Justiça Distributiva: Perspectivas e Concepções (cap 7)

Capítulo VI
VIDAS, LIBERDADES E CAPACIDADES – Primeira Parte

A natureza das vidas que as pessoas podem levar tem sido objeto de atenção dos analistas sociais ao longo da história. Mesmo que os mais utilizados critérios econômicos do progresso, refletidos em uma massa de estatísticas disponíveis, tendam a se concentrar especificamente no melhoramento de objetos inanimados de convivência (por exemplo, no produto nacional bruto, PNB, e o produto interno bruto, PIB, que têm sido o foco de uma miríade de estudos econômicos do progresso), essa concentração poderia ser justificada – tanto quanto isso fosse possível – em última instância apenas através do que esses objetos produzem nas vidas humanas que eles podem direta ou indiretamente influenciar. Há um reconhecimento favorável à utilização direta de indicadores da qualidade de vida, do bem-estar e das liberdades que as vidas humanas podem trazer consigo.

Até mesmo os criadores do cálculo quantitativo de renda nacional, que recebe tanta atenção e adesão, buscaram explicar que se interesse último residia na riqueza das vidas humanas, ainda que suas medidas, em vez de suas justificativas motivacionais, é que tenham recebido uma ampla atenção. Por exemplo, William Petty, o pioneiro seiscentista da estimativa da renda nacional (ele propôs formas e meios de avaliação da renda nacional através da utilização do “método da renda” e do “método da despesa”, como eles são hoje chamados), falava de seu interesse em examinar se “os súditos do rei” estavam “numa situação tão ruim a ponto de torná-los homens descontentes”. Ele passou a explicar os vários determinantes da condição do povo, incluindo “a segurança comum” e “a felicidade particular de cada homem”. Essa conexão de motivação tem sido muitas vezes ignorada na análise econômica, que se concentra nos meios de vida como ponto final da investigação. Há excelentes razões para não confundir os meios com os fins, e para não considerar os rendimentos e a opulência como importantes em si, em vez de valorizá-los condicionalmente pelo que ajudam as pessoas a realizar, incluindo uma vida boa e que valha e pena.

É importante notar que a opulência econômica e a liberdade substantiva, embora não sejam desconectadas, frequentemente podem divergir. Mesmo com relação a ser livre para viver vidas razoavelmente longas (livre de doenças evitáveis e outras causas de morte prematura), é notável que o grau de privação de determinados grupos socialmente desfavorecidos, mesmo em países muito ricos, pode ser comparável ao das economias em desenvolvimento. Por exemplo, nos Estados Unidos, os afro-americanos dos centro urbanos deteriorados não têm como grupo maiores chances – na verdade, elas são substancialmente menores – de chegar a uma idade avançada do que as pessoas nascidas em muitas regiões mais pobres, como Costa Rica, Jamaica, Sri Lanka ou grande parte da China e da índia. A liberdade de pode evitar a morte prematura é, evidentemente, em grande parte incrementada por uma renda mais elevada (isso não se discute), mas ela também depende de muitos outros fatores, em particular da organização social, incluindo a saúde pública, a garantia de assistência médica, a natureza da escolarização e da educação, o grau de coesão e harmonia sociais, e assim por diante. Faz diferença se olharmos apenas para os meios de vida, em vez de considerarmos diretamente as vidas que as pessoas conseguem levar.

Ao avaliarmos nossas vidas, temos razões para estarmos interessados não apenas no tipo de vida que conseguiremos levar, mas também na liberdade que realmente temos para escolher entre diferentes estilos e modos de vida é um dos aspectos valiosos da experiência de viver que temos razão para estimar. O reconhecimento de que a liberdade é importante também pode ampliar as preocupações e os compromissos que temos. Poderíamos optar por usar nossa liberdade para melhorar muitos objetivos que não são parte de nossas próprias vidas em um sentido estrito (por exemplo, a preservação das espécies animais ameaçadas de extinção).

A valorização da liberdade tem sido um campo de batalha há séculos, de fato, milênios, e ela tem partidários e entusiastas, bem como críticos e severos detratores. Contudo, as divisões não são principalmente geográficas, como por vezes é sugerido.

A liberdade é valiosa por pelo menos duas razões diferentes. Em primeiro lugar, mais liberdade nos dá mais oportunidade de buscar nossos objetivos – tudo aquilo que valorizamos. Ela ajuda, pro exemplo, em nossa aptidão para decidir viver como gostaríamos e para promover os fins que quisermos fazer avançar. Esse aspecto da liberdade está relacionado com nossa destreza para realizar o que valorizamos, não importando qual é o processo através do qual essa realização acontece. Em segundo lugar, podemos atribuir importância ao próprio processo de escolha. Podemos, por exemplo, ter certeza de que não estamos sendo forçados a algo por causa de restrições impostas por outros. A distinção entre o “aspecto de oportunidade” e o “aspecto de processo” da liberdade pode ser significativa e também de longo alcance.

Devemos examinar se a capacidade de uma pessoa para levar o tipo de vida que valoriza deve ser avaliada apenas pela alternativa da culminação com a qual ela realmente acabaria, ou através do uso de uma abordagem mais ampla, que leve em conta o processo de escolha envolvido, em especial as alternativas que ela também poderia escolher, dentro de sua aptidão para fazê-lo.

Para Amartya Sen (2011), qualquer teoria substantiva da ética e da filosofia política, em particular qualquer teoria da justiça, tem de escolher um foco informacional, ou seja, tem de decidir em quais características do mundo deve se concentrar para julgar uma sociedade e avaliar a justiça e injustiça. Nesse contexto, é particularmente importante ter uma visão de como uma vantagem total de um indivíduo deve ser avaliada. O utilitarismo, iniciado por Jeremy Bentham, concentra-se na felicidade individual ou prazer (ou alguma outra interpretação da “utilidade” individual) como melhor forma de avaliar a vantagem de como uma pessoa é e como isso se compara com as vantagens dos outros. Outra abordagem, que pode ser encontrada em muitos exercícios práticos de economia, avalia a vantagem de uma pessoa quanto a sua renda, sua riqueza ou seus recursos. Essas alternativas ilustram o contraste entre as abordagens baseadas na utilidade e nos recursos, em contraste com a abordagem das capacidades, baseada na liberdade.

Em contraste com as linhas de pensamento baseada na utilidade ou nos recursos, na abordagem das capacidades a vantagem individual é julgada pela capacidade de uma pessoa para fazer coisas que ela tem razão para valorizar. Com relação às oportunidades, a vantagem de uma pessoa é considerada menor que a da outra se ela tem menos capacidade – menos oportunidade real – para realizar as coisas que tem razão para valorizar. O foco aqui é a liberdade que uma pessoa realmente tem para fazer isso ou ser aquilo – coisas que ela pode valorizar fazer ou ser. Obviamente, é muito importante para nós sermos capazes de realizar as coisas que mais valorizamos. Mas a ideia de liberdade também diz respeito a sermos livres para determinar o que queremos, o que valorizamos e, em última instância, o que decidimos escolher. O conceito de capacidade está, portanto, ligada intimamente com o aspecto de oportunidade da liberdade, visto com relação a oportunidades “abrangentes”, e não apenas se concentrado no que acontece na “culminação”.

A abordagem das capacidades se concentra na vida humana e não apenas em alguns objetos separados de convivência, como rendas ou mercadorias que uma pessoa pode possuir, que muitas vezes são considerados, principalmente na análise econômica, como o principal critério do sucesso humano. Na verdade, a abordagem propõe um sério deslocamento desde a concentração nos meios de vida até as oportunidades reais de vida.

Não é difícil perceber que o raciocínio subjacente a essa mudança de rumo em favor da capacidade pode fazer uma diferença significativa e construtiva. Por exemplo, se uma pessoa tem uma renda alta, mas também é muito propensa a uma doença crônica, ou é afetada por alguma deficiência física grave, então ela não precisa necessariamente ser vista como estando em grande vantagem pela simples razão de ter uma renda alta. Ela com certeza tem mais de um dos meios para viver bem (isto é, uma renda elevada), mas enfrenta dificuldades em converter essa vantagem em boa vida (ou seja, vivendo de forma que tenha razão para celebrar) devido às adversidades da doença e à deficiência física. Temos de olhar em vez disso para o quanto ela pode de fato realizar, se assim o deseja, de um estado de boa saúde, bem-estar e aptidão, para fazer o que tem razão para valorizar. Compreender que os meios para uma vida humana satisfatória não são em si mesmos os fins da boa ávida ajuda a gerar um aumento significativo do alcance do exercício avaliativo. E o uso da perspectivas das capacidades começa precisamente aí.

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