UMA MÃO GANHA COM DOIS CURINGAS TIRADOS DA MANGA

Stalin saiu vitorioso da luta interna do Partido Comunista da União Soviética, na década de 1920. Mas, com seu  socialismo num só país, acabou por engendrar uma sociedade totalitária tão monstruosa que tornou execrável a imagem do comunismo  e contribuiu decisivamente para o aborto da revolução mundial, que daria um fim ao pesadelo capitalista.

Já Trotsky, o derrotado, passou à História como o profeta que, antes de todos, vislumbrou a armadilha para a qual marchavam os bolcheviques ("primeiro o partido substitui a classe trabalhadora, depois o Comitê Central substitui o partido e, finalmente, um tirano substitui o Comitê Central"); como o guerreiro que resistiu com unhas e dentes ao desvirtuamento dos ideais marxistas; e como o mártir que entregou a vida em prol do internacionalismo proletário.

Quem foi o verdadeiro vencedor? O que conquistou o poder mas, no longo prazo, seria o principal artífice de uma derrota de proporções catastróficas? Ou o que perdeu o poder, mas permanece até hoje como um grande referencial da transformação revolucionária de que a humanidade desesperadamente carece?

Foi o que levou o extraordinário historiador marxista Isaac Deutscher a discorrer sobre  derrota na vitória  e  vitória na derrota.

Infelizmente, depois das jornadas heróicas de 1968 e anos seguintes, grande parte da esquerda voltou ao maniqueísmo, utilitarismo, imediatismo e amoralidade da era stalinista.

Antes, éramos percebidos como a alternativa à putrefação moral da burguesia que, em sua atual decadência, pisoteia insensivelmente os valores nobres outrora orgulhosamente professados.

Ahora, no más!  
Nas escolas, nas ruas, campos e construções somos tidos como farinha do mesmo saco.

De um lado Israel barbariza até frotilhas humanitárias e massacra sistematicamente populações indefesas, lixando-se para as sucessivas condenações na ONU e para a indignação de todas as instituições e pessoas civilizadas do planeta.

1989: o 'coroamento' da obra de Stalin

Os EUA chegam ao cúmulo de manter presos, em Guantánamo, coitadezas que sua Justiça mandou soltar, sob o pretexto de que país nenhum quer recebê-los (noutros tempos, libertaria até o próprio Bin Laden, se um tribunal assim decidisse). 

Do outro lado, Chávez introduziu o método da escalada dissimulada ao poder absoluto, subjugando pouco a pouco o Legislativo e o Judiciário com favorecimentos e intimidações. É uma fórmula bem mais afim de Maquiavel que de Marx e Proudhon. Verdadeiras revoluções proclamam seus objetivos, perseguem-nos altaneiramente e deles têm orgulho.

E, mesmo no Brasil, a política foi convertida num Oeste selvagem, com o tiroteio entre esquerda e direita passando longe de quaisquer ideais e princípios. Só importa alvejar o inimigo, mesmo que imitando-lhe as práticas mais condenáveis.

Foi como começou o  mensalão: ao invés de denunciar e combater a podridão entranhada na política brasileira (como sempre prometeu que faria), o PT optou por comprar apoios (como os partidos à direita sempre fizeram).

É injusto que só os  mensaleiros  sejam punidos, quando práticas equivalentes se repetem em todos os níveis das administrações municipais, estaduais e federal, sob o manto de uma impunidade avassaladora? É.

Mas, eles são verdadeiramente inocentes? Não. Mesmo seus mais ardorosos defensores, no fundo, sabem disto.

Foram condenados por práticas revolucionárias, que justificassem o apelo à solidariedade revolucionária? Não. Subornar a pior escória da política brasileira para garantir a maldita  governabilidade  (quantas infâmias são cometidas em seu nome!) é simplesmente indefensável do ponto de vista dos autênticos revolucionários.

Então, as pessoas ditas de esquerda que querem salvá-los a qualquer preço, enquanto o PIG martela dia e noite que mais uma vez os poderosos escaparão de cumprir pena no Brasil, o que fazem, verdadeiramente? Matam, no cidadão comum, a esperança de que a esquerda pudesse ser diferente do lixo que a direita é.

Sem esquerda autêntica, o que sobra é uma geléia geral

Agora, o STF está prestes a retardar o desfecho de um caso que se arrasta há mais de oito anos, acolhendo os  embargos pela tangente (ou seriam saídas infringentes?) que, uma vez aberto o precedente, eternizarão os julgamentos de réus que podem contratar os melhores advogados.

E isto graças ao voto de dois ministros novatos que, como pegaram o bonde andando, estavam moralmente obrigados a abster-se de influir no resultado final, como um deles até chegou a prometer que faria 

Qual um bumerangue, os benefícios que tal situação esdrúxula venha a trazer de imediato para 12 réus poderão ficar muito aquém das futuras consequências nefastas. P. ex., é ISTO que os petistas querem que esteja em evidência durante a campanha eleitoral de 2014?! 

E o artifício se evidenciará, para as pessoas capazes de enxergar um palmo à frente do nariz, como mera trapaça. Virada de mesa. Uma mão ganha com dois curingas tirados da manga.

Ou conforme escreveu, com sua elegância característica, o Carlos Heitor Cony:
"...os dois novos ministros, homens acima de qualquer suspeita, indicados recentemente por dona Dilma, nada perderiam em talento e formosura se se declarassem impedidos de apreciar a decisão de um colegiado do qual não participaram nem tiveram tempo para destrinchar os complicados labirintos que foram investigados exaustivamente pelos demais ministros... [Então] os votos que deram não deixaram de ser uma emenda no soneto que não fizeram".
Vitórias deste tipo só nos conduzem a derrotas tão acachapantes como a que o stalinismo sofreu.

Existimos para despertar a consciência dos explorados, de forma que possam tornar-se sujeitos de sua vida e da História. Não para reduzi-los ao primarismo dos torcedores de futebol, para os quais vencer é unicamente o que importa, nem que seja com gol de mão no último segundo dos acréscimos.

     * jornalista, escritor e ex-preso político. htpp://naufrago-da-utopia.blogspot.com

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