Crítica de Ronald Dworkin à concepção de Amartya Sen

JUSTIÇA DISTRIBUTIVA: PERSPECTIVAS E CONCEPÇÕES
Capítulo 12

Crítica de Ronald Dworkin à concepção de Amartya Sen sobre a igualdade fundamentada em recursos – Igualdade e Capacidade (Análise do Capítulo 11 – “A pobreza como privação de capacidade”)

Já falamos que a igualdade distributiva definida por Dworkin não trata da distribuição de poder político, por exemplo, ou dos direitos individuais que não os direitos a certa quantidade ou parcela de recursos. A primeira teoria geral da igualdade tratada por Dworkin, e que expomos mais especificamente nas segunda e quinta partes do Capítulo 7 do nosso tema (10/04/2014 e 01/05/2014) é a chamada de igualdade de bem-estar(aliás, importante ressaltar um capítulo sobre “Segurança e bem-estar”, onde em seu livro “Esferas da Justiça – Uma defesa do pluralismo e da igualdade”, Michael Walzer, destaca entre outros tópicos, aquele a respeito de “Um Estado norte-americano de bem-estar social”).

Na igualdade de bem-estar de Dworkin se afirma que o esquema distributivo trata as pessoas como iguais quando distribui ou transfere recursos entre elas até que nenhuma transferência adicional possa deixá-las mais iguais em bem-estar. A segunda (igualdade de recursos), que comentamos superficialmente, afirma que as trata (as pessoas) como iguais quando distribui ou transfere (recursos) de modo que nenhuma transferência adicional possa deixar mais iguais suas parcelas do total de recursos.

A concepção de igualdade recursos de Ronald Dworkin inclusive serve defesa para o que ele entende como uma má interpretação feita da mesma por Amartya Sen, ao expor a sua própria concepção. Nesse sentido, trataremos do assunto de forma superficial neste capítulo e mais profundamente num próximo, bem como, mais adiante ainda, boa parte dos estudos teóricos de Ronald Dworkin a respeito de igualdades, uma chamada de “política” e a outra de “vida boa”, além de outras questões práticas. Da mesma forma, sempre que possível, de acordo com o disposto nas obras mais relevantes que estudamos dos autores, faremos uma paralelo sobre tais assuntos expostos por eminentes estudiosos, como Michael Walzer (que divide a igualdade em “simples” e “complexa”).

Igualdade e capacidade

Dworkin entende que Amartya Sen rejeita as teorias da igualdade fundamentadas em recursos em favor de uma concepção escrita no vocabulário da oportunidade ou da capacidade (termo empregado pelo último). A objeção de Sen às teorias fundamentadas em recursos, porém, segundo Dworkin, não é que elas nos levam para longe demais da igualdade de bem-estar, mas que não nos distanciam dela o bastante. Sen diz que filósofos que querem avaliar a igualdade em termos de recursos – citando para tanto, inclusive John Rawls e o próprio Dworkin, miram a coisa certa que é a liberdade pessoal dos indivíduos.

Para Sen, esses avanços não chegam à genuína igualdade da liberdade, porque ignoram o fato fundamental de que cada pessoa tem níveis bem diferentes de capacidade para fazer o que querem – estão capacitadas a alcançar, no vocabulário dele, níveis diferentes de “funcionamento” – com os mesmos recursos materiais. Desse pensamento se depreende o seguinte: de duas pessoas com rendas idênticas e outros bens e recursos primários (conforme caracterizados pelos enquadramentos “rawlsonianos” e “dworkianos”), uma pode estar totalmente livre para evitar a subnutrição, por exemplo, e a outra não ter nenhuma liberdade para tanto.

Sen acredita que serviria mais completamente à simetria de liberdade não comparar os recursos das pessoas, mas sua capacidade de exercer diversas funções ou atividades. Ele reconhece a dificuldade como óbvia. Cada pessoa classifica as diversas atividades em ordens de importância diversas. Algumas pessoas creem que um alto nível de realizações intelectuais e artísticas é mais importante do que as habilidades físicas, por exemplo, ao passo que outras pensam ao contrário. Essa é a dificuldade, segundo relata Dworkin, que enfrenta qualquer versão da igualdade de bem-estar: seja qual for a concepção de bem-estar especificada, qualquer tentativa de igualar as pessoas em bem-estar assim especificado teria como objetivo igualá-las em algo que elas valorizam de maneiras diversas.

Sen afirma que talvez fosse possível elaborar uma classificação objetiva de atividades, embora admita que tal classificação sofreria de certa indeterminação. Porém, a classificação objetiva seria controversa, mesmo que contasse com uma generosa porção de indeterminação, e basear a distribuição em tal classificação não é compatível, de maneira alguma, com a igual consideração por todos. Entretanto, deixando tal objeção de lado, Dworkin analisa, primeiro, se é consistente a crítica de Sen sobre as teorias da igualdade fundamentada em recursos e, em segundo lugar, se sua “igualdade de capacidades” realmente proporciona, como ele pensa, uma alternativa genuína e atraente a tais teorias.

Dworkin não tenta defender a versão rawlsiana da justiça distributiva fundamentada em recursos, porque a sua própria postura é diferente de maneira que se poderia crer que, como ele diz, a de John Rawls é mais vulnerável que a sua crítica de Amartya Sen. Para Dworkin, a lista de bens primários de Rawls não contém, por exemplo, habilidades físicas que possam tornar duas pessoas notavelmente diferentes na capacidade de alcançar as mesmas metas. É importante lembrar, porém, que Rawls tenta descrever os princípios de justiça da “estrutura básica” da comunidade políticas e espera que as cláusulas relativas a deficiências físicas sejam assunto, não desse estágio constitucional, mas de um estágio legislativo posterior.

Segundo relata Dworkin, a crítica de Sen à sua teoria da igualdade, é “misteriosamente mal interpretada”. Salienta Dworkin que os recursos da pessoa estão os recursos pessoais, tais como a saúde e a capacidade física, bem como os recursos impessoais ou transferíveis, como o dinheiro, e que embora seja preciso empregar diversos conjuntos de técnicas para corrigir ou reduzir as desigualdades nesses dois domínios principais de recursos, ambos devem receber atenção dos igualitários.

Para Dworkin, Amartya Sen daria importância, por exemplo, a diferenças de metabolismo das pessoas. Nesse sentido, ele considera distinguir entre duas questões ao analisar até que ponto sua maior pormenorização marca uma divergência teórica. Em primeiro lugar, quais tipos de diferenças entre as pessoas devemos considerar, em princípio, que justifiquem providências com o objetivo de compensar ou atenuar essas diferenças? Em segundo lugar, quais diferenças são tais que um plano exequível no mundo real, par aumentar a equidade, viesse realmente a atenuá-las ou compensá-las?

Segundo Dworkin, a crítica de Sen é equivocada no primeiro nível teórico. O metabolismo é um recurso claramente pessoal e a igualdade de recursos, portanto, considera-os, em princípio, uma questão de igual consideração. A segunda questão é mais difícil de responder de maneira abstrata. Se qualquer esquema prático e justificado de igualdade recursos compensaria as pessoas pelo metabolismo ineficaz – fornecendo-lhes vales-refeição adicionais, por exemplo – deve depender de uma infinidade de fatos, inclusive, mais manifestamente, a gravidade da ineficácia. Dworkin defende a ideia de que um esquema redistributivo inspirado no mercado hipotético de seguros compensaria qualquer distúrbio metabólico que tornasse necessária à sobrevivência uma alimentação cara ou abundante. Mas não faria, pensa Dworkin, o ajuste fino das necessidades metabólicas ao oferecer marginalmente mais dinheiro para comida às pessoas mais gordas, porque os custos administrativos de tal programa seriam desproporcionalmente altos. Para ele, Sen não propõe nenhum esquema concreto e politicamente realizável para a instituição de sua concepção de igualdade, porém, e o tom de sua discussão indica que ele considera sua crítica teórica, e não prática.

Será que a concepção positiva de igualdade de Sen – igualdade de capacidades – é realmente diferente da igualdade de recursos? Se for, será mesmo diferente da igualdade de bem-estar? A capacidade de alcançar a “felicidade” varia de uma pessoa para outra por milhares de motivos, entre eles a riqueza, a personalidade, as aspirações, a sensibilidade ao sofrimento alheio etc.

É claro que é bom quando as pessoas estão felizes, têm-se em alto conceito e são tidas em alta conta pelas outras. A ideia de que as pessoas devam ser iguais nas capacidades de alcançar essa situação, porém, é incoerente e estranha – por que isso seria bom? – e a ideia de que o governo deveria tomar providências para realizar essa igualdade – é possível imaginar que providências seriam essas? é assustadora, segundo Dworkin.

Por que nada disso é óbvio? Porque sabemos que aquilo que impede a maioria das pessoas de ter felicidade, autorrespeito e um papel razoável na vida da comunidade é a falta de recursos – em sua maioria recursos impessoais, entre eles a educação, mas também, em muitos casos, recursos pessoais. Assim, somos tentados a dizer que o que almejamos alcançar, com a redistribuição de recursos e a criação de oportunidades, é uma melhoria no potencial das pessoas para obter esses bens importantes. Existe, porém, um risco ao se expor o assunto dessa maneira – o perigo de cair na falácia de supor que nossa meta política suprema não é simplesmente fazer com que as pessoas sejam iguais nos recursos de que precisam para ter felicidade, autorrespeito e objetivos semelhantes, o que é uma meta atraente e vigorosa, mas torná-las iguais na capacidade geral de alcançar metas, sejam quais forem suas aspirações, projetos, gostos, disposições, convicções e posturas, que é a falsa meta da igualdade de bem-estar.

Para Dworkin, felizmente, temos uma razão excelente para rejeitar essa interpretação “natural” da tese de Sen, pois ela é fundamental à intenção dele, como já foi dito, de se afastar ainda mais da igualdade de bem-estar do que acredita que Rawls e o próprio Dworkin fizeram, e não de se aproximar mais. Dworkin ressalta, então que se deve adotar a seguinte explicação, bem diferente, do que Sen quer dizer. O governo deve esforçar-se por garantir que quaisquer diferenças no grau em que as pessoas não sejam igualmente capazes de alcançar a felicidade e as outras realizações “complexas” devem ser atribuíveis às diferenças em suas escolhas e personalidade e as escolhas e a personalidade das outras pessoas, e não as diferenças nos recursos pessoais e impessoais que possuem. Se entendermos a igualdade de capacidades dessa forma, ela não é uma alternativa à igualdade de recursos, mas apenas o mesmo ideal exposto com outra terminologia. É claro que as pessoas querem recursos a fim de aperfeiçoar suas “capacidades” para os “funcionamentos” – isto é, para aumentar seu poder de fazer o que querem. Porém (nesta interpretação da postura de Sen), são os recursos pessoais e impessoais, e não a felicidade ou o bem-estar, os quais podem alcançar por intermédio de escolhas, que são questões de igual consideração. Portanto, o esforço de Sen de alcançar uma classificação objetiva dos “funcionamentos” não é, afinal, necessária nem útil. Basta distribuir os recursos impessoais simetricamente, e descobrir dispositivos, como o mercado hipotético de seguros defendido por Dworkin, para amenizar o máximo possível as diferenças de recursos pessoais. Depois, podemos permitir às pessoas, por meio de suas escolhas nesse ambiente quase equânime, que façam suas próprias classificações dos “funcionamentos” que sejam importantes para elas.

Mesmo que a teoria de Sen seja apenas a igualdade de recursos com outro vocabulário, esse vocabulário salienta a questão que Dworkin acaba chama de óbvia – que as pessoas não querem recursos simplesmente para tê-los, mas para fazer algo com eles. Essa ênfase só é vantajosa, porém, se tivermos o cuidado de afirmar também o que foi exposto: que a igualdade que procuramos está nos próprios recursos pessoais e impessoais, e não na capacidade que as pessoas têm para alcançar o bem-estar com tais recursos. A diferença nessas metas igualitárias é profunda: é a diferença entre a nação de iguais e uma nação de viciados.

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