Vozes da Periferia: 'Os jovens não tão tendo nem a oportunidade de serem presos, estão morrendo no caminho.'

Entrevistamos Thiago Vinícius, uma das principais vozes da quebrada de São Paulo, produtor cultural e articulador comunitário do Banco União Sampaio, iniciativa revolucionária do Capão Redondo que redistribui o tempo entre a periferia e se aprofunda nas experiências de Economia Solidária. Thiago comenta a violência, as redes, a visibilidade dos movimentos sociais e seu objetivo: tirar  a comunidade das páginas policiais e ocupar as páginas culturais. 

Mídia NINJA: No contexto de um novo Brasil, com mega-eventos e contradições expostas, quais os desafios do nosso país? 
Thiago: A questão do Brasil é  uma juventude que sofreu muito, passou por diversas dificuldades. As redes sociais e a internet tiveram um papel fundamental nisso porque não é um novo Brasil que estamos vivendo, estamos vivendo uma visibilidade do que era invisível. Isso é uma coisa que a gente tá conseguindo visualizar e eu to super feliz que está acontecendo na minha geração porque eu to fortalecendo cada vez mais o intuito de  tirar a minha comunidade das páginas policiais e ocupar as páginas culturais.
Isso é uma total mudança na minha qualidade de vida, uma mudança na qualidade de vida da cidade que fica mais rica e mais robusta quando a gente legítima que na periferia temos a cultura periférica,  os saraus, e que, do outro lado da ponte, a gente tem coisas também maravilhosas como o Ibirapuera, como o MASP, como a própria Praça Roosevelt, que está sendo palco de vários encontros.
Sobre a repressão que a gente vive,  ela já acontece há séculos na periferia. A cidade tá vendo mais de perto o que tá acontecendo, o que é ter todo dia policial no seu pé, todo dia ter policial te batendo, te repreendendo. Isso é uma coisa que a gente vive todo dia na quebrada, é coisa que a gente fica triste de acompanhar. Hoje mesmo, antes de vir pra entrevista a gente passou por enquadro policial, a gente vê as coisas acontecerem. A polícia do jeito que ela chega na periferia, chega de metralhadora mesmo, chega com a arma em punho e qualquer descuido ele pode atirar, como aconteceu com o Douglas, lá na zona norte de São Paulo.
Não é um novo Brasil, é um Brasil que ta aí, que emergiu e que agora está se visibilizando. Estava invisibilizado e as redes sociais, as relações sociais tem papel fundamental nessa formação social.
MN: Como você vê essa visibilidade, o que ela traz como desafios pra diferentes esferas, no poder público, na sociedade civil, nos intermediários?
Thiago: Esse processo da visibilidade pra gente é super importante porque a gente tira os bois da linha. Isso é poder falar por nós mesmos. A gente poder colocar nossas próprias opiniões no Brasil. Durante muito tempo, muitas pessoas falaram por nós, muitas pessoas colocaram o que eles acharam pela gente. O processo das redes sociais e da cultura digital fez com que a gente pudesse tirar esses bois da linha.
Isso foi fundamental, a comunicação ficou mais clara, o papo ficou mais reto. A gente começou a trocar mais na bolinha dos olhos e o institucional se ligou nisso. Tanto é que tem Juiz saindo fora dos seus cargos, tem presidente se destituindo das suas empresas por que  as pessoas começaram a olhar, a ler mais, a procurar mais. Isso pra gente foi super importante. O governo tá buscando escutar mais a gente, tá mais próximo e eu acho que tem que continuar. Faltam poucos meses pras eleições presidenciais e a gente vai fazer a nossa escolha pautada em quem nos escutou, em quem deu atenção no que a gente tava falando e em quem foi nosso parceiro na defesa da diversidade cultural.
MN: Sobre a importância desse diálogo institucional,  existem  grupos que criminalizam a busca esse diálogo, criminalizam quem busca construir política pública, quem busca alterar a institucionalidade. Essa leitura tem sido muito frequente, principalmente em movimentos novos, que nascem a partir das jornadas de junho e que não estão há dez anos construindo todo esse processo democrático que a gente vive. Qual sua opinião?
Thiago: Eu vejo isso como um resquício de uma ditadura que ainda é vigente. A gente vive com pessoas que ficam incomodadas quando a gente chega, que ficam incomodadas quando a gente fala, que se incomodam com nosso cabelo, com nossa cor da pele, com nossa maneira de falar, nossas gírias e a busca pela excelência pelo diálogo é uma coisa que a gente sempre teve. A gente viu que pegar em armas é algo que nos trouxe muito sofrimento e muita perda, então o diálogo é onde a gente consegue ter um caminho melhor pra garantir nosso saneamento básico, nossa festa, nosso lazer na quebrada, nosso futebol na várzea.
Acho que essa criminalização que a gente sofre, até na nossa quebrada mesmo, não é uma coisa exclusiva de alguns coletivos da ponte pra cá. Sofremos pela maneira como a gente lida com a economia, com as pessoas, da forma como viemos abrindo várias janelas, pela forma que a gente coloca as coisas. Tiramos o interlocutor, o intermediário da conversa e colocamos essas pessoas com diálogo direto. Vejo isso como esse resquício de uma ditadura que está no nosso país e fico triste porque são jovens também, são pessoas que tem uma vida inteira pela frente. Ficam querendo segurar a gente a dar esse passo da evolução. 
O diálogo é um passo fundamental do Brasil que vem se mostrando, que vem evoluindo. E não é um Brasil novo, to ouvindo várias conversas, dessas do "o gigante acordou" até o novo Brasil que vem aí. Acho que não é assim. Eu sou o Thiago, de 25 anos, a Neide Abati é a Dona Neide de 70 anos, a Raquel Trindade é a Raquel de 70 anos. Elas vêem construindo essa trama e essa cama pra essa juventude hoje estar na rua, pra essa juventude suportar o que o japonês (Fabio Hideki) tá suportando lá na prisão. Os advogados ativistas lá na Roosevelt, um foi desmaiado. 
Tudo isso, a gente tira força do Solano Trindade, a gente tira força da Carolina Maria de Jesus, a gente tira força do Marcos Pezão, do Binho, são pessoas que lutaram durante 20, 30, 40 anos da sua vida  pra hoje a gente estar aqui continuando nossa luta popular em diversos temas. 
A gente vem numa rede de proteção muito forte, uma rede de proteção juntando a periferia, juntando os povos de terreiro, os guaranis e diversas etnias do Brasil. A gente vem se fortalecendo. Quero deixar essa mensagem do fortalecimento que é um fortalecimento também das nossas vidas. A gente não quer mais perder nenhum hectare de terra do índio, que mais nenhum terreiro seja fechado pela intolerância religiosa e cultural, e a gente não quer que mais nenhum jovem morra na periferia.
Tô super feliz com tudo que está acontecendo, com as pontes que estão sendo realizadas entre o centro e a periferia, entre periferia e o centro. Tem muita gente feliz na nossa Ancestralidade com as coisas que a gente vem fazendo, com essas pontes que a gente vem firmando. Fico super ansioso pros próximos tempos que vem aí.
MN: O debate sobre a desmilitarização da polícia e a aprovação da PEC 51 está evidente nas ruas. Como você vê isso?
Thiago: Eu to numa luta antes da desmilitarização que é contra a redução da maioridade penal. A gente não pode achar que reduzir a maioridade penal é a solução dos problemas. Pode ser que seja a solução dos problemas da burguesia, mas não da periferia. Eu tô nessa luta com o Círculo Palmarino, junto com o Douglas Belcchior, com o Comitê Contra o Extermínio da juventude negra e pobre para barrar qualquer tipo de ideia que levante essa pauta da maioridade penal. Hoje a gente vem trazendo cultura, sarau pra escolas e isso sim vai fazer com que a gente não pense na redução da maioridade penal, essa é minha luta inicial.
A desmilitarização é importante sim, mas a gente tem que fortalecer a nossa segurança comunitária, a nossa segurança popular. Isso é super importante para as quebradas. Hoje, infelizmente, o comerciante não acredita que sua comunidade possa se vigiar, possa se cuidar, então é isso, é uma questão ainda muito complicada.
Ao mesmo tempo a desmilitarização é muito complicada porque estamos falando de São Paulo, um estado que não saiu da ditadura, que tem policiais com bancada na câmara dos vereadores, com os encapuzados matando pra cima e pra baixo nas periferias. Agora o Capitão Telhada soltou um gibi, uma revista que tem ele como Herói. Antes de discutir a desmilitarização a gente tem que desmilitarizar o poder e o poder tá militarizado.
A gente vive na nossa comunidade um encarceramento em massa e isso é uma coisa que ao mesmo tempo nos deixa triste, mas nos faz muito mais lutadores. Hoje no Brasil você ser preso, cometer um crime, é pra sua vida toda, é uma mancha, uma tatuagem que vai ta no seu corpo e que não vai sair nunca mais. Quando você leva um enquadro na rua, a primeira coisa que o policial vai perguntar é se você já tem passagem, mesmo se você já cumpriu sua pena você vai ser extorquido, vai ser torturado. 
É como um defeito social, então é uma coisa que já ceifa na nossa juventude a oportunidade desse jovem conseguir agregar valores na sua vida. Estudar, pensar na questão cultural, fazer os corres que tem que fazer, a gente vive isso de perto e vê nossos primos sendo presos, nossos irmãos sendo presos e a nossa família morrendo. Não basta prender, tem que matar, é o que acontece.
Os jovens não tão tendo nem a oportunidade de ser presos, estão morrendo no caminho.

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