Trabalho Precário: As Várias Formas

Quando se trata de terceirizar produtos com alto teor de mão-de-obra, o índice salarial da China, extremamente baixo, é uma vantagem óbvia  [Grifos meus]
James W. Hemerling, consultor de grandes bancos americanos e um dos gurus da globalização. Sua frase não deixa dúvida sobre as “vantagens” de terceirização.

O conceito precário é graduável, pois podemos falar demoradias mais ou menos precárias, hospitais mais ou menos precários, trabalho mais ou menos precário, etc.. “Remuneração precária” é uma forma de pagamento que não é totalmente estável e que não atende os direitos trabalhistas (p. e., 13º salário, férias remuneradas, gratificações diversas.)
Mesmo em algumas sociedades avançadas, há alguma dose de trabalho precário, mas num estilo que não afete os direitos básicos. O motivo da existência desse trabalho nem sempre é favorecer ao empregador, como ocorre na maioria dos países subcivilizados (os do BRIC, por exemplo). Às vezes, o problema é que o trabalhador é contratado para uma atividade efêmera. Vejamos alguns exemplos:
1)   As bolsas de estudo (especialmente as de Pós-graduação) são auxílios econômicos para estudar, mas se tornam “salários” indispensáveis para a vida do estudante full-time que não tenha posses suficientes. Esse salário é precário, mas não poderia ser estável, pois em algum momento os estudos acabam e, portanto, a condição de bolsista.
2)   Outro caso é o do salário por contrato por tempo determinado (renovável ou não), que está considerado nas leis trabalhistas.
Em alguns países a instabilidade dos contratos se compensa com um razoável seguro de desemprego. Na Suécia, por exemplo, toda pessoa com 20 anos ou mais em procura de emprego (seja que tenha perdido ou seu, seja que procure o primeiro emprego) recebe um estipêndio de 320 coroas/dia = 109,93 reais/dia.
3)   Outro caso, cuja precariedade é mínima, é o de emprego paralelo (não encontrei uma palavra mais adequada para expressar esta situação). É o caso da pessoa que muda temporariamente de instituição, mas esta mantém, seja seu salário, seja apenas a vaga, durante o tempo que dure seu emprego paralelo.
Nas universidades, sempre utilizamos este método ao contratar professores estrangeiros por semanas, meses tempo determinado. Usualmente, eles não tinham 13º.
Este foi o método utilizado com os médicos estrangeiros do programa Mais Médicos. Sua precariedade é mínima e até menor que a dos professores estrangeiros contratados pelas universidades.
4)   Finalmente, temos o grau de precariedade máxima. Esse é a precarização deliberada de um trabalho que inicialmente era formal e é transformado num “bico” acidental. O que propõe o PL 4330 é o melhor exemplo desta precarização. Aqui, a instabilidade é absoluta. Não é trabalho escravo apenas porque o trabalhador e sua família podem morrer de fome ou doenças em liberdade, enquanto o escravo morrerá em cativeiro.
A terceirização é o processo pelo qual uma instituição ou empresa, em vez de contratar sob sua responsabilidade os trabalhadores que precisa, aluga os serviços deles de uma terceira parte. Observe que “terceirização”, no sentido definido nas leis brasileiras, significa não apenas a compra de um serviço de outra empresa. Significa compra exclusivamente de serviços, prestados por empregados que devem trabalhar nas instalações da terceirizadora, que, por sua vez, fixa as condições de pagamento para a terceirizada.
Por exemplo, uma grande corporação precisa faxineiros. Em vez de contratá-los como funcionários seus, chama a uma terceirizada e oferece uma soma de dinheiro que permite aos empregados apenas uma fração de um salário e benefícios justos. Um juiz brasileiro mostrou que o empregado terceirizado receberá um 30% menos que o funcionário. (Na prática, as diferenças podem ser muito maiores).
Um fato importante é que, sempre, a terceirizada é uma pequena empresa, montada sem nenhuma infraestrutura, que simplesmente recruta pessoas desempregadas ou desesperadas, por somas irrisórias (que usualmente sofrem atrasos) e as aluga à empresa contratante. Via de regra, a empresa terceirizada participa de licitações pelo menor preço, obtém um retorno inconsistente e insuficiente para a remuneração dos empregados, dos administradores e donos, não consegue se estruturar e tem sérias deficiências e conhecimentos administrativos, financeiros, contábeis e fiscais.
Muitas “gangues” terceirizadas são idênticas ao que na fronteira entre os EUA e o México se chamam gangues de “coyotes”, traficantes de trabalho precário. As empresas terceirizadas são tão oportunistas que podem ser dissolvidas bruscamente ou deslocadas para outro ramo do mercado. Usualmente, esses movimentos deixam seus empregados contratados sem os salários e benefícios devidos e, ao mudar de ramo ou se dissolver, se tornam de difícil investigação por parte da justiça para o ressarcimento dos empregados e caso se tenha interesse em puni-las. O PL 4330 o que faz mesmo é dar aspecto legal a estas fraudes.
O PL 4330 faz ainda mais iníqua a Lei de Terceirização da ditadura: a lei da ditadura terceiriza apenas a função meio, mas a 4330 permite não apenas terceirizar a função meio, mas também a função fim. Com a lei da ditadura, um tribunal poderia terceirizar os faxineiros do fórum. Com a nova lei, poderão ser terceirizados até os juízes. Isto talvez não aconteça no Brasil, mas aconteceu na Argentina durante o governo de Menem, quando alguns juizados foram terceirizados. Você já pensou o que seria ter sua causa julgada por um juiz contratado por um coyote?
A terceirização não é apenas o túmulo do trabalho formal e dos direitos do trabalhador, como também a precarização de toda a economia e o caos social em sua expressão mais infame. Que haja algumas dúzias ou centenas de mercenários que propõem este projeto não legitima esta ação criminosa, só confirma seu caráter brutal.

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