Por que pagamos tantos e tão elevados tributos? (Primeira Parte)

O Estado e a necessidade de obtenção de receita

O Estado é composto de uma associação humana (povo), situada em uma base espacial (território), submetida a uma autoridade (governo, poder público) que não reconhece superior (soberana). Três são os elementos típicos do Estado, portanto: povo, território e poder público soberano. Há, é verdade, quem aponte um quarto elemento autônomo no conceito de Estado, qual seja a finalidade.
É certo, contudo, que esta não deixa de fazer parte da ideia de governo, pois só se justifica um poder público estatal em razão da finalidade inerente ao atos que pratica, qual seja, o interesse da coletividade.
Sendo a finalidade um elemento autônomo do Estado, ou não, sua existência é inegável, materializando-se no conjunto de ações estatais destinadas à satisfação dos interesses dos administrados, tais como prestações de serviços públicos, realização de obras públicas, criação de comandos abstratos e impessoais destinados ao regramento do convívio em sociedade, solução de conflitos de interesses etc.
Indubitável ainda que para alcançar sua finalidade, seus objetivos, o Estado precisa de recursos financeiros. Em nosso país, no que tange à ordem econômica, vigora o princípio da liberdade de iniciativa, incumbindo ao Estado não o papel de protagonista, mas o de agente normativo e regulador (Constituição Federal, arts. 170 e parágrafo único, e 174). Por outro lado, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado Brasileiro é excepcional, permitida apenas em certas hipóteses pela norma do art. 173 da Constituição Federal (casos de relevante interesse público ou quando necessária aos imperativos da segurança nacional, conforme em lei).
A tributação é, portanto, o instrumento de que se vale o Estado Brasileiro para auferir recursos financeiros, e assim custear suas atividades em prol da coletividade, já que em regra não explora diretamente atividade econômica.
Daí resulta a consagração doutrinária do tributo como “preço da liberdade”. De fato, à garantia de que o cidadão possa exercer suas liberdades no plano econômico, sem amarras estatais que prejudiquem tal exercício, contrapõe-se a obrigação, a ele imposta, consistente na prestação pecuniária compulsória que permita ao Poder Pública desempenhar as atividades públicas para atingir o fim coletivo.
A soberania, vale dizer, o poder supremo consistente na capacidade de autodeterminação, é essencial à caracterização do Estado. No plano externo, o poder soberano permite ao Estado relacionar-se com os demais organismos internacionais sem reconhecer superioridade. Sob a ótica interna, soberania representa sujeição de todos quantos se encontrem no território do Estado à ordem deste.
O poder de tributar, que é exercido através da lei, consiste, assim, na faculdade que tem o Estado de impor tributos para custear suas necessidades, no exercício de sua soberania.
Em um Estado Federal, como o nosso, o poder tributário é repartido entre os entes componentes da federação, em moldes a garantir aos mesmos efetiva autonomia, decorrendo dessa delimitação jurídica o instituto da competência tributária, a ser objeto de estudo mais adiante.

O crescimento das despesas públicas

Uma das características mais marcantes da economia do século XX é o crescente aumento das despesas públicas. Tal situação é encontrada não apenas nos países de economia coletivizada, onde o Estado, por definição, é o grande agente econômico, mas também nas nações capitalistas avançadas, defensoras da livre iniciativa e da economia de mercado.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os gastos dos três níveis de governo, que em 1890 corresponderam a 6,5% do Produto Nacional Bruto (PNB), cresceram de forma contínua até 1970, quando esse percentual superou a marca de 30%, estabilizando-se em valores próximos a 35% nas décadas de 80 e 90. Tal tendência histórica ao crescimento dos dispêndios públicos é encontrada também em outros países capitalistas, como a Alemanha e o Reino Unido, conforme explicam Richard e Peggy Musgrave (1980, p. 110).
No Brasil, o crescimento acelerado das despesas públicas teve início mais tarde, especialmente a partir do término da Segunda Guerra Mundial. Segundo Rezende da Silva (1974, p. 21), as despesas governamentais apenas dobraram entre 1907 e 1943 e, considerando que nesse mesmo período a população cresceu em 100% em termo per capita não houve acréscimo nos gastos públicos. Rezende (1979, p. 34) alerta ainda que, nos últimos 30 anos, entretanto, as despesas do governo cresceram rapidamente e nem sempre de forma contínua. A participação das despesas públicas no Produto Interno Bruto em 1947 foi de 17% e, em 1969, de 25%, sendo que as épocas de maior aceleração foram 1955/60 e 1964/69.
Aparentemente, esses indicadores mostram que o Brasil não alcançou os mesmos níveis dos gastos públicos dos países desenvolvidos, especialmente dos europeus. Só recentemente, com a criação da Secretaria de Controle de Empresas Estatais (Sest), da Secretaria de Planejamento da Presidência da República (Seplan/PR), em 1979, é que começou a ser conhecido o universo da administração descentralizada, segmento do setor público federal grandemente expandido, especialmente após 1964.
Relativamente à década de 70, houve uma redução da carga tributária (bruta e líquida): os percentuais da carga bruta em relação ao PIB corresponderam a 24% (1970), 23,9% (1975) e 21,9% (1980) e da carga líquida a 15%, 14,9% e 12,8% naqueles mesmos anos. Tal situação traduziria a tendência à diminuição de tamanho do setor público tradicional, isto é, daquele fornecedor de serviços e bens públicos clássicos: segurança, justiça, educação, saúde etc. Paralelamente, entretanto, teria crescido o outro lado do setor público: o Estado-empresário.
No decorrer da década de 1980 e nos primeiros anos da década seguinte, a carga tributária global no Brasil girou em torno de 24% a 26% do PIB, com exceção dos anos de 1987 e 1988, em que pese percentual foi um pouco menos, e de 1990, quando as medidas do Plano Collor aumentaram a carga para 28,8%. Após várias tentativas de enfrentamento do processo inflacionário crônico, em meados da década de 1990 o Plano Real finalmente conseguiu estabilizar os preços. A estabilidade trouxe, entre seus efeitos, a extinção do imposto inflacionário, importante mecanismo de financiamento das despesas públicas. O reconhecimento de dívidas e de outros passivos provocou o crescimento expressivo da dívida pública nos anos seguintes. Várias crises internacionais atingiram fortemente o país, que foi forçado a aumentar a taxa básica de juros resultando em aumento do endividamento. Ainda que expressivos, os superávits primários praticados nos últimos anos não foram suficientes para atender os encargos de refinanciamento da dívida. Os décificits nominais sistemáticos, o grande volume de vinculações de receita e de despesa obrigatórias – especialmente, pessoal, previdência e transferências legais a Estados e Municípios – determinaram o acentuado crescimento da carga tributária durante a primeira década do novo século.
A demanda de bens e serviços públicos por parte dos indivíduos é anulada pela não-disposição dos mesmos indivíduos em contribuir, via sistema tributário, para o financiamento dos encargos decorrentes desses bens e serviços. Tal equilíbrio é encontrado em época de normalidade e de estabilidade econômica. Em situações de excepcional gravidade – guerras, por exemplo -, o equilíbrio é rompido, pois os indivíduos, reconhecendo a importância da ação pública nesse momento, não opõem maior resistência ao aumento da carga tributária; posteriormente, ao cessar a anormalidade, continuam aceitando os novos níveis tributários.
A atual preponderância do Estado na economia brasileira não é o resultado de um esquema cuidadosamente concebido. Decorre, em grande parte, de numerosas circunstâncias que, em sua maioria forçaram o Governo a intervir de maneira crescente no sistema econômico do País. Essas circunstâncias vão desde reações a crises econômicas internacionais e o desejo de controlar as atividades do capital estrangeiro, principalmente no setor de serviços de utilidade pública e na exploração de recursos naturais, até a ambição de industrializar rapidamente um País atrasado.
Podemos dar outros exemplos expostos por estudiosos para o crescimento das funções do Estado o que, por consequência aumentaram as despesas públicas e a carga tributária, tais como as mudanças tecnológicas, populacionais, o crescimento da renda per capta, os custos relativos dos serviços públicos, mudanças no alcance das transferências (encargos sociais), disponibilidades de alternativas para a tributação, fatores políticos e sociais.
A carga tributária é a quantidade de tributos (impostos, taxas e contribuições) das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) que incidem sobre a economia, que é formada pelos indivíduos, empresas e os governos nos seus três níveis.

Em 2007, a carga tributária brasileira correspondeu a 35,3% do PIB, conforme o último estudo tributário divulgado pela Receita Federal.

O que é tributo?

A conceituação legal de tributo é aquela constante do art. 3º do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966) e que está em consonância com o art. 146, III, a, da CF (que dispõe caber à lei complementar estabelecer a definição de tributos), qual seja, tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Importante para o entendimento do conceito, trazer o exame do artigo realizado por Mauro Luís Rocha Lopes (2012, pg. 5-10):

Toda prestação pecuniária (...)
Tributo é prestação pecuniária, vale dizer, em dinheiro. Afastam-se do conceito de tributo, assim, as prestações in natura ou in labore. Quer afirmar, com isso, que a forma direta de extinção da obrigação tributária principal, ou seja, “o pagamento”, será sempre representada pela entrega de dinheiro ao Estado.

Tal assertiva é importante, uma vez que há formas indiretas de extinção da obrigação tributária, como a dação em pagamento (CTN, art. 156, XI), que não excepcionam o conceito legal no sentido do qual tributo é prestação pecuniária. (...)

(...) compulsória (...)
A obrigação tributária tem natureza de obrigação ex lege, proveniente do poder de império estatal, para cuja formação não concorre a vontade do obrigado. As fontes da obrigação tributária são a lei (fonte formal) e o fato gerador (fonte material).

As prestações contratuais afastam-se do conceito legal de tributo, já que a obrigatoriedade das mesmas advém do contrato, para cujo perfazimento concorreu manifestação de vontade das partes contratantes (obrigação ex voluntate).

(...) em moeda (...)
Dizer (como diz) o CTN que tributo é uma prestação em moeda consiste meramente em ratificar seu caráter pecuniário, explicitado na primeira parte do conceito legal. “Prestação pecuniária em moeda” consiste, assim, em expressão pleonástica que revela ênfase no caráter monetário do tributo.

(...) ou cujo valor nela se possa exprimir (...)
(...) considera-se o permissivo em questão como alusivo à indexação do tributo, quando fixo, em lei, de forma a preservar o valor da prestação tributária em período inflacionário. Assim, nada impede que o tributo cuja prestação independa de cálculo (tributo fixo) tenha o seu valor retratado em algum índice indexador (UFIR, UNIF, UFERJ etc.) estabelecido na lei.

Não prevalecendo tal interpretação, o caso é de se reputar juridicamente irrelevante a aludida expressão, como aliás o fazem juristas ilustres.

(...) que não constitua sanção de ato ilícito (...)
Tributo e multa não se confundem. A expressão examinada tem por objetivo excluir a penalidade do conceito do art. 3º do Código Tributário Nacional.

A sanção tem dúplice caráter, prestando-se a infligir um sacrifício ao transgressor da ordem jurídica (caráter repressivo), à guisa de medida exemplar e desestimuladora de novos deslizes (caráter preventivo).

O tributo não tem caráter punitivo, embora seja recolhido com sacrifício pelos cidadãos. Tem ele sua razão de ser repartição das despesas públicas entre os membros da coletividade, sujeita e beneficiada pelas atividades estatais.

O tributo é exigido em maior escala dos cidadãos detentores de maior capacidade econômica, que podem dispensar certas prestações estatais (saúde, assistência, previdência, educação) buscando a satisfação de suas necessidades na iniciativa privada, exatamente para que o Poder Público possa custear suas atividades em benefício daqueles que só contam com a tutela oficial. Pode-se considerar o tributo, assim, em tese, um instrumento de redistribuição de riqueza.

Também se atribui ao tributo a característica de “preço da liberdade”, pois permite que o cidadão atue no espaço público, com a proteção estatal de sua propriedade e desenvolvendo livremente atividades econômicas, tendo em contrapartida, de carrear ao Estado determinada fração de sua riqueza. (...)

(...) instituída em lei (...)
Ao conceituar a prestação tributária, o legislador optou por precisar o veículo instituidor adequado, atrelando-a à lei em sentido estrito (lei formal). Trata-se de consequência da adoção, em nosso Direito, do princípio da legalidade na tributação (CF, art. 150, inciso I, e CTN, art. 97), no sentido do qual só a lei pode instituir o tributo, definindo sua hipótese de incidência e todos os aspectos nucleares da relação obrigacional correspondente (sujeição passiva, base de cálculo, alíquota, infrações etc.)

(...) cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
(...) A lei tributária (...) deve precisar os pressupostos fáticos que ensejam a prática dos atos administrativos fiscais, bem como o conteúdo destes, certo que qualquer lacuna deve ser preenchida mediante a edição de ato normativo abstrato, de cunho impessoal.

Decorrência da ausência de discricionariedade na conduta da Administração tributária é a plena possibilidade de apreciação, pelo Judiciário, dos requisitos de validade de seus atos – competência, finalidade, forma, motivo e objeto -, estritamente vinculados que são. Na esfera tributária, não há que falar, portanto, em mérito administrativo, conhecida barreira ao controle do ato administrativo pelo Judiciário.

A tradicional doutrina administrativista sempre considerou violadora do princípio da separação de poderes a decisão judicial que substituiu pelos seus os critérios de conveniência e oportunidade utilizados licitamente pela administração em relação às atividades discricionárias. No Direito Tributário, como visto, de tal violação não se há de cogitar.

Quanto ao poder de tributar, conforme leciona Sacha Calmon Navarro Coêlho (2011, pg. 34):

(...) é exercido pelo Estado por delegação do povo. O Estado, ente constitucional, é produto da Assembleia Constituinte, expressão básica e fundamental da vontade coletiva. A Constituição, estatuto fundante, cria juridicamente o Estado, determina-lhe a estrutura básica, institui poderes, fixa competências, discrimina e estatui os direitos e as garantias das pessoas, protegendo a sociedade civil.

(...) o exercício da tributação é fundamental aos interesses do Estado, tanto para auferir as receitas necessárias à realização de seus fins, sempre crescentes, quanto para utilizar o tributo como instrumento extrafiscal, técnica em que o Estado intervencionista é pródigo. (...) tamanho poder há de ser disciplinado e contido em prol da segurança dos cidadãos.

O Direito Tributário é o ramo do direito público que abriga as normas reguladoras das relações entre o Estado, como impositor de tributos, penalidades tributárias e deveres instrumentais, e as pessoas que se sujeitam a tais imposições. Na próxima parte explicitaremos os principais tributos previstos constitucional e legalmente.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição Federal de 1998.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário brasileiro. 11 ed. rev. atua. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

LOPES, Mauro Luís Rocha. Direito Tributário. 3 ed. rev. atua. Niterói: Impetus, 2012.
MUSGRAVE, Richard; MUSGRAVE Peggy. Finanças Públicas: teoria e prática. Rio de Janeiro: Campus, 1980.

REZENDE DA SILVA, Fernando A. Avaliação do setor público na economia brasileira: estrutura funcional da despesa. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1974.
___________________________________________________________________
Fabricius Assumpção é advogado, formado em 2004 pela Universidade Cândido Mendes (Campus Campos dos Goytacazes), especialista, MBA em Administração Pública pela Universidade Estácio de Sá e Pós-Graduação em Auditoria Empresarial pelo Instituto A Vez do Mestre. Ex-Subdiretor Geral Administrativo Financeiro da Câmara Municipal de Macaé, tendo, entre outras atribuições, a coordenação de expedientes referentes ao projeto “Câmara Itinerante”. Ex-Auxiliar Parlamentar na Câmara Municipal de Macaé, tendo colaborado na elaboração de diversos projetos tais como o Projeto de Lei n.º 041/2010, que criou o Programa de Assistência Jurídica Gratuita Itinerante (que consiste na visita programada e regular à determinada localidade no âmbito do Município de Macaé realizando prestação jurisdicional, orientações aos cidadãos na área de defesa do consumidor, família, infância e juventude, registro civil e juizado especial cível) e o Requerimento n.º 082/2010, o qual solicita, através dos órgãos competentes (atualmente o INEA/RJ), o monitoramento da qualidade (com as placas indicativas) das águas dos principais rios, reservatórios, lagoas costeiras e praias do município, conforme as Resoluções Conama n.ºs 274/2004, 334/2004 e 357/2005, bem como a Portaria n.º 518 do Ministério da Saúde. Ex- Assessor Jurídico da Fundação Macaé de Cultura e Ex- Assessor Técnico da Direção Geral do Hospital Regional de Barra de São João. Ex-Presidente da OAB Jovem, na 15ª Subseção (Macaé/RJ).

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