UFC, Anderson Silva e minha franzinice

1- Se antes o sonho da molecada era ser jogador de futebol, veterinário, professor (!) ou qualquer outra coisa idílica deste porte, o sonho da moda atual é ser lutador. Nascer e crescer para dar porrada. Passar meses e meses na academia dando murros e chutes em sacos de areia, imaginando a cara da professora chata ou de alguém que colocou alfinete na nossa cadeira. A infantilidade da Veterinária, da Educação Física, da Filosofia ou da Matemática não cola mais como antigamente. O que vale hoje é quebrar a cara alheia.

2- A explosão de torneios de luta livre, campeonatos digladiatórios e eventos relacionados causam nos meninos ainda mais desejo e desespero pelos cinturões banhados de sangue: junto com as fartas moedinhas que os acompanham, claro. Ver dois lutadores se pegando – “virilmente” entre aspas, vamos combinar – causa nos garotos cheios de hormônios um desejo semelhante ao do cachorro faminto vendo o frango assado girar na máquina. Bater foi, em quase toda a História, um ato de pretensa superioridade: demonstração de força e honra, mas somente para quem batia. Quem apanhava sempre enxergou claramente o fanatismo e a loucura dos violentos.

3- Talvez eu seja imune a este vírus, pois nunca tive habilidade em bater. Uma vez, na pré-escola, bati num mais forte que batia num mais fraco; outra vez, já na adolescência, soprei pó de giz por brincadeira no rosto de um amigo, mas não sabia que ele tinha problemas respiratórios. [Ele está bem e se recupera.] Minhas lutas só eram causadas por acidente. De resto, apanhava calado. As verdadeiras lutas que me preocupavam – os embates filosóficos – eram de fazer qualquer valentão borrar nas calças.

4- O tempo passou e aquele menino diferente dos outros – eu – entrou para o UFC: o Universo do Fundamento Cristão. Lá, tive que aprender a ler Nietzsche e Foucault escondido. Qualquer palavra fora do contexto era sinal de rebeldia: delicadamente era mandado ao porão das batatas. Fui habilidoso em ficar quieto e às vezes descascar batatas, sobrevivi e hoje sou um leitor crítico da vida. Nunca ganhei títulos [mestrados ou doutorados], mas trilhei meu próprio caminho, o que já é grande coisa.

5- Estes coitados garotos não sabem que, na época dos meus avós, os lutadores pertenciam à classe mais ínfima da sociedade: os que realmente lutavam para comer, batendo no adversário como no esforço em tomar o seu pedaço de pão. Alguns deles cresceram e se tornaram lendas; outros viraram atores de filmes de ação; outros ainda continuaram lutando até afastarem-se da profissão pela idade e/ou demência pugilística. Hoje ganharam status, normas de segurança e tecnologia. O que me incomoda nisso tudo não é a vontade de lutar, mas a falta de vontade de saber.

6- Convidado por um amiguinho – mais novo e com o corpo mais definido que o meu – tentei por uma vez fazer aula de jiu jitsu. Pelos brados acéfalos do lutador-chefe [professor naquela espelunca era eu], machuquei seriamente o nervo da perna direita. Até hoje sinto dor, e às vezes sinto a vontade de dar uma surra de vara verde nas canelas daquele brutamonte. Se eu consegui escapar de sua doutrina sádico-masoquista, os outros alunos não. Talvez até hoje estejam machucando nervos, quebrando braços, vazando olhos, puxando cabelos e chutando genitais. Mas no meu momento de dor, houve silêncio. Todos os outros aprendizes pararam diante do meu urro. Meu martírio serviu para que pensassem como estavam se torturando.

7- Recebi no mesmo dia dos amigos lutadores a alcunha carinhosa de “filósofo”, e fui convidado a escrever um livro sobre eles. Talvez eu realmente escreva. Seria um grande esforço de, apenas por um momento, retirar as faixas de proteção de suas mãos e dar a eles pensamento crítico – o que realmente os protegeria dos perigos da alienação. Seria o golpe de Davi num Golias anabolizado, que engana nossa juventude ao mostrar na TV sangue, ódio em cápsulas e promessas de vida boa em Las Vegas. Talvez, invocando Paulo Leminski, eu aprenda alguns golpes de judô para aplacar a inércia mental destes garotos, tão fortes e cheios de vida. Aquele “professor” que machucou minha perna não perde por esperar.

"Henrique Vitorino tem 23 anos, mas se sente mais velho que as pessoas de sua geração. É formado em Filosofia, canta jazz nas horas vagas e assume abertamente sua paixão por trens e metrô. Acredita que o mundo tem jeito se ler muito e escutar mais Amy Winehouse. Escreve contos, crônicas e poesias: um destes projetos é intrinsecamente ligado ao mundo ferroviário. Além disto, desenvolve um romance."

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