Quanto à violência, o que pode fazer a ciência?

A ciência no cotidiano na luta contra a violência. A influência do capitalismo no comportamento interpessoal da sociedade. A informação, sua adequada utilização e os efeitos na população. As possíveis causas da conduta anti-social. Hipóteses sugestivas para alternativas de atuação.

“Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento: mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem.” (Berthold Brecht)

A questão da violência no mundo é bastante antiga e envolve uma variável de causas e conseqüências. É uma questão complexa e abrange todos os setores da sociedade, sem a exclusão de focos minoritários. Até mesmo a “Campanha da Fraternidade” chegou a abordar o tema da criminalidade, fato ilustrante das dúvidas sociais a respeito das causas da violência. Essa campanha abordou a questão das cadeias comportarem quase em sua totalidade pessoas de classe baixa e pele escura. Surgia, pois, a dúvida de que são só essas pessoas que merecem serem encarceiradas ou somente elas são encarceiráveis?

“Eu vejo nas ruas, miséria e aflição
em casa só guerra na televisão
ensinam pra gente, amar nosso irmão
mas ninguém presta muita atenção(...)
Não importa a cor, ou a religião
Todos têm essa missão.
(Arquivo Criança Esperança/1999 – Sandy & Júnior)

A incidência dos atos de violência vem crescendo assustadoramente, não somente em atitudes sangrentas, mas também através de discussões verbais mal elaboradas e ofensivas, da exclusão discriminatória das partes mais frágeis da comunidades pelos mais fortes, além de outros exemplos também sutis que passam às vezes despercebidos.

“Todos homens são distintos demais
todos sentem dor, todos são mortais
Então por que não estender a mão
A quem precisa mais de ajuda e atenção que nós(...)
Todo mundo tem direito de viver
E o milagre vem de mim e de você
Todos têm que ter direito a ser feliz(...)
Todo mundo tem direito de sonhar,
De ter paz, ter segurança e o que comer
Todo mundo tem direito de falar(...)
Todo mundo tem direito a crescer,
De brincar, de se educar e de sorrir
Só assim que vai ser grande esse país.”
(Direito de viver – música de Chitãozinho & Xororó)

Como tentativa de solucionar o problema, a sociedade acabou adotando uma falsa verdade como ideologia, acreditando que o aumento da produção de armas e o combate da violência com a repressão seria a resolução adequada. No entanto, comprova-se atualmente, no cotidiano, que essa ideologia gera doravante cada vez mais violência, uma vez que a violência combatida com a violência tem como resultado a violência ao quadrado.

“A violência é tão fascinante
e nossas vidas são tão normais(...)
Já estou cheio de me sentir vazio
Meu corpo é quente, estou sentindo frio
Todo mundo sabe, ninguém quer mais saber
Afinal amar ao próximo é tão démodé
Essa justiça desafinada
É tão humana e tão errada.”
(Baader Meinhof Blues – música de Legião Urbana)

A exacerbação do capitalismo selvagem e a crescente valorização do materialismo e consumismo, em detrimento da sensibilização quanto aos valores humanos e fraternais acarreta o desenvolvimento de personalidades frias, competitivas, indiferentes e extremamente individualistas. Exemplificando essa  dominante idéia de “furar o olho do outro”, há a frase do fundador da rede alimentícia Mc Donald’s: “Se o concorrente estiver se afogando, o que você deve fazer? Pegar uma mangueira e jogar água na boca dele.” (Ray Kroc)

“(...) Se considerarmos uma sociedade inteiramente submetida às forças do mercado, e ao invés de criar laços entre as pessoas, difundirmos uma ideologia individualista, estaremos criando a possibilidade da violência.” (Jornal O Ponto  -BH, dezembro de 1999)

O homem está sempre se superando. “O homem nunca será capaz de liberar o poder do átomo.” (Robert  Millikan, prêmio Nobel de Física, em 1923, 22 anos antes da explosão da bomba atômica em Hiroshima)

Albert Einstein  ficou frustrado ao ver que sua maior descoberta E = m.c. que possibilitou a divisão do átomo e liberou a energia nuclear deu origem aos cataclismas e morte de milhões de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial em Hiroshima e Nagasaki. “Não estou pedindo a ninguém que se renda. Peço a todos que declarem a vitória da paz.”(Tony Blair – Primeiro Ministro da Grã-Bretanha, em 1998, no primeiro discurso de um chefe de governo britânico no Parlamento da República da Irlanda desde que os irlandeses se tornaram independentes da Grã-Bretanha, há 78 anos)

Entre as possíveis causas da violência, pode-se destacar o desemprego, o deficiente sistema educacional e, principalmente, as grandes desigualdades sociais. Tudo isso gera insatisfação na mente das pessoas atingidas, e estas começam a se revoltar umas contra as outras. Nos países subdesenvolvidos, como o Brasil, o número de desempregados está crescendo assustadoramente. Os pais, levados pelo desespero, colocam seus filhos para trabalhar, fazendo-os abandonarem a escola. Estes ingressam-se precocemente no cruel mundo adulto, e, com pouca formação cultural, acabam deixando se envolver em meios mais fáceis de obter dinheiro, como assaltando e maltando.

“Podem me prender, podem me bater,
podem até deixar-me sem comer,
que eu não mudo de opinião
Daqui do morro eu não saio não
Se não tem água, eu furo um poço
Se não tem carne, eu compro um osso
E ponho na sopa e deixa andar
Fale de mim quem quiser falar
Aqui eu não pago aluguel
Se eu morrer amanhã, seu doutor,
Estou pertinho do céu.”
(Opinião – música do Zé Ketti)

A violência como conduta anti-social pode ser interpretada como a exteriorização de conflitos internos do indivíduo em determinados momentos de sua vida. O indivíduo no social precisa de uma interdição que é dada pela Lei. Suas respostas às exigências da sociedade refletem a maneira como internalizou as proibições e restrições por seus pais ou representantes durante sua criação. “Todos os indivíduos privados de sua liberdade, devem ser tratados com humanidade e com respeito à dignidade inerente à pessoa humana.”(Art.10 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos)

Segundo Lacan, a agressividade se manifesta numa experiência que é subjetiva por sua própria constituição e aparece em meio às restrições reais impostas pela civilização. Em seu sentido positivo, é indispensável na luta pela vida. Hegel deduziu todo o progresso subjetivo e objetivo de nossa história do conflito entre senhor e escravo, mostrando o lado de crescimento provindo da tensão conflitual. Porém, quando a agressividade é usada com a intensão de causar dano a um organismo vivo, ela toma a forma de violência. Esta é algo que burla a Lei, e gera o mal-estar típico da neurose moderna. “Freud reconheceu que uma das coisas mais misteriosas da pessoa humana é a presença de um impulso de violência, de sofrimento e de morte.”(Rubem Alves – Decadência de Valores – jornal O Ponto – BH, dezembro de 1999)

A civilização impõe sacrifícios para que a agressividade seja embotada e se dispõe de motivos idealistas para justificar suas crueldades. O homem moderno está carente não apenas economicamente, mas também de valores, respeito e formação moral, pois não se deveria ter a pretensão de controlar a criminalidade por medidas repressivas isoladas, mas pela conjugação: prevenção, tratamento e repressão. Exemplificando esse conhecido mal-estar na civilização, tem-se o caso do jovem estudante de Medicina Mateus da Costa Meira que simboliza todo o desejo vetado pelo sistema econômico de sociabilidade.

“A justiça só terá tranqüilidade e segurança para punir, quando a execução das penas que ela aplica não for mais criminosa que o crime.”(Roberto Lyra)

Na tentativa de conter a violência, policiais mal instruídos abusam do poder e espancam os infratores. Este é um ciclo onde os valores humanos e fraternais são cada vez menos valorizados, em função da impulsividade individual.”Alguns juízes são absolutamente incorruptíveis. Ninguém consegue induzi-los a fazer justiça.”(Berthold Brecht, dramaturgo e poeta alemão)

“Ninguém será submetido à tortura,  nem à pena ou tratamentos cruéis,  desumanos ou degradantes. Em particular, é proibido submeter  uma pessoa a uma experiência médica ou científica sem o seu livre consentimento.”(Art.7 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos)

O meio social é regido por vários seres humanos que, segundo Freud, possuem a pulsão de vida e a pulsão de morte, sendo esta última responsável pelos comportamentos violentos  e destrutivos do homem. As atitudes sociais ajudam a formar uma idéia mais estável da realidade, protegendo as pessoas de conhecimento indesejado. Mas são muito pessoais, pois um conjunto de opiniões pode servir de base para a serenidade de uma pessoa em face de um mundo em transformação, e para uma outra de estímulo para um comportamento hostil. Existe um sujeito violento e uma grupo que exerce a violência. Até que ponto um sujeito é capaz de contaminar o meio com os seus interesses? “Na medida em que não se tem  canais institucionalizados para que as pessoas possam canalizar suas emoções, são criados mecanismos violentos de expansão.”(jornal O Ponto- dezembro de 1999)

Tem-se tecnologia, tem-se recursos e mão-de-obra abundante. Com toda a abundância de conhecimento, de recursos e riquezas, de mão-de-obra, têm-se também problemas em abundância. Há de tudo para todos, mas nem todos têm de tudo. As pessoas são educadas para querer e acumular o máximo de coisas e para manipular o poder, sempre em proveito próprio. Elas são incentivadas a ter, mas não são muito incentivadas a ser. O que acontece no mundo,acontece nas cidades, bairros e lares. Compete-se para tirar o outro da jogada, guerreia-se. Acumula-se, adquire-se mas não se reparte.

“Absorvemos valores e produções de baixa qualidade, exibimos comportamentos inferiores e submetemos nossas crianças à mesma porcariada. Aplaudimos os pequenos bandidos e as pequenas Carlas e Sheilas. Negligenciamos a disciplina, os rítimos, buscando o máximo de prazer, enquanto o mundo explode em chagas, sangue e lágrimas. Será por que?!!”
(Maria Cristina Rosa – Psicóloga Araxaense formada pela UFMG)

Estão todos inibindo os valores elevados, amorosos, humildes e deixando à solta o pior que existe dentro de si.

“A justiça se defende com a razão e não com as armas. Não se perde nada com a paz, e pode se perder tudo com a guerra.”(Papa João XXIII em um dos seus pronunciamentos contra a guerra.)

Outra possível hipótese levantada a respeito do aumento da violência na sociedade
moderna, defendida pelo Pe. Palácio do Centro Loyola de Cultura, é a de que as transformações sociais geram mudanças nos papéis sexuais. Com a Revolução Feminina, o homem perde o referencial do papel que antes era definido como provedor e protetor da mulher, e a violência pode ser uma expressão da angústia em não saber mais qual o seu papel na sociedade.
“O homem é um animal racional que sempre perde a calma quando é chamado a agir de acordo com os ditames da razão.”(Oscar Wilde)

Segundo o dicionário de Política de N.Bobbio, N.Matteucci & G.Pasquino, o termo violência, entendido no sentido descritivo puramente, pode considerar-se substancialmente sinônimo de força, porém distingue-se de maneira precisa da noção de poder. Este é tido como a modificação da conduta do indivíduo ou grupo dotada de um número de vontade própria; enquanto a violência é a alteração danosa do estado físico de indivíduos ou grupos. O  poder muda a vontade do outro; já a violência muda o estado do corpo ou de suas possibilidades ambientais e instrumentais. “Tudo é força. Só Deus é poder.”(Karla Miranda – Psiquiatra, psicoterapeuta e coordenadora do Programa de Dependência Química da clínica Central Psíquica)

O crescente desemprego  provoca miséria e promiscuidade entre os trabalhadores urbanos e rurais, afetando também suas famílias e favorecendo condutas ilícitas incentivadas pela atuação dos grupos criminosos e organizados, pois estes exploram o desespero e despreparo humano através do fornecimento de possibilidades imediatistas de sobrevivência, como o tráfico de drogas e armas, roubos, seqüestros, prostituição, entre outros.

“Não há um método de combate à criminalidade. O que pode haver é uma estratégia de prevenção. Esta jamais poderá ser construída a partir de esforços isolados da política, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Uma verdadeira estratégia pressupõe um programa orientado para a execução de seus objetivos. Esta estratégia, para ser global, deve situar-se harmonicamente dentro do modelo político e desenvolvimento político e econômico do país, envolvendo todos os programas setoriais e intersetoriais do governo, de modo que ao se implantar um novo pólo de desenvolvimento, leve-se em conta, não só o dado econômico, mas também os fatores identificados como criminógenos.”
(Anais do CNPP. Ministério da Justiça, 1980-1981, p.92)

A cada acontecimento violento que é divulgado pela mídia, produzem-se esteriótipos negativos que irremediavelmente diminuem a auto-estima de cidadão criminoso, o que favorece a cristalização de atitudes inconscientes e impulsivas, auto-justificáveis em explicações comparativas pelo sentimento social e legal do direito de igualdade. Acontecimentos estes que atuam como catalisadores de uma consciência popular rebelde e agressiva. “Consentir com a violência é atormentar-se por muito tempo. Aquele que exerce a violência perde a humanidade.”(Vanessa Campos Santoro – Psicanalista, membro do CPMG)

Alguns segmentos da sociedade, se revissem suas posturas, opiniões e práticas relacionadas à questão da violência, teriam como meta promover a recuperação e reinserção social daqueles que não cumpriram em algum momento de sua vida os princípios éticos e morais valorizados pela comunidade.

“A liberdade pode consistir somente em poder fazer aquilo que devemos querer.”(Montesquieu)

Por analogia, muitas vezes diz-se que uma pessoa livre não é aquela que age livremente ou desenvolve suas capacidades, e sim aquela que realiza o melhor ou o essencial de si mesma.

“A liberdade pode ser definida como a afirmação por um indivíduo ou por um grupo de sua própria natureza.”(Laski)

Considerando essas diversas fontes de informações dos campos da sociologia, direito, medicina, psicanálise, jornais e revistas, pode-se concatenar esses diferentes pontos de vista e produzir hipóteses de como a questão da violência acontece na sociedade e,assim, analisar sua repercussão no comportamento das pessoas, o que possibilita a formulação de condutas alternativas no combate ao problema.

A promoção do bem-estar geral requer mudança de atitudes, tornando as atitudes dos indivíduos compatíveis com a obtenção do bem-estar coletivo, pois, se não houver mudança de consciência, não pode haver mudança nas condições anteriores. O Estado e a sociedade necessitam de tomar consciência de que a questão está em combater as causas da marginalização e da criminalidade infanto-juvenil, e não seus efeitos, uma vez que estes, sem solucionar aquelas, perdurarão. Mas não se pode alimentar exageradamente a onipotência da ciência. “Toda forma de vício é ruim, não importa que seja droga, álcool ou idealismo.”(Carl Gustav Jung,)

Remeter um jovem para a prisão, sendo que ele ainda tem condição de modificar seu comportamento através de medidas pedagógicas, é retirar do mesmo qualquer possibilidade de se ressocializar, pois sabe-se que a prisão é uma escola de marginalização e criminalidade.

“Trabalhamos para o resgate da dignidade do homem, espalhando sementes de paz, amor, compreensão. Sozinhos não éramos nada, não representávamos nada. Agora. Juntos, somos um só, maior e forte, realizando o milagre de transformação pelo amor.”(Maria Cristina Rosa – psicóloga araxaense formada pela UFMG)

A violência é inserida no social como conseqüência de políticas públicas que não priorizam as ações básicas e o fortalecimento da família como uma semente geradora do caráter humano e não focaliza esforços em promover a recuperação e reinserção social dos sujeitos violentos. A sociedade não oferece oportunidades moralmente equilibradas para que o ser humano conquiste seu equilíbrio emocional, o que é refletido em seu comportamento social.

“A violência está generalizada entre nós, em diversas gradações – a abominamos, mas a praticamos, nem que seja através de um simples olhar. Onde foi parar o ideal de nobreza que faria de nós seres humanos delicados e gentis, empenhados em trocar ao amabilidades que conssstruiriam a paz?”
(Maria Cristina Rosa)

O ideal seria que os indivíduos agressores recebessem ajuda psicológica para se reconstituir, ao invés se serem jogados em precários cárceres, onde tudo o que aprendem são atos de violência.


“Estamos todos cansados de dor e sofrimentos, de maus tratos. Não é hora de começarmos a nos ocupar do resgate das virtudes adormecidas em nosso interior?”(Maria Cristina Rosa)


Reflexões

“O ambicionismo exarcebado e a pobreza de espírito presente em muitas pessoas, vedam-lhes os olhos e as impedem de enxergar o próximo como um cidadão provido de sonhos; sonhos estes inalcançáveis devido à desunião e ao comodismo da sociedade, violentando assim, o outro no que ele tem de mais puro e autêntico: seus ideais.”(Paula Renata Pessoa – 6º C – Psicologia – FUMEC)

“Qual será a carência de quem viola do outro a essência?”
(Tânia Montandon Motta – 6º C – Psicologia – FUMEC) ano 1999

Tania Montandon

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