Crime Organizado e Caso Petrobras

Funcionamento histórico e jurídico das organizações criminosas

Quem acha que o crime organizado está limitado ao narcotráfico, se engana. Este tipo de atividade criminosa está inserido em vários setores da sociedade, principalmente na iniciativa pública, onde os escândalos de corrupção não param de aparecer nas manchetes dos noticiários. Um exemplo recente, é o caso Petrobras. A estatal foi praticamente saqueada, por executivos, parlamentares e empresários, num grande esquema criminoso, graças ao emparelhamento político; como contou um dos delatores do processo, o ex-diretor de Abastecimento da empresa, Paulo Roberto Costa.  Funcionários do alto-escalão da Petrobrás usaram seu poder para direcionar contratos a determinadas empreiteiras e cobrar comissões que enriqueceram seus bolsos e de seus comparsas durante anos, apesar das denúncias só estarem vindo à tona agora.

O assunto é complexo, e, para entendermos melhor o funcionamento histórico e jurídico desta prática criminosa, ninguém melhor que o professor e advogado criminalista J. Haroldo dos Anjos, autor do livro “As raízes do Crime Organizado”, para falar sobre o amplo tema, que será dividido em uma série de três entrevistas. Segue a primeira parte:

1) Explique o que é uma Organização Criminosa.

Uma Organização Criminosa funciona como uma estrutura típica de empresa. Ela tem organização, “modus operandi”, tem seus agentes e visa o lucro. Normalmente, esta organização pressupõe o crime de corrupção. De acordo com pesquisas que fizemos para a produção do livro, “As Raízes do Crime Organizado”, chegamos à conclusão que quando se fala de Organização Criminosa, não há dúvida que o problema é o agente público infiltrado por essas organizações, para passar informações e obter vantagem. O elemento fundamental da organização criminosa é a corrupção do agente público. Não existe organização criminosa sem a participação deste “personagem”.

2) No seu livro, o senhor conta um pouco da História das Organizações Criminosas no Brasil. Poderia resumir pra gente como surgiu esta prática no país?

Quando iniciei este estudo, nos anos 90, eu ainda estava fazendo mestrado. E, naquela época, já se falava em algumas organizações criminosas, como “Falange Vermelha”, entre outras que existem até hoje e que se formaram a partir dessas organizações que surgiram no Rio de Janeiro por volta dos anos 30, mas que só se difundiram a partir dos anos 60.  O termo “Crime Organizado” surgiu após a Segunda Guerra Mundial, nos EUA, - “Organized Crime” -, quando eles estavam procurando mafiosos italianos. Com o tempo, viram que não era só uma questão de máfia. Na verdade, M.A.F.I.A é uma sigla, que significa “Morte á la Francia Italia Anela” (Morte à França Itália Anseia). Se tratava, inicialmente, de revolucionários que queriam se libertar da colonização francesa, mas, depois, o grupo tomou outros rumos. Podemos marcar, então, o início do Crime Organizado com a Segunda Guerra Mundial.

3) Existe um conceito jurídico para este tipo de crime?

A palavra “Organized Crime” foi criada pela imprensa americana. Hoje, no Brasil, todo e qualquer grupo criminoso que tem estrutura e pratica crime (sequestro, tráfico, corrupção para desvio de verba pública, jogo do bicho...) a imprensa brasileira chama de “Organização Criminosa”. Mas existe diferença. Com a reforma das leis penais, feita em 2013, o Art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, do Código Penal de 1940, que tratava de bando ou quadrilha, foi alterado. Pelo novo conceito, tais crimes agora são tratados como “Associação Criminosa”, e se caracterizam quando duas ou mais pessoas se juntam para infringir a lei, mas não tem a estrutura ou a dimensão de uma Organização Criminosa. A organização é algo muito maior, tal como uma empresa. Ela possui uma estrutura e tem o caráter de uma continuidade, de uma permanência da estrutura do crime. Um exemplo típico é o caso da Petrobras. Em 2013 foi criada a Lei 12.850/2013, que definiu o que é Organização Criminosa: 

“§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.

Veja que a lei existe, no entanto, ela define e não define o crime.

4) Como assim?

Por exemplo: não há uma definição mundial para “terrorismo” em nenhuma convenção internacional. Assim como não se define Organização Criminosa. O conceito é elástico, abstrato e vago. É preciso estar diante de um fato concreto para se dizer se é uma Organização Criminosa. Mas o que a Lei Brasileira diz sobre isto? Que Organização Criminosa é uma associação de mais de 4 pessoas para praticar crimes. Ora, seguindo esta linha, o jogo do bicho seria considerado uma organização criminosa, assim como o tráfico. Assaltantes que se juntam para praticar crime permanentemente, são uma organização criminosa. No entanto, se eles só cometerem crimes que a lei determina pena abaixo de 4 anos, não posso falar na existência de uma Organização Criminosa, pois ninguém vai preso quando a pena é menor de 4 anos.

5) O que mais motiva essas Organizações?

O fator preponderante que define o Crime Organizado - e eu digo isto no meu livro, a partir da pág. 78 – é a sua parceria com o poder público, em virtude da cobiça. Eles têm o poder, como ferramenta de trabalho, e o dinheiro como principal mercadoria. Não existe nenhuma organização criminosa que não vise lucro.

6) Sem citar nomes, recentemente um político disse o seguinte, durante as campanhas eleitorais: “querem ter poder para terem muito dinheiro. Querem muito dinheiro para se manterem no poder”.

É exatamente isso. Estes são os fatores de uma Organização Criminosa: poder e dinheiro. É assim que ela se estabelece. Por isso temos a corrupção como o principal elemento do Crime Organizado. E é por este motivo que, agora, existe uma lei que trata da corrupção privada, aprovada em junho de 2013 e sancionada, pela presidente, em agosto do mesmo ano, que faz parte da chamada “Lei Anticorrupção”. Antes só se falava da corrupção na iniciativa pública, do agente público (policial, funcionário público, fiscal...), mas existe a corrupção privada. Pela nova lei, empresas que ofereçam vantagem indevida a agente público, fraudem licitações e financiem atos ilícitos, serão punidas. Até então, apenas os agentes flagrados em casos de corrupção sofriam punições.

"Delação ou “colaboração premiada”?

Na série de entrevistas sobre “Crime Organizado x Caso Petrobras”, o especialista no assunto, professor e advogado criminalista J. Haroldo dos Anjos – autor do livro “As Raízes do Crime Organizado” – vai falar sobre “delação” ou “colaboração premiada”. A expressão vem sendo muito usada nos noticiários sobre as investigações de corrupção na Petrobras, realizada pela Polícia Federal do Paraná, na chamada Operação Lava Jato, que envolve grandes empresários, executivos e políticos.

1) No Caso Petrobras, temos visto muito o uso do termo DELAÇÃO OU COLABORAÇÃO premiada. O que significa isso, professor?

É um instituto previsto na forma de investigação presente na atual Legislação sobre Organização Criminosa, na Lei nº12.850/2013. Na verdade, é um termo antigo que vem da legislação italiana. Antes era chamado de "delação premiada”, na Lei nº 9.304 de 1995. Hoje em dia, a lei atual resolveu mudar e adotar o termo “cooperação premiada”, para retirar a imagem de “delator” do criminoso e imprimir a de “cooperador da Justiça”. Mas tem o mesmo significado, sem qualquer alteração.

A “delação premiada”, originalmente, era uma espécie de benefício do direito criminal italiano que surgiu na “Operação Mãos Limpas”, desencadeada pelo juiz Giovanni Falcone, iniciada na década de 80. O nome acabou sendo usado no nosso sistema penal em 1995.

2) A mudança foi feita na reforma do Código Penal?

Não houve “reforma” do Código Penal. O que aconteceu foi a criação de uma lei específica que tentou definir e tratar do assunto “Organizações Criminosas” em um momento crítico, quando começou a surgir esse tipo de criminalidade no país.

3) E como surgiu este termo: “delação premiada”. Qual a origem?

A “delação premiada” foi inserida na legislação italiana como um “meio de investigação” operacional, usada pelos órgãos do Estado para tirar confissões de criminosos arrependidos, membros de facção criminosa, principalmente nos casos da MAFIA italiana envolvida no tráfico de drogas e outros crimes.

Sendo assim, o certo, agora, é usar a expressão "colaboração premiada”, que acontece quando um “criminoso arrependido”, ou os chamamos, “L’uomo d’onore” – “homem de honra”, em italiano – colabora com a justiça e recebe benefícios de perdão judicial ou redução de sua pena. Na prática, um mafioso era “L’uomo d’onore” e não podia se arrepender delatar a organização criminosa. Foi o caso de Tomaso Buscetta, por exemplo, que denunciou toda a organização mafiosa italiana do tráfico de drogas e permitiu que a Justiça italiana desmantelasse o esquema da “delação” de um criminoso arrependido. Um mafioso “L’uomo d’onore”, quando se arrepende, perde a honra e passa a ser um “Judas”, um “traidor” para sua organização. Então, esta “colaboração premiada” é uma forma de compensação pela sua “coragem” em dedurar seus comparsas.

4) Esse “agente arrependido” seria chamado de “dedo-duro” ou “X-9” na linguagem popular?

Sim. Lembra daquela máxima de Rui Barbosa que dizia: “Deus pode perdoar o ladrão, mas o Judas não tem salvação”? Essa “delação” consiste no seguinte: tem um personagem, que está sendo o delator - que pode receber vários benefícios por sua colaboração, como: redução de pena que pode chegar a até 2/3 (dois terços), substituição por uma pena restritiva de direitos sem ficar preso ou até mesmo receber um perdão judicial - e; caso ele mostre um real arrependimento com a colaboração eficaz, e não sendo líder da organização criminosa, pode até se beneficiar com a exclusão da denúncia pelo Ministério Público.

5) Em outras palavras: ele dedura todo mundo, entrega o esquema da organização e, no final, recebe um benefício, um “prêmio” pela sua colaboração?

É exatamente isso o que acontece. Ele recebe um bônus, um prêmio da Justiça. A Justiça o seduz e ele confessa e delata os comparsas, entregando todo mundo. Contudo, para que tenha resultado nesta “delação” ou “cooperação premiada”, é preciso que a investigação surta algum efeito de prender, acabar com aquele esquema criminoso e desmantelar ou, pelo menos, reduzir a prática daquela organização criminosa.

6) Sendo assim, professor, como o fica em casos de denúncias ou informações vazias, que não sejam verdadeiras e que não resultem em nada?

Nesse caso ele não se beneficia de nada e passa a responder ao processo. É preciso realmente que o Delegado de Polícia e o Ministério Público verifiquem se as denúncias foram eficazes e se produziram algum resultado com a colaboração.

7) Ao longo de seus 25 anos de experiência, o senhor já atuou em algum caso de colaboração premiada?

Sim, mas isso é uma decisão pessoal do acusado e não dos advogados. É o último recurso de defesa quando o agente está encurralado pelas investigações. Eu já atuei em um caso onde o sujeito conseguiu, com a “delação premiada”, que a polícia demovesse toda uma organização criminosa numa determinada comunidade aqui no Rio de Janeiro. Mas esse colaborador teve seu nome, identidade e imagem preservados. Não é o que acontece no caso da PETROBRAS. Isso é muito complicado, porque esses "colaboradores" sempre correm riscos de morte pela organização criminosa em qualquer país do mundo.

8) Em caso de crimes corporativos, como na Operação Lava-Jato, o foco principal não são os crimes em espécie praticados pela organização criminosa investigada?

Não. Na verdade são vários crimes, como formação de cartel, corrupção ativa/passiva, fraudes em licitações, sonegação e crimes contra o sistema financeiro, além de lavagem de dinheiro. Os crimes menores como tráfico de influências, prevaricação, condescendência criminosa e outras infrações de menor potencial ofensivo são absorvidos por serem “crimes meios” para se atingir o “crime fim”, que é o desvio de verba pública através de improbidade administrativa. Logo, atrai a ação conjunta de vários órgãos intervenientes na apuração: PF (Polícia Federal), CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), MPF (Ministério Público Federal), CGU (Controladoria Geral da União), Receita Federal, Tribunal de Contas e Poder Judiciário.

9) Todos esses órgãos são competentes nos limites de suas atribuições?

Com exceção do Poder Judiciário, só podem aplicar penalidades de multas o CADE, o CGU, a RFB e o TCU e nada impede que essas multas sejam objetos de acordos entre as empreiteiras. Contudo, de forma alguma subtraem o poder de polícia investigativa e judiciária da PF, tampouco a ação e julgamento pelo Poder Judiciário, único que tem o monopólio da jurisdição de referendar ou rejeitar esses acordos. Mas, de forma alguma afastam a criminalização ou tipicidade das condutas, porém servem como fator de redução de penas, uma vez reparado o dano pelos agentes acusados, posto que cometidos sem violência ou grave ameaça às pessoas, cabendo inclusive arrependimento eficaz e colaboração premiada pela delação na atual legislação sobre organizações criminosas.

10) Esses acordos são legítimos como estratégias de defesa para redução de penas?

Embora imorais, são legítimos. Diferente dos EUA, o Ministério Público brasileiro não detém parcela de poder para fazer Termo de Acordo para ajustamento de condutas criminosas para extinção de punibilidade dos agentes envolvidos na operação Lava-Jato, mas o MPF tem atribuição em ação civil pública por improbidade administrativa de fazer acordo em caso de desvio de verba pública para reparação dos danos, em caso de imposição de penas de multas.

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