A guerra não declarada contra a História

A guerra não declarada contra a História
Foto: RIA Novosti

A União Soviética, que assumiu o maior fardo da luta contra os nazis, foi obrigada, ainda durante a Guerra Fria, a entrar numa nova luta, desta vez em defesa da sua História, quando começaram as tentativas de revisionismo dos acontecimentos mais trágicos do século passado.

Contudo, os que pretendem definir novos derrotados e vencedores continuam a existir na actualidade. Não satisfeitos com o derrube de estátuas a soldados soviéticos, eles descem ao ponto de sonegar factos e até de mentirem descaradamente.
Nesses dias, há sessenta e nove anos, as tropas soviéticas tomaram Berlim. Quase toda a Europa estava libertada da ocupação nazi. A memória desta grande vitória, que se transformou num dos momentos-chave da História mundial, permanece em muitos países europeus, por exemplo, existem monumentos aos libertadores soviéticos na Áustria, na Hungria, na Bulgária, na Alemanha, na Letônia, na Polônia e na Estônia. Mas é bem verdade que, nalguns países, não querem recordar o movimento libertador soviético.

Os monumentos fúnebres dos militares soviéticos em Budapeste desapareceram ainda na década de 90. Há sete anos, desmontaram, na Estônia, o monumento aos libertadores de Tallinn do fascismo. Desde então, discute-se a necessidade de erguer, naquele local, um monumento às vítimas da ocupação soviética, tal como foi feito em Chisinau.

Mas, se a população do Báltico sempre teve uma postura pouco calorosa face à União Soviética, e até não se opôs a colaborar com o regime fascista, este tipo de alteração de valores na Ucrânia, que participou activamente nos movimentos de libertação, é, no mínimo, estranho. Mas, as actuais autoridades de Kiev têm outros inimigos e outros heróis. Agora até têm outras comemorações. As autoridades locais das regiões ocidentais há muito que se recusam a organizar paradas no Dia da Vitória, e, em Lviv, o dia 09 de maio até é considerado um dia de luto. Agora esta moda chegou à capital, este ano Kiev revogou oficialmente a parada do Dia da Vitória. Mas, tal como declararam as autoridades locais, a cidade irá receber outros “eventos comemorativos”.
Esta alteração conceptual é um elemento indissociável do processo de revisão das conclusões da Segunda Guerra Mundial, nomeadamente no que concerne à busca de novos vencedores e derrotados. Enquanto novo agressor, foi eleita, por unanimidade, a URSS, pois o Ocidente coloca o ónus do início da Segunda Guerra Mundial na União Soviética ou no “regime estalinista”, bem como na sua herdeira Rússia, e não na Alemanha Nazi, como refere o historiador Andrei Marchukov:
“Isto é feito através de fraudes maciças. É omitido o papel agressor da Alemanha de Hitler no despoletar da Segunda Guerra Mundial, é omitido o papel das democracias ocidentais, sobretudo dos EUA e do Reino Unido, enquanto financiadores do Regime de Hitler e atiçadores contra o Oriente, pela conquista da Europa Oriental e da URSS. É também omitido o papel negativo da Polônia no despoletar da Segunda Guerra Mundial, pois é sabido que a diplomacia polaca impediu activamente todas as tentativas do Governo Soviético em estabelecer um sistema de segurança colectiva na Europa”.

A luta contra os verdadeiros resultados da Segunda Guerra Mundial chega a ter aspectos absurdos. O Museu interactivo norte-americano das Notícias e do Jornalismo inquiriu cientistas e jornalistas no sentido de elaborar a lista dos cem acontecimentos mais significativos do século passado. O primeiro lugar foi concedido ao bombardeamento de Hiroshima e Nagasaki, à capitulação do Japão e à vitória na Segunda Guerra Mundial. Foi exactamente por esta ordem e com esta relação de causa e consequência. Aliás, o início da guerra é muito menos relevante para os norte-americanos, e apenas ocupa o 15º lugar, após a demissão do 37º presidente dos EUA, Richard Nixon. Os horrores do Holocausto, que ocupam o sétimo lugar, ficam atrás do direito de voto das mulheres.
Mas, se o objectivo norte-americano de liderança mundial já não espanta ninguém, a acção desta propaganda absurda no Japão é digna de espanto. Muitos jovens japoneses estão convencidos de que Hiroshima e Nagasaki foram bombardeadas pela União Soviética. Lá, já não se recorda o fato de se tratar de uma resposta norte-americana à Batalha de Okinawa e ao ataque de Pearl Harbor, afirma o politólogo militar Alexander Prendzhiev:
“Nos manuais escolares japoneses pode ler-se a seguinte frase: as Forças Armadas soviéticas iniciaram o ataque, após o qual, Hiroshima e Nagasaki foram bombardeadas. Mas, não é referido quem bombardeou, e os japoneses ficam com a impressão de que foram as Forças Armadas soviéticas a bombardear. Apesar de não ser mencionado directamente, fica a impressão de que foi a URSS. Assim, a maioria dos japoneses nem sabe que Hiroshima e Nagasaki foram bombardeadas por norte-americanos”.
Assim, os EUA, que durante a Segunda Guerra Mundial fizeram uma fortuna a fabricar e a vender armas, transformam-se em arautos únicos do humanismo. É de salientar que o cidadão médio norte-americano está convencido de que a Segunda Guerra Mundial foi vencida pelos EUA. Aqui o segredo não reside apenas na propaganda, mas também na forma de estar norte-americana. Ganhou aquele que obteve maiores benefícios materiais. Durante os anos de guerra, o volume da produção industrial norte-americana mais do que duplicou.

No caminho para o domínio econômico e político do Mundo, resta apenas a Washington declarar-se o principal defensor da paz, e para isso é preciso anunciar a URSS enquanto principal agressor. Além disso, este tipo de abordagem permite destruir, de forma definitiva, o sistema de Yalta-Potsdam, que garantia o equilíbrio entre o bloco ocidental e a URSS, e refreava os EUA do caminho para a hegemonia.

Segundo Andrei Marchukov, a revisão dos resultados da Segunda Guerra é um passo para a reorganização mundial:
“A ameaça é colossal, pois na época soviética existia um visível equilíbrio entre a URSS e os EUA, existia a paridade e havia a noção de que esta fronteira não podia ser ultrapassada. Mas, quando um país – como é óbvio referimo-nos aos EUA – adquire o monopólio da força, começam as guerras sangrentas, os conflitos, como se de uma bola de neve se tratasse, e dos quais somos testemunhas. É isso que acontece quando os EUA, violando todos os acordos internacionais, tentam impingir, ao mundo inteiro, a sua organização económica, o seu sistema político e retirar a soberania política aos outros países. Este sistema unipolar de liderança é rico em guerras e derramamentos de sangue”.

Para que isso não aconteça é necessário continuar com a guerra contra o regime nazi e pelo reestabelecimento da verdade histórica.

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