Poeta bom, homem bom: reflexão sobre a Arte

Tendo um cérebro que trabalha quase integralmente sem receber hora extra, por vezes me pego tentando rabiscar alguns traços de Poesia. Logo quedo-me com a necessidade de ser mais detalhado, contar coisas que ficaram escondidas – é o estilo da Prosa que brota – e termino por rasgar a folha. Para mim, texto poético deve alcançar altíssimo nível sentimental: mexer com o leitor; fazê-lo soluçar e gemer dentro de si; suscitar sentimentos proibidos, profundos ou sublimes. Um bom texto poético deve causar em mim a mesma coisa que me causa um quadro de Vincent Van Gogh ou Nikolai Roerich. Se não me provocar, eu não gosto. Digo que a Poesia é o remédio controlado, e a Prosa o homeopático – com algumas exceções, sendo Nelson Rodrigues e Dalton Trevisan os meus preferidos entre os “prosas-forte”.

Alguns escrevem como se manipulassem florais de Bach: há pessoas que acreditam em seu poder de cura, outras que não acreditam e tudo fica por isso mesmo. Eu acredito no Conhecimento – a cura – nas suas inúmeras formas, então procuro não deixar-me levar por certos resquícios do tal “pudor erudito”. Embora as palavras sejam para mim criação humana, elas não existem num mundo paralelo e utópico. Mexer com palavras exige estudo árduo, técnica e aprimoramento constante. Mas é por isso mesmo que é possível chegar à relativa perfeição, onde cada palavra pode fazer-nos transcender e ir além de nós mesmos. Pelas criações humanas – como a Arte é, em geral – podemos conhecer mundos alheios: o ser humano cria-os e transforma-os igualmente. Toda pessoa, seja iletrada ou douta, possui acesso ao Conhecimento; lembrando, claramente, que os modos de acesso a ele são alternativos e diversos.

Embora eu considere a mim mesmo um alemão tropical, tenho particular carinho e admiração pelo jeito russo de ser: a eterna pungência na arte; a dramaticidade comovente; o ascetismo que a arte russa provoca em seu espectador. Para ser breve, posso lembrar a genialidade russa na literatura de Fiódor Dostoiévski ou Leon Tolstói; nos quadros de Wassily Kandinsky e do próprio Nikolai Roerich; na música de Piotr Tchaikovsky ou na apoteose [leia-se “obra”] de Sergei Rachmaninoff. O russo sabe, por natureza, que é um guerreiro. Isto lhe dá grande sensação de responsabilidade, além de infundir imenso caráter espiritual em sua realidade. Kandinsky mesmo dizia, na sua obra Ponto e linha sobre o plano, que um dia a Religião cederia seu lugar à Arte, pois a primeira é uma versão imperfeita da segunda. A espiritualidade do pintor e homem Kandinsky – e a russa, seguindo esta lógica – não era uma estratosfera além de sua vida. A espiritualidade era a sua própria Arte.

Neste ano, as partidas bruscas de artistas que eu sempre venerei (Hugo Carvana, Rubem Alves, Gabriel García Márquez, Paulo Goulart, Manoel de Barros, José Wilker, e atualmente Roberto Bolaños, o Chaves) trouxeram-me a consciência que a Arte é um sacerdócio; só é possível abandoná-lo se perdermos nosso corpo físico. Assim foi com eles, assim é comigo, assim será com qualquer pessoa que se interessar pela arte. Ninguém pisa num palco e sai impune. [Perdoem-me o negrito, mas não pude deixar de assinalar.] O preço a se pagar é uma vida de dedicação: noites sem nenhum resquício de sono; eternas tentativas de aperfeiçoamento artístico; incompreensão dos entes mais queridos; zombaria dos ignorantes e desprezo dos colegas de arte. Infelizmente nossos artistas mais conhecidos perderam a noção do sacerdócio artístico: vivem num modelo canceroso de grupo, a banalização da patota. “Quem é dos nossos tem livre acesso, quem não é dos nossos não merece nossa companhia”, talvez digam. Mas como querer um Brasil de leitores se a vanguarda não é orientada pela velha guarda?

Sinto na pele a imensa dificuldade dos “escrevinhadores” [como diz o passarinho Manoel] de permanecerem simples, de não fazer propaganda de sua imagem, de não deixar-se levar pela legião de seus seguidores, de não caírem na mesma decadência de Narciso. Sinto a dificuldade de passear por vários círculos artísticos e receber sempre as mesmas respostas – “não”, “você ainda não está pronto”, “você deve amadurecer seus textos”. Quem amadurece é fruta e gente: texto é criado com técnica, não com iluminação dos céus. Texto não amadurece, é construído aos poucos até chegar no grau da perfeição que cada pessoa desenvolve para si. Daí surgem as diversas opiniões, defendendo o estilo de uns e outros artistas. A perfeição existe, mas só nos olhos de quem a enxerga. Quem não enxerga a beleza continua desinteressado pelo que é belo.

Falando nisto, o desinteresse do povo em geral pela Poesia é por culpa dos poetas? Sim, se concordarmos que o estereótipo de um poeta é o de um homem revoltado, sempre de mal com a sociedade, que fala difícil e escreve Poesia apenas para aumentar a lista das mulheres com quem já se relacionou. Ao contrário: se os poetas fizessem ações concretas – ou seja, “entendíveis” pelo povo – de divulgação poética; se ensinassem as pessoas a ler Poesia; se escrevessem com menos ego e mais sentimento; se visitassem as pessoas onde elas estão: por que as pessoas não se interessariam? Será que uma pessoa “comum” fecharia seu coração para uma expressão artística que a elevaria, ou ela não se interessa porque não entende nada do que os eruditos dizem? Se um poeta erudito e conhecido – sim, este é um desafio – se juntasse a mim neste projeto de “poesia popular”, prometo que eu o veneraria literariamente pelo resto dos meus dias.

Termino esta reflexão crítica sobre nossa realidade artística com um poema de minha autoria, que sintetiza toda estas ideias:

* * * * * * *

PARA OS CONFRADES DE EGO INFLADO

artista
tire a mão do meio
e mostre a esse povo
a que você veio

artista
não sonhe em mais crescer
vê se sai da frente:
deixe a arte aparecer

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