O contrato de seguro – 1ª Parte

O contrato de seguro é bastante antigo, tendo sua origem na fase inicial do Direito Comercial, quando o comércio marítimo se intensificou e trouxe consigo a preocupação dos mercadores de se precaverem quanto aos prejuízos suportados em decorrência de naufrágios ou ataques de corsários.
Atualmente no Brasil, o contrato de seguro possui regulamentação legal detalhada no Código Civil, que assim dispõe em seu art. 757: “pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados”. O Código Civil ainda estabelece, no parágrafo único deste dispositivo, que “somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada”.
Da definição do Código, podem ser destacadas as partes desse contrato: (i) o segurado, que paga o chamado prêmio, e (ii) o segurador, que em troca do recebimento desse prêmio assume a obrigação de garantir o segurado contra riscos preestabelecidos.
De acordo com o art. 758 do Código Civil, “o contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio”. Esse dispositivo deixa claro que o seguro é um contrato consensual, que se aperfeiçoa, pois, pelo mero acordo de vontade entre as partes.
Ressalte-se que esse acordo de vontades no contrato de seguro se dá pela simples adesão do segurado às cláusulas previamente estabelecidas pelo segurador, uma vez que se trata de contrato de adesão. Porém, essas cláusulas, é bom destacar, são regulamentadas por órgão estatal específico, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), nos termos do que dispõe o Decreto-lei 73/1966 (com as atualizações promovidas pela Lei Complementar 126/2007), o que faz com que o seguro seja qualificado também como um contrato dirigido.
O próprio Código Civil também se preocupou com esse dirigismo do contrato de seguro. Nesse sentido, por exemplo, dispôs, em seu art. 762, que “nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro”.
Além do mais, uma característica típica do seguro é a sua mutualidade, que se traduz no fato de ele representar, na prática, uma forma de socialização dos riscos entre diversos segurados. Melhor explicando: por meio de cálculos atuariais, o segurador consegue prever, com certo grau de correção, a possibilidade de ocorrência de eventos danosos que garante. Assim, calcula o valor dos prêmios de modo que o montante arrecadado com eles seja suficiente para cobrir os gastos com as indenizações dos eventos danosos que efetivamente se concretizarem. Em suma: o dinheiro dos segurados é usado para o pagamento das indenizações devidas a eles, em caso de ocorrência de sinistro.
O Código Civil, conforme já adiantado, traz uma disciplina legal detalhada do contrato de seguro, estabelecendo uma série de regras gerais aplicáveis a essa figura contratual específica. Ressalte-se, todavia, que essas regras são de aplicação supletiva aos contratos de seguro que possuam regulamentação especial. É o que prevê o art. 777 do Código: “o disposto no presente Capítulo aplica-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias”.
De acordo com o art. 759 do Código Civil, “a emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco”. Essa proposta é de fundamental importância, a fim de que o segurador possa elaborar os cálculos atuariais que definirão o valor do prêmio do seguro.
Nesse sentido, aliás, o art. 765 prevê que “o segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a eles concernentes”. E o art. 766 e seu parágrafo único complementam a regra: o primeiro assevera que “se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido”; o segundo, por sua vez, estipula que “se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio”.
A apólice ou bilhete do seguro, conforme disposição do art. 760 do Código, “serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário”. O parágrafo único desse dispositivo faz, porém, uma ressalva, dispondo que “no seguro de pessoas, a apólice ou bilhete não podem ser ao portador”.
A norma do art. 761 do Código se refere especificamente ao cosseguro, estabelecendo que, “quando o risco for assumido em cosseguro, a apólice indicará o segurador que administrará o contrato e representará os demais, para todos os seus efeitos”.
O art. 763 do Código, por sua vez, traz regra polêmica. Com efeito, determina esse dispositivo que “não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação”. O Superior Tribunal de Justiça entende que a caracterização da mora não se dá com o mero atraso, sendo necessário, para tanto, que a seguradora interpele o segurado. Em um caso específico, todavia, entendeu o STJ que o atraso longo e continuado é suficiente para a caracterização da mora. Confiram-se os julgados:

Indenização. Seguro. Prestação. Atraso. Notificação. Mora. Prosseguindo o julgamento, a Seção, por maioria, decidiu que, em caso de sinistro nos contratos de seguro de automóvel, a inadimplência parcial não afasta o direito à indenização, malgrado o atraso das suas últimas das quatro prestações do prêmio. Ausentes, ademais, os requisitos para a resolução do contrato, como a interpelação para constituir em mora e a respectiva ação judicial. Outrossim, a notificação da constituição em mora é necessária para que, efetivamente, se produzam os efeitos da cláusula resolutiva. Precedentes citados: REsp 323.251-SP, DJ 8/4/2002, e REsp 76.362-MT, DJ 1º/4/1996 (REsp 316.449-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 09.10.2002, Informativo 150/2002).

Seguro de vida. Cancelamento. Mora. Notificação. Requisito. Mero atraso. A Turma decidiu que, para a caracterização da mora no pagamento de prestações relativas ao prêmio, é preciso antes a interpelação do segurado, uma vez que o mero atraso não é suficiente para desconstituir o contrato. Não obstante, 15 meses de atraso não podem ser qualificados como “mero atraso”, pelo que inexiste o direito à indenização securitária mesmo na falta da notificação da seguradora; Precedentes citados: REsp 286.472-ES, DJ 17/2/2003; REsp 318.408-SP, DJ 10/10/2005; REsp 316.552-SP, DJ 12/4/2004; REsp 647.186-MG, DJ 14/11/2005, e REsp 278.064-MS, DJ 14/4/2003 (REsp 842.408-RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 16.11.2006, Informativo 304/2006).

Cabe ressaltar que há ainda o entendimento de que, se a seguradora cobra juros do segurado pelo atraso no pagamento das prestações, é absurda a recusa de cobertura de sinistro se este ocorrer durante o período de inadimplência. Ou a seguradora cobra juros, mas cobre o sinistro independentemente do atraso no pagamento das prestações, ou não cobra juros pelo eventual atraso. Como justificar a cobrança de juros se a seguradora, caso ocorresse o evento danoso no período de inadimplência, entende-se no direito de não garanti-lo? Diante disso, pois, a jurisprudência do STJ merece aplausos.
O Código Civil dispõe ainda, em seu art. 764, que “salvo disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio”. O art. 768, por sua vez, prevê que “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”. O mesmo ocorre se forjar a ocorrência do evento danoso. No que se refere ao seguro para cobrir acidente de trânsito, o Superior Tribunal de Justiça entende que a embriaguez, se for meramente ocasional, não configura agravamento do risco:

Seguro. Embriaguez ocasional. A embriaguez apenas episódica, ocasional, por si só, não é excludente do direito à cobertura securitária pelo falecimento em acidente de trânsito. Tal circunstâncias não configura agravamento do risco previsto no art. 1.454 (do antigo Código Civil, de 1916, atual art. 768 do Código Civil de 2002). Precedentes citados: REsp 79.533-MG, DJ 6/12/1999; REsp 180.411-RS, DJ 7/12/1998; REsp 192.347-RS, DJ 24/5/1999; REsp 223.119-MG, DJ 14/2/2000; RESP 231.995-RS, DJ 6/11/2000; REsp 236.052-SP, DJ 28/8/2000, e REsp 341.372-MG, DJ 31/3/2003 (REsp 212.725-RS, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 02.12.2003).

Na mesma linha do art. 768, o art. 769 do Código determina que “o segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé”. E, complementando a regra em questão, o seu § 1º, estabelece que “o segurador, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, poderá dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato”. Finalizando, o § 2º reza que “a resolução só será eficaz trinta dias após a notificação, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio”.
O art. 767 traz regra especial aplicável aos seguros à conta de outrem: “no seguro à conta de outrem, o segurador pode opor ao segurado quaisquer defesas que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de conclusão do contrato, ou de pagamento do prêmio”.
Ora, se o agravamento do risco, conforme visto acima, pode acarretar até mesmo a resolução do contrato por parte da seguradora, é claro que a diminuição do risco também produz efeitos relevantes, em determinadas situações. Nesse sentido, dispõe o art. 770 que, “salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato”.
No art. 771 do Código Civil, começa-se a tratar do sinistro. Esse dispositivo, por exemplo, determina que, “sob pena perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências”. Seu parágrafo único, por sua vez, prevê que “correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento consequente ao sinistro”.
No que se refere à eventual mora do segurador no pagamento do sinistro, estipula o art. 722 do Código que “a mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização monetária da indenização devida segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, sem prejuízo dos juros moratório”.
O art. 773, por seu turno, assim prescreve: “o segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado”.
E quanto ao pagamento da indenização, determina o art. 776 do Código que “o segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa”.
Por fim, registre-se o que estipula o art. 774 do Código: “a recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não poderá operar mais de uma vez”.
____________________
Fabricius Assumpção é advogado, formado em 2004 pela Universidade Cândido Mendes (Campus Campos dos Goytacazes), especialista, MBA em Administração Pública pela Universidade Estácio de Sá e Pós-Graduação em Auditoria Empresarial pelo Instituto A Vez do Mestre. Ex-Assistente da Procuradoria Executiva de Fazenda do Município de Macaé. Ex-Subdiretor Geral Administrativo Financeiro da Câmara Municipal de Macaé, tendo, entre outras atribuições, a coordenação de expedientes referentes ao projeto “Câmara Itinerante”. Ex-Auxiliar Parlamentar na Câmara Municipal de Macaé, tendo colaborado na elaboração de diversas proposições legislativas, tais como o Projeto de Lei n.º 041/2010, que criou o Programa de Assistência Jurídica Gratuita Itinerante (que consiste na visita programada e regular à determinada localidade no âmbito do Município de Macaé realizando prestação jurisdicional, orientações aos cidadãos na área de defesa do consumidor, família, infância e juventude, registro civil e juizado especial cível) e o Requerimento n.º 082/2010, o qual solicita, através dos órgãos competentes (atualmente o INEA/RJ), o monitoramento da qualidade (com as placas indicativas) das águas dos principais rios, reservatórios, lagoas costeiras e praias do município, conforme as Resoluções Conama n.ºs 274/2004, 334/2004 e 357/2005, bem como a Portaria n.º 518 do Ministério da Saúde. Ex- Assessor Jurídico da Fundação Macaé de Cultura e Ex- Assessor Técnico da Direção Geral do Hospital Regional de Barra de São João. Ex-Presidente da OAB Jovem, na 15ª Subseção (Macaé/RJ).

 

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