isolou o Rio Iguaçu da Lagoa Feia e o transformou na Lagoa do Açu. Fernando José Martins, historiador do século XIX, registra que a barra do Iguaçu apresentava uma vazão descomunal. Para completar, o grupo EBX vai aterrar as cabeceiras da Lagoa de Iquipari para erguer um distrito industrial. A religação da lagoa ao Paraíba do Sul vai se tornar irreversível.
Em 1785, Manoel Martins do Couto Reis examinou a Lagoa do Veiga, muito estreita e paralela à costa, entre a Lagoa de Iquipari e o Rio Iguaçu, e conclui que ela oferecia condições medíocres para a navegação. Mas oferecia. Atualmente, não mais. Primeiro, a localidade do Açu foi seccionando a lagoa em vários pontos no seu setor sul para a expansão do povoado. Agora, a parte íntegra dela será cortada por um canal de 300 metros de largura pela OSX, empresa do grupo X, a fim de permitir a entrada e saída de grandes navios para o estaleiro que será ali construído.
Quem nasceu no núcleo urbano de Gruçaí ou lá viveu boa parte de sua vida até os anos de 1950, conheceu um valão que ligava a Lagoa de Gruçaí ao Rio Paraíba do Sul. Esse valão era navegável por canoas, mas foi sendo aterrado em vários pontos. A estrada de acesso a Gruçaí o cortou de tal modo que as águas das cheias levam-no a buscar sua ligação primitiva com a lagoa passando sobre a rodovia. O golpe de morte infligido ao canal foi a instalação do SESC Mineiro, tomando imensa área da restinga.
Quanto ao Rio Paraíba do Sul, era ele navegável da foz até seu último desnível (no sentido nascente-foz). Havia uma empresa de navegação em Campos que proporcionava a pessoas de renda alta um passeio pelo rio, cruzando sua foz e visitando o mar em frente a Gruçaí. Em São João da Barra, foi construído um porto para navios de porte médio, hoje em ruínas.
O município de São Francisco de Itabapoana nasceu com o desmembramento de grande parte do município de São João da Barra. Na margem esquerda do Paraíba do Sul que hoje se volta para São Francisco de Itabapoana, foi aberto o Canal de Cacimbas para permitir a navegação entre o rio e a Lagoa de Macabu. Sua finalidade era facilitar o escoamento de toras cortadas no grande Sertão de Cacimbas e da produção rural. Abandonado, ele foi incorporado à rede de canais construída pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento como canal de drenagem.
O finado Ezequiel Soares de Souza, conhecido como Isac, contou-me uma vez que, nas cheias, era possível navegar de canoão do Rio Guaxindiba, cruzando o Paraíba do Sul, até chegar à Casa Sincera, importante loja comercial hoje decadente. Este trajeto não é mais possível por água, nem nas enchentes extraordinárias.
Por fim, mas nunca por último, o Rio Itabapoana possibilitava a navegação de navios de médio porte. Pero de Góis, o primeiro donatário da Capitania de São Tomé, partiu da Enseada do Retiro, onde foi erguida a Vila da Rainha, primeiro núcleo urbano europeu na região, e subiu o Itabapoana até sua última queda d'água (sentido nascente-foz), onde construiu um porto e um engenho movido à energia hidráulica. Séculos depois, ergueu-se famoso porto em sua foz pelo empresário Simão Mansur.
Por estas breves linhas, conclui-se que São João da Barra tinha várias hidrovias, todas elas abandonadas e destruídas depois da ferrovia e da rodovia. Agora, Jaime Lerner quer revalorizar os caminhos d'água. Não sei se seu projeto prevê a recuperação dos já existentes ou a abertura de outros. No primeiro caso, dificilmente seu projeto será implementado. O complexo industrial-portuário estará no seu caminho, embora tenha financiado o plano.
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