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“Estamos destruindo instituições que levaram anos para serem construídas”, disse Sebastião Salgado sobre o Brasil
 

Agraciado com um dos prêmios literários mais importantes da Alemanha na Feira do Livro de Frankfurt, fotógrafo brasileiro afirma que homenagem tem significado especial num momento em que o Brasil vive “situação difícil”.

Em meio aos corredores e estandes coloridos da Feira do Livro de Frankfurt, destaque para as imagens em preto e branco de um brasileiro. Laureado com o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão deste ano, uma das mais renomadas distinções literárias da Alemanha, o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, 75 anos, falou a jornalistas durante o evento nesta sexta-feira (18/10), refletindo sobre seu trabalho e manifestando preocupação com a situação do Brasil sob o presidente Jair Bolsonaro.

A organização do prêmio ressaltou que a homenagem a Salgado deve-se não só a seu trabalho focado em imagens do cotidiano de pessoas menos favorecidas – como imigrantes, refugiados e moradores de regiões em que o meio ambiente está ameaçado, caso dos povos indígenas na Amazônia – mas também pelo fato de tomar ações práticas, como a fundação do Instituto Terra.

Por meio do instituto, Salgado e a mulher, Lélia, já fizeram o plantio de mais de 2,5 milhões de mudas de árvores em uma área de cerca de 700 hectares que pertencia aos pais dele, na região do Vale do Rio Doce, entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

Salgado receberá o prêmio numa cerimônia na igreja Paulskirche, em Frankfurt, neste domingo, quando se encerra a Feira do Livro.

“Para mim, foi uma grande surpresa [receber o prêmio]. É muito especial. Estou orgulhoso, porque o prêmio leva ‘paz’ em seu nome. E precisamos de tanta paz. A situação no meu país está tão difícil. Tão difícil para os indígenas. Por isso, significa muito para mim receber este prêmio”, disse Salgado, em inglês. 

É preciso parar a destruição da Amazônia”, diz Sebastião Salgado 

Ao anunciar o prêmio para Salgado, a Federação do Comércio Livreiro afirmou que, com suas fotografias, ele promove a “justiça e paz sociais” e confere urgência ao “debate mundial sobre a proteção da natureza e do clima”.

Seu mais recente projeto chama-se Amazônia. Com imagens de povos indígenas e animais da região, o projeto deve ser lançado em livros e exposições no Brasil e no exterior a partir de 2021.

É um desastre o que está acontecendo no Brasil, não apenas nas florestas, mas sim em toda a sociedade. Governos de direita e de esquerda respeitam as instituições. Mas quando há o extremo, como a extrema direita, isso não é respeitado. Estamos destruindo instituições que levaram anos para ser construídas”, afirmou o fotógrafo, referindo-se a órgãos como a Funai e o Ibama.

Em seguida, ele criticou o projeto de flexibilização para o porte de armas de fogo no país, uma das principais políticas defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro, e também a redução dos incentivos à cultura.

O Brasil se tornou um país violento. Se cada um tiver uma arma na mão, vai ficar ainda pior”, disse. “A cultura também tem sido um desastre. Investimentos têm sido cortados. Esse governo é um desastre, mas, ao mesmo tempo, vem perdendo poder. Temos esperança de que ele não chegue ao fim [do mandato]. No entanto, se chegar, temos que lutar para que não seja reeleito”, disse.

Questionado sobre o que poderia ser feito para apaziguar o conflito envolvendo terras indígenas e o agronegócio, Salgado foi direto: “Pressionar. Temos que pressionar o máximo possível. E pedir ajuda, inclusive da Alemanha. Temos que fazer essa pressão, e isso pode funcionar”, complementou. 

A responsabilidade da fotografia

Ao comentar seu trabalho realizado ao longo das últimas décadas, focado em questões humanitárias como o genocídio em Ruanda e crises de refugiados, Salgado fez questão de salientar que procura enxergar a dignidade acima da estética. Em todos os continentes.

Não há diferença de beleza. Há beleza em todos os continentes, não apenas estética, mas sim de dignidade. E a dignidade está em todo o lugar. Vocês, que vivem na França, na Alemanha, vivem na exceção. Eu venho de um país subdesenvolvido, e é preciso mostrar a realidade do mundo. As pessoas precisam ter direitos iguais”, afirmou.

O fotógrafo afirmou que o trabalho documental exige concentração e saúde. Devido à cobertura da guerra civil que culminou no genocídio em Ruanda – no qual estima-se que 800 mil pessoas tenham morrido em apenas quatro meses, entre abril e julho de 1994 – adoeceu por causa do estresse das cenas que presenciou.

Tive muitos pesadelos. Fiquei doente por isso. Mas era preciso ir. É preciso ir quando isso é o seu trabalho e a sua responsabilidade”, disse.

Depois disso, decidiu parar por um tempo. E comentou que seguiu para o mesmo local em que a seleção alemã de futebol ficou hospedada no Brasil, na Copa do Mundo de 2014, em uma praia localizada a 45 minutos de Porto Seguro, no sul da Bahia.

Junto com a Lélia, fiquei lá três meses e me recuperei. Mas é claro que isso [o trabalho] me afeta. Para mim, a real inteligência humana é a capacidade de adaptação. Quando você vai contar histórias, o primeiro, o segundo e o terceiro dias são difíceis. Mas, a partir do décimo, aquilo se torna o seu escritório, com seus amigos, com as pessoas com quem você trabalha e cria relações. Isso se torna a sua vida”, enfatizou.

Neste sábado, das 11h às 12h, Sebastião Salgado autografará livros no pavilhão 3.0 da Feira do Livro de Frankfurt. 


A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.  

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No momento em que o país e o mundo se levantam estarrecidos e indignados contra o calvário infame a que uma justiça farisaica arrasta o ex-Presidente Lula, assistimos à cumplicidade silenciosa da classe pensante brasileira representada por escritores, professores, jornalistas e artistas com a via-crúcis dramática do nordestino de Caetés. 

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Apenas se ouvem tímidos protestos. 

Nesse cenário no qual a estupidez e a insensatez se esparramam, mergulho no túnel do tempo e encontro, há mais de 80 anos, o escritor Romain Rolland a liderar a intelectualidade mundial em defesa da liberdade de Luís Carlos Prestes, preso nas masmorras da ditadura Vargas. Quão enorme decepção! No país os intelectuais se refugiam à sombra de seus interesses pessoais e negam o movimento libertário. Apenas se ouvem as palavras de indignação dos escritores Jorge Amado e Graciliano Ramos. 

Ontem como hoje, as ditaduras se conjugam: a varguista e a da estupidez satisfeita dos dias atuais. 

A leitura de 'Berlim no tempo de Hitler' é mais uma advertência narrando os bastidores do governo nazista, o entusiasmo com o Führer, nos anos 30, sua queda e a cidade em ruínas, no fim da guerra

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Após Trump, Boris Johnson e alguns outros, e aqui no Brasil, Jair Bolsonaro, esta é uma pergunta que se espalha pelas ruas, nos debates e reuniões políticas do país: não está mais do que na hora de, enfim, tocar alto o alarme do caos político que viceja no Brasil? O livro Berlim no tempo de Hitler, do jornalista francês Jean Marabini, (coleção A vida Cotidiana), lançado há 30 anos pela Companhia das Letras, está fora de catálogo, mas se encontra acessível*. É leitura empolgante de um trabalho um pouco cult cujo autor nos leva, com as óbvias diferenças de época e das circunstâncias geográficas e sociais, a desenhar paralelos entre o comportamento de berlinenses dos anos 30/40 e os eventos – propositais e de velocidade vertiginosa, criados para confundir a população – que vêm sendo produzidos em Brasília. 

Sobre essas memórias que têm vindo à tona novamente, o juiz argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, da Corte Interamericana de Direitos Humanos observou, em recente entrevista: ''O nazismo é um marco de poder. No Brasil o que há, hoje, é diferente do nazismo, mas as técnicas são antigas. Entre elas, a estigmatização de opositores através da utilização da mídia e do lawfare, com a Justiça Federal criminalizando a oposição como traidora da nação.''

O livro não é mais uma entre as centenas de obras escritas e transformadas em filmes documentários e de ficção produzidas sobre o dia-a-dia, os usos e costumes da população na capital da Alemanha, nos anos trinta. É um pequeno livro original.

Historiador, jornalista e colaborador do jornal Le Monde, Jean Marabini viveu também durante vários anos em Moscou e é o autor de A Rússia durante a Revolução de Outubro e de Mao e seus herdeiros. 

Ele conta cenas inimagináveis de traições, divisões e rasteiras entre membros dos SS e as tropas de assalto (policiais) da SA, e entre militares da velha geração prussiana e os oficiais mais jovens. Narra a divisão dos primeiros tempos do '' estado-maior fraco'' do exército alemão, a Reichswehr, e entre os personagens mais íntimos do núcleo duro do Führer - hoje, seria denominado o mito’?

Marabini conhecia a competição e o oportunismo que grassavam nos círculos dos comandos do poder nazista, obtinha informações privilegiadas e ouvia confidências de diplomatas e colegas seus, jornalistas sediados na cidade desde a ascensão de Hitler eleito chanceler e o fim da Segunda Guerra Mundial com as ruínas da Berlim histórica. 

Viu a desavença e desunião da direita conservadora. Anota: ''Não há mais esquerda centrista, socialista, comunista.'' O velho marechal Hindenburg pressionado por homens importantes, do capital; inclusive pelo grande amigo de Hitler, o banqueiro Schacht.

O cenário do livro são as periferias da cidade se transformando em casernas para instalar militares, as unidades de fábricas que funcionavam dia e noite com o trabalho escravo produzindo armamento e enriquecendo os grupos do grande capital: Krupp, von Thyssen e tantos outros.

Em 1944, as escolas se transformavam em casernas para treinamento das crianças-soldados. ''Os meninos de menos de 12 anos ainda serão poupados; por enquanto,'' diz um comandante de um grupo de tanques Panzer

Para os pobres, os miseráveis, os arruinados pela Primeira Grande Guerra, e para os ressentidos, nos primeiros tempos de sedução das massas, Hitler ''aliviava o povo alemão das suas culpas e das suas amarguras exaltando-o e prometendo a desforra contra judeus, padres, democratas, sindicatos, bolcheviques, o mundo inteiro,'' entre avanços e recuos em suas decisões, suas crises de depressão, acessos de ódio, sua paranoia alimentando-se de inimigos permanentes

Histérico, berrava: ''Alemanha, desperta!'' vestido de redingote preto, ''terno negro de empregadinho em trajos domingueiros'', descreve Marabini. Depois, o fotógrafo Hoffman, espécie de seu marqueteiro, ensinou o gestual apropriado à mis-en-scène dos discursos, e levou Hitler a abandonar a roupa negra que lembrava Carlitos e adotar o uniforme para sempre.

As belas casas da burguesia nos sofisticados condomínios, projetadas por arquitetos do Bauhaus e decoradas com suas obras, persistiram até 1943/44; também as mansões e os castelos dos arredores de Berlim onde vivia e conspirava a velha elite prussiana vagando entre preciosas obras de arte e tapeçarias da Idade Média. Os filhos, cultos e finos, estudavam nos lycés franceses berlinenses.

Berlim era também pano de fundo, na contramão da trepidação e entusiasmo e do apoio de civis e militares ao ex-cabo Hitler, do sentimento de medo da classe média recém derrotada pela guerra de 14, o ressentimento, as ações e reações dos trabalhadores e da burguesia de Berlim, cidade cosmopolita e sofisticada com dois milhões de habitantes quando Hitler surgiu nos cafés da Kufursterdamn vindo das ''esfumaçadas cervejarias de Munique'' – registra o livro - onde doutrinava as pequenas plateias meio bêbadas e fascinadas com suas idéias.

Outro premiado jornalista, o britânico Gideon Rachman, especialista em relações Internacionais do Financial Times, recordou também, recentemente, a demora da população em notar o avanço do nazismo, ''até ser tarde demais'', diz ele, ao comentar, há poucas semanas, outro livro (póstumo) sobre o mesmo tema, do alemão Sebastian Haffner. A leitura de Defying Hitler voltou à moda na Londres de hoje.

No excelente livro de Marabini é narrado como os nazistas, naquela época, avançavam e recuavam para testar apoio político, numa ''valsa de hesitação'', enquanto se entre-devoravam nos bastidores do governo. Goering, von Ribbentrop, o almirante Canaris, Von Papen. 

Como já começaram a se digladiar publicamente a caterva daqui: deputados, ministros, movimentos financiados por milionários americanos, secretários, assessores, aspones. Um tiroteio de todos contra todos dentro de uma sala escura.

Essas visões contemporâneas que acompanham a ascensão dos nazistas ao poder, no passado, são tão perturbadoras como seguir o desenrolar do comportamento de novos políticos com viés autoritário e claros sinais ditatoriais que vão ganhando o poder.

Elas podem ensinar que o ceticismo, o desprezo pela violenta vulgaridade dos mitos, dos líderes, dos chefes e dos heróis, e as dúvidas entre o que seja realmente perigoso ou apenas desagradável, a chacota, as caricaturas e piadas, o silêncio, a omissão e a conformidade são sentimentos que podem levar os populistas de hoje a comandar novas catástrofes como a do nazifascismo.

''Até onde isto pode nos levar'' não é uma boa receita. As instituições alemãs e seu sistema de freios e contrapesos ainda estavam funcionando normalmente, dizia-se na época do avanço do nazismo. É a cômoda ilusão que vemos, no livro de Marabini.


*Disponível em Estante Virtual

Ele é o juiz 'herói' que supervisionou a vasta investigação de corrupção, a Lava Jato, no Brasil. Agora ele enfrenta seu próprio escândalo

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Créditos da foto: O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (direita), e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, participam de uma cerimônia militar em Brasília. (Marcos Correa/Assessoria de Imprensa do Presidente do Brasil/AP)

Se houve uma figura unificadora no Brasil nos últimos cinco anos, enquanto a economia se debatia, o crime violento aumentava e a polarização se aprofundava, foi Sérgio Moro. Como o juiz mais proeminente que supervisionava a vasta investigação sobre corrupção que revogava a ordem política do país, ele era o firme e resoluto protagonista da saga em busca de um Brasil melhor, onde os crimes seriam punidos independentemente de quem os cometesse.

Então o presidente Jair Bolsonaro, o populista de direita que fez da luta contra a corrupção uma peça central de sua campanha, nomeou Moro como seu Ministro da Justiça - e disse que o nomearia para a Suprema Corte, caso uma abertura surgisse.

No entanto agora, após a publicação de supostos bate-papos privados com promotores na investigação, Moro está na desconfortável posição na qual ele colocou tantos outros: no centro de um escândalo de ética. As mensagens publicadas pelo The Intercept Brasil na semana passada mostram o juiz aconselhando os promotores federais sobre como provar seus casos contra a elite política do país, tanto em seu tribunal como na imprensa.

O abismo entre a persona pública de Moro e suas supostas mensagens privadas surpreendeu o Brasil, dominando as notícias durante dias. Analistas dizem que eles podem vir a manchar a investigação mais ampla de corrupção, conhecida como Operação Lava Jato, que rendeu 400 processos no Brasil até agora e agitou o continente.

"Essas revelações podem gerar a percepção de que toda a operação é falha", disse Oliver Stuenkel, professor assistente de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. “Esse é o risco, e resta saber como eles podem se defender. . . Até que ponto esses novos escândalos levarão a Lava Jato ao limite?

O Ministério da Justiça não respondeu a um pedido de comentário.

Moro negou qualquer irregularidade. Ele disse que foi vítima de hackers e questionou a autenticidade das mensagens. Ele pediu que eles fossem submetidos a uma autoridade independente.

Quanto à natureza das minhas comunicações, estou absolutamente à vontade”, disse ele à agência de notícias Estadão na semana passada.

Mas apoiadores do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso, aproveitaram os supostos vazamentos como prova de que o caso contra o líder esquerdista foi manipulado e que sua condenação deveria ser anulada.

Lula estava liderando as pesquisas eleitorais presidenciais em 2017, quando Moro o sentenciou a nove anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Ele foi forçado a sair da corrida, abrindo caminho para que Bolsonaro ganhasse a presidência.

Para alguns, a indicação de Moro por Bolsonaro como seu Ministro da Justiça era prova de que ele levava a corrupção a sério. Outros consideraram inapropriado.

Agora, os supostos vazamentos deixaram Moro exposto a acusações de que ele sempre esteve mais interessado em política do que varrer a corrupção do Brasil. A Ordem dos Advogados do Brasil pediu sua remoção como Ministro da Justiça, dizendo que "a gravidade dos fatos não pode ser desconsiderada". O conservador Estadão, um dos maiores veículos de notícias do país, também pediu que ele renunciasse. Seu índice de aprovação caiu 10 pontos para 50%, de acordo com o Atlas Político, um serviço de análise política.

Moro disse que não está planejando se demitir. Ele disse ao Estadão que foi “vítima de um ataque criminoso por hackers”. O The Intercept, que afirma ter mais menssagens que ainda não foram publicadas, não divulgou a fonte das supostas conversas.

Na sexta-feira, 14 de junho, Moro disse que suas ações eram apenas evidências de "descuido".

Descuido” não é uma palavra que alguém teria usado para descrever Moro. Ele era o estrategista cerebral, taciturno e intenso, que estudou exaustivamente a investigação de corrupção “Mãos Limpas” da Itália para entender como tinham conseguido processar os titãs políticos do país.

Antes apenas mais um juiz na cidade de Curitiba, ele ganhou mais atenção em 2014, quando começou a julgar casos que desencadeariam o escândalo Lava Jato. Era um esquema clássico de suborno, com a estatal Petrobras no centro, mas de proporções épicas.

À medida que as acusações se acumulavam e políticos e executivos eram levados à corte, Moro tornou-se uma celebridade. Sua presença em um supermercado foi anunciada em um alto-falante. Camisas foram vendidas com seu rosto nelas. Durante as manifestações em apoio a Bolsonaro, um superman inflável gigante apareceu em Brasília com a imagem de Moro sobreposta em seu rosto.

Lucas de Aragão, diretor de uma administração de risco político em Brasília, disse que Moro e outros no caso Lava Jato desenvolveram um ar quase "messiânico".

"Há alguns anos, seria insustentável até de pensar", disse ele. "Eles eram quase intocáveis."

Mas, isto mudou. Quando Moro aceitou a nomeação de Bolsonaro, ele desceu do pedestal que lhe permitiu estar acima das brigas políticas para uma posição que estava no centro dela.

Agora, como membro proeminente do governo Bolsonaro, ele é cada vez mais visto como um "político cotidiano", disse Creomar De Souza, cientista político da Universidade Católica de Brasília.

"Todos os dias, ele é menos um juiz", disse De Souza.

Em um país tão polarizado quanto os Estados Unidos, disseram analistas, não está claro se os supostos vazamentos vão influenciar a opinião pública mais do que já estão, a menos que haja piores vazamentos por vir. As pessoas que apoiaram Bolsonaro provavelmente continuarão a apoiar Moro. E entre as pessoas que apoiaram Lula, isso apenas reforçou a crença de que as investigações foram politicamente motivadas.

"É um país muito polarizado", disse Stuenkel. "E para muitos, ele continuará sendo esse herói."


*Publicado originalmente no The Washington Post | Tradução de Cristiane Manzato

O segundo lote das revelações do Intercept mostrou, entre diversas outras ilegalidades, a afirmação do Procurador Dallagnol ao ex-juiz Sergio Moro de que o ministro do STF Luís Fux era de confiança e estava apoiando todas as ações da Lava Jato, inclusive as ilegais, como a divulgação da conversa telefônica entre a então presidente Dilma e o ex-presidente Lula. Ao que o juiz Sérgio Moro respondeu: In Fux We Trust (Em Fux Nós Confiamos). 

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Já o ministro Luís Roberto Barroso fez um estranho comentário: ''Tenho dificuldade de entender essa euforia" disse Barroso sobre revelação de conversas entre Moro e Dallagnol. O Ministro Barroso se enganou. Não há ninguém contente com as revelações do Intercept. Estamos todos aliviados porque a verdade finalmente veio à tona.

Muitos de nós cansamos de advertir que o ex-juiz Sergio Moro era suspeito, ele fazia política, agia mais como político do que como juiz. Infelizmente, alguns Ministros do STF não perceberam isso, ou não quiseram perceber. 

Estão agora em má situação do ponto de vista ético e jurídico, mas ainda é tempo de mostrar que são Juízes que respeitam a Lei. Basta anular o processo de julgamento do ex-presidente Lula que é nulo de pleno direito. 

Agora, não há mais dúvida: Lula é um preso político, foi condenado sem provas para ser afastado da campanha eleitoral. O Judiciário brasileiro está desmoralizado no mundo inteiro.

O material que ainda vai ser divulgado é explosivo, segundo o Intercept. Mas o que já foi divulgado é suficiente para comprovar a farsa do julgamento de Lula conduzida pelo criminoso Sérgio Moro que condenou Lula sem provas, associando-se direta e ilegalmente com a acusação, para impedir sua candidatura à Presidência. 

Moro participou da estratégia da acusação, pediu a realização de operações e o Procurador Deltan Dalagnol, do Ministério Público Federal, respondeu que a operação pode "depender de articulação com os americanos". "Que já está sendo feita", assegurou o coordenador da Lava Jato no MPF.

A imagem do Judiciário brasileiro foi enlameada, e a do Ministério Público igualmente conspurcada. E não apenas pela condenação ilegal de Lula, mas também pelo respaldo dado a algumas ações insanas de um Presidente troglodita que prioriza a destruição, as armas, a violência, e desmonta todas as políticas sociais.

Será que o STF vai cruzar os braços diante da necropolítica que o atual Governo implementa ao priorizar a guerra, a destruição, as armas, contribuindo para aumentar a letalidade no país? 

Será que o STF vai fechar os olhos diante das ações inconstitucionais de destruição da educação, cultura, pesquisa científica, saúde, meio ambiente, política externa em função do interesse nacional, enfim, diante da destruição do país, com a conivência, pelo menos até agora, das forças armadas?

Será que o STF será cúmplice da Tanatocracia imposta por um Governo insano?

Será que o STF vai ignorar a atitude do Procurador Federal que condicionou o andamento do processo judicial a uma "articulação com os americanos"?

Nunca um Juiz e um Procurador aviltaram tanto a imagem da Justiça. Provavelmente, o STF irá anular o processo de Lula que é nulo de pleno direito. É questão de tempo, vão talvez buscar uma solução jurídica para não deixar mal Moro, Dalagnol e seus cúmplices. A alternativa seria o suicídio do Supremo como Instituição. 

Eis a disjuntiva diante do STF: o suicídio institucional ou mostrar que ainda há juízes em Brasília, pelo menos alguns. 

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Crédito da foto: Evaristo Sá

17 de maio de 2019 pode ter sido o princípio do respiro profundo antes do mergulho. Aquele típico fôlego que tomamos antes de mergulhar em um mar azul de domingo ensolarado. Após o leve impacto com as águas, submergimos, voltando à tona logo depois, com a sensação refrescante que nos deixa alegres. O mesmo pode não ocorrer com a Presidência da República.

Em postagem divulgada nas redes sociais na última sexta-feira, o presidente aponta para o Brasil como país “ingovernável”. O texto de autoria de Paulo Portinho, filiado ao Partido Novo, aponta para corporações, as quais, no afã de manter seus interesses, têm, em todos os níveis, pressionado o presidente. Alguns veículos de informação encontraram similaridades entre o post publicado pelo atual mandatário da República e a carta-renúncia do ex-presidente Jânio Quadros. Entretanto, para compreender como a figura maior do Poder Executivo chegou ao ponto de divulgar um desabafo que sequer é da sua autoria, precisamos retomar alguns fatos dos últimos cinco meses.

O atual presidente da República – evitarei escrever o seu nome; sempre que o ouço, logo me vem à memória a grande habilidade de todo ser humano em produzir iniquidades, sendo ele mesmo a própria personificação da crueldade humana em solo brasileiro, porquanto tenha graves falhas morais, a exemplo da homenagem prestada a torturadores e do ódio difundido contra minorias sociais – foi eleito com massivo apoio dos evangélicos, do mercado financeiro e dos militares. Curiosamente, ao longo dos meses, não conseguiu aprofundar o diálogo com sua própria base de apoio. Os gestos realizados nesse sentido foram limitados – assim como limitada é a inteligência do próprio dirigente da Nação – causando descontentamento em praticamente todos os seus aliados: (1) destinar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos para Damares Alves, uma pessoa visivelmente despreparada, com visões bizarras e toscas de sociedades, além de traços visíveis de sofrimento psíquico, provocou reação desfavorável entre a bancada evangélica no Congresso, que certamente esperava alguém com maior temperança para conduzir a pasta. A escolha de Damares se deve ao presidente possuir profundo desprezo pelos Direitos Humanos, direcionando esse ministério a uma pessoa sem credibilidade, em uma atitude de escárnio para com as populações socialmente minoritárias; (2) o mercado financeiro viu em Paulo Guedes, ministro da Economia, a oportunidade de aprovação da Reforma da Previdência, o que abriria espaço para completar a sangria do Estado, iniciada pelo governo Temer. A Reforma parece longe de ocorrer, o dólar fechou em R$ 4,10 na última semana, e a bolsa de valores zerou os ganhos, fazendo a desconfiança aumentar em relação ao governo; (3) os militares, apesar de ocupar vários cargos ministeriais, estão profundamente insatisfeitos com a flexibilização do uso de armas, proposta por decreto e atacam abertamente Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, visto como um desajuizado na condução do relacionamento internacional entre o Brasil e outros países, a exemplo da China, nosso maior parceiro comercial. Vale lembrar que por pura vassalagem e entreguismo aos Estados Unidos, o presidente doou a Base de Alcântara, insinuou apoio militar em uma eventual invasão da Venezuela e proferiu discursos contra os chineses.

Rapidamente, a base política do presidente dissolve. A gota d’água parece ter sido os cortes no orçamento de 63 universidades e 38 institutos federais de ensino. Esse violento ataque à educação pública resultou em protestos com milhões de pessoas nas ruas no último dia 15, incluindo eleitores do “mito”, agora tremendamente preocupados em não ter a universidade pública – lugar onde, contrário ao que o presidente afirma, pesquisas de renome são realizadas – para acessar o Ensino Superior. Nesse episódio, mais uma vez ficou evidenciada a falta de diálogo do chefe de Estado com a sociedade brasileira: no mesmo dia, em visita a Dallas, no Texas, Estados Unidos, ele denominou os manifestantes como “idiotas úteis”. No último sábado, 18, ele voltou a adjetivar quem participou do Levante dos Livros: trajando camisa da Seleção Brasileira, short amarelo e sandália, na portaria do Palácio da Alvorada, cumprimentou 36 estudantes do Colégio Bandeirantes, instituição privada de ensino, perguntando o que eles achavam do “movimento do pessoalzinho que eu cortei verba”.

Essa inépcia em fazer política, aliada às investigações do Ministério Público sobre prática de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro por parte do filho do presidente e senador da República, colocam o governo sob crescente desestabilização, rumando a passos largos para o caos. Há quem diga que em Brasília o que se discute é como e quando o presidente vai cair, porquanto sua queda já é dada como certa.

O cenário atual da política brasileira é constituído por uma caquistocracia. O termo criado pelo geógrafo e historiador grego Políbio (203 a.C. – 120 a.C.), se refere a um governo liderado pelos piores e mais inescrupulosos cidadãos, representantes da degenerescência de três formas de governança: (1) monarquia transformada em tirania, na qual um rei perspicaz pode se tornar um déspota; (2) aristocracia – o governo daqueles considerados sábios – que ao degringolar em oligarquia, resulta em uma administração pública sob o poder de alguns, ansiosos em malversar o dinheiro público, aniquilando a sociedade; e (3) democracia – “governo do povo, pelo povo e para o povo” – decaída em oclocracia, regime de opressão utilizada por demagogos e populistas, em contraposição às leis e suas instituições guardiãs. Na caquistocracia brasileira, encontramos esses três elementos circundando o presidente e seus pares, atuando em conjunto para concluir a dilapidação do patrimônio público o mais rápido possível.

Como genuíno caquistocrata, o presidente brasileiro desrespeita às instituições democráticas, ou o que sobrou delas. Como resultado, no cenário internacional ninguém o respeita: sua presença foi rejeitada em Nova Iorque, haja vista o prefeito daquela cidade não querer ter sua imagem associada à um notório fascista. Em Dallas, foi obrigado a fazer turismo, pois não tinha nenhuma agenda oficial. Ademais, não consegue se desvencilhar da imagem do ex-presidente Lula: sempre que julga conveniente, o ventríloquo dos Estados Unidos alfineta o petista. Aqui, duas expressões populares cabem ao atual chefe do Executivo: em suas viagens internacionais malfadadas, ele pousa, apesar de não ser bem vindo, como “arroz de festa”[1], e em relação à Lula, se comporta com um peculiar e imenso “olho de peteca”[2]. Essas posturas são risíveis, contudo, sinalizam para uma preocupante perspectiva, especialmente por se tratar dos péssimos exemplos dados pelo governante do País.

Pelos últimos acontecimentos, e vislumbrando eventos futuros, há uma forte tendência de síncope social. Estamos caminhando para o abismo nos moldes do governo Sarney, quando alimentos faltavam nas prateleiras dos supermercados e a inflação era exponencial. Esperar que o presidente mude seu comportamento e busque diálogo maduro com seus aliados e o Congresso, parece utópico. Impeachment é uma saída? A resposta negativa se apresenta como uma possibilidade: o presidente é tosco; a violência do seu vice é muito mais sofisticada!


Armando Januário dos Santos. Sexólogo. Psicanalista em formação. Concluinte da graduação em Psicologia. Professor de Língua Inglesa. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

(1) Jargão popular indicativo de pessoa presente em todo e qualquer encontro social.

(2) Adjetivo popular para pessoas invejosas.

Michel Temer lembra a figura de Giulio Andreotti, conhecido como IL DIVO, lendário e polêmico primeiro-ministro da Itália, figura proeminente da política no pós-Segunda Guerra Mundial. Temer foi presidente da Câmara dos Deputados mais de uma vez, presidiu o PMDB (atual MDB), exerceu a vice-presidência e a presidência da República. Foi também um aliado constante dos governos da hora. Esteve ao lado de Fernando Henrique Cardoso (FHC), Lula e Dilma Rousseff, até liderar a articulação parlamentar que levou à derrubada da ex-presidente. Assim como Lula, Temer é uma figura simbólica do regime político instaurado pela Constituição de 1988.

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A sustentação partidária da assim chamada Nova República foi baseada no tripé PSDB-PMDB-PT. Os tucanos se inclinaram continuamente, a partir do início dos anos 1990, da centro-esquerda para a centro-direita, e tornaram-se o eixo que estruturava as forças conservadoras. O PT ocupou o espaço da centro-esquerda graças ao processo de moderação da legenda e à consequente ampliação de suas alianças. O PMDB, de Michel Temer, veio pelo centro. Esse partido assumiu a posição de fiador da governabilidade e tornou-se uma espécie de “nave-mãe” ou guia dos partidos do centrão (aquele conjunto de partidos que adora apoiar um governo).

Por tudo isso, a prisão de Temer e de Lula reforça a sensação que o sistema partidário que se organizou especialmente após a vitória de FHC em 1994 e comandou a vida nacional até 2018 desmoronou com a onda bolsonarista. Outros fatos evidenciam essa percepção: a diminuição significativa das bancadas do PSDB e do MDB no Congresso Nacional e a disposição declarada de Ciro Gomes de confrontar a hegemonia do PT no campo da centro-esquerda. Como vemos, gostando dele ou não, foi grande o feito do novo presidente, pois há uma clara reorganização partidária no Brasil. Entretanto, o início desse realimento dos partidos não seria possível sem a introdução de mudanças institucionais e organizacionais.

Nas últimas décadas tivemos o fortalecimento das organizações de combate à corrupção, como a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. Tivemos ainda a criação da CGU (Controladoria-Geral da União), que tem exercido um papel chave na melhoria da transparência governamental. Somam-se a essas realizações outras melhorias institucionais. Foram implementadas a Lei de Acesso à Informação, da Improbidade Administrativa, das Delações Premiadas (que precisa ser refinada) e tivemos o fortalecimento da segunda instância do Poder Judiciário (que foi introduzida via “canetaço” do STF, e não como deveria, pela aprovação no parlamento). Não seria possível prender alguns políticos e empresários famosos sem essas mudanças.

O interessante é que as referidas transformações foram implementadas pelos líderes daquele sistema partidário que Bolsonaro praticamente destruiu no ano passado. De resto, isso mostra que eles tinham uma confiança quase absoluta na impunidade. Essa contradição lembra o pensamento de um certo filósofo alemão do século 19, não muito bem quisto pelos bolsonaristas, que dizia que um modo de produção cria os gérmens de sua própria destruição.

Além daquelas mudanças, foram iniciadas reformas políticas graduais. As coligações nas eleições proporcionais (vereadores, deputados estaduais e federais) são uma das principais responsáveis pela fragmentação partidária brasileira, que não tem paralelo em outros regimes democráticos.  Aos poucos será implementada uma cláusula de desempenho (de barreira) que irá impor restrições aos partidos com poucos votos. Também foram definidos limites mais claros para os gastos de campanha. As duas últimas poderiam ser mais rígidas, mas já representam certo avanço. Contudo, essas reformas precisam continuar.

Para isso, o atual presidente deveria construir uma relação mais harmoniosa com o Legislativo (como bem disse Rodrigo Maia, em seu recente entrevero com o ministro Sérgio Moro) e assim, assumir um papel mais ativo na reestruturação do novo sistema partidário, que foi justamente deflagrada pela sua vitória. O slogan, “meu partido é meu país” pode ser ótimo para uma campanha, mas é terrível na hora de construir sólidas maiorias parlamentares. Além disso, a história brasileira nos mostra que, no conflito entre Executivo e Legislativo, geralmente quem se dá mal é o presidente (vide Vargas em 1954, Quadros, Goulart, Collor e Dilma). A nossa memória nacional evidencia que uma relação mais afinada com os partidos no Congresso é também uma questão de sobrevivência política para o chefe do Executivo. O destino de alguns presidentes e das lideranças que tiveram sua carreira política praticamente destruída nos últimos tempos nos faz lembrar novamente daquele filósofo alemão do século 19. Ele dizia: “tudo que é sólido se desmancha no ar”.

André Barsch Ziegmann é professor de Ciência Política no Centro Universitário Internacional Uninter, em Curitiba (PR).

Atitude submissa, alienação e oportunismo mofado marcaram visita de Bolsonaro a Trump. Felizmente, mostra o novo Ibope, pode durar pouco – desde que haja uma oposição

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No início desta tarde (20/3), o Ibope tornou públicos os dados da primeira pesquisa de opinião sobre o governo Bolsonaro feita por um instituto relevante. O desgaste foi rápido, nos dois primeiros meses de mandato. O presidente, que já não assumiu com popularidade excepcional, perdeu 15 pontos percentuais de apoio, em 60 dias. Agora, apenas 34% consideram seu governo “ótimo” ou “bom”. No gráfico abaixo a queda fica mais nítida. Agora, a linha que representa as opiniões favoráveis, descendente já se encontra com o “regular” e se aproxima perigosamente daquela que registra a crítica, os que julgam o governo “ruim” ou “péssimo”.

A fraqueza do índice surge num outro gráfico, que compara a popularidade dos últimos presidentes transcorridos os mesmos 60 dias. Bolsonaro é o último, bem distante de Lula (51%), Dilma (54%), FHC (41%), Collor e Sarney. Fica acima apenas dos segundos períodos de FHC (22%, em meio à maior crise cambial da história brasileira) e Dilma (12%, após aplicar um megaestelionato eleitoral). Por três razões, a visita que o ex-capitão acaba de fazer aos Estados Unidos merece ser lida em sintonia com estes números.

A primeira é a alienação. Levado à Presidência por uma série de circunstâncias excepcionais, Bolsonaro parece ter acreditado que o foi por seus méritos próprios. O afastamento arbitrário de Lula permitiu-lhe ocupar o espaço “antiestablishment”, em meio a uma crise profunda do sistema político. Mas sua apalermada autoconfiança leva-o a crer que esta marca o acompanhará, independentemente de agora ser o “establishment” – e a despeito do que faça. No Brasil, reage às críticas como se estivesse acima delas; insulta os adversários; restringe-se, aos poucos, a dialogar com seus apoiadores mais extremados (uma parcela pequena dos que lhe deram o voto). Nos EUA, esta atitude levou-o das gafes (a visita bizarra à diretora da CIA, o beija-mão a Olavo de Carvalho e a Steve Bannon, o preterimento do chanceler em favor do filho, no encontro com Trump) às declarações incontidas de admiração a seu homólogo. É como se Washington estivesse nos tempos de glória e sua proximidade pessoal com um poder superior o tornasse imune a tudo.

Desta incapacidade de enxergar o cenário político decorreu diretamente a submissão. As concessões aos EUA atropelam-se. Base de Alcântara, com áreas de exclusão onde brasileiros não poderão adentrar (afora as cláusulas do acordo que ainda estão por ser reveladas…). Dispensa de visto de entrada para cidadãos norte-americanos. Renúncia à condição de “país em desenvolvimento” (que dá direito a salvaguardas importantes na OMC). Cumplicidade sem disfarces com Washington, nas ameaças de intervenção militar na Venezuela. Acenos à presença norte-americana na Amazônia. Aceitação implícita das regras da OCDE (em que o governo brasileiro pediu ingresso), inclusive as que obrigam a eliminar por completo restrições à entrada e saída de moeda estrangeira). Tudo Trump obteve, sem nada oferecer – exceto as anedóticas promessas de “examinar com atenção” os interesses brasileiros…

Por fim, há quem enxergue na visita um terceiro elemento – o oportunismo –, também relacionado ao fenômeno que o Ibope acaba de quantificar. Ciente do desgaste interno. Bolsonaro teria tentado criar, no exterior, uma agenda positiva, ou ao menos uma cortina de fumaça. As gafes e extravagâncias seriam, na verdade, encenadas. Quanto mais os atos do presidente fossem capazes de chamar atenção, melhor – para virar a página dos “laranjas”, dos ataques ao Carnaval, da volta aos métodos de sempre para comprar, no Congresso, votos contra a Previdência pública.

Nesse caso, tratou-se de oportunismo mofado. Em outras épocas, os EUA foram admirados por seu progresso material e pela condição de supostos defensores da democracia. Há muito, porém, esta imagem desfez-se. Pesou a realidade das guerras e intervenções, dos novos campos de concentração, da tortura, da arrogância. Seguidas pesquisas apontam que Washington é visto hoje, no mundo todo, como quem “mais ameaça a paz”. A sondagem mais recente feita também no Brasil (em 2014) revelou que 24% dos entrevistados em todo o mundo (e 26% dos brasileiros) veem os EUA como ameaçadores – muitíssimo à frente de países como o Paquistão (8%), a China (6%), o Iraque e a Síria (5%).

De alguma forma, esta impopularidade reflete-se também aos meios de comunicação. Foi raro encontrar, mesmo na velha mídia, quem se entusiasmasse com a visita do presidente. Muito mais frequentes foram os comentários críticos aos resultados pífios da tournée e a seus atos desastrados. Resulta em que hoje, de volta ao Brasil, o presidente depara-se com os mesmos problemas irresolvidos, o mesmo desgaste e a mesma falta de rumos.

Bastaram dois meses para que o governo expusesse o seu vazio. E ele seria ainda maior se houvesse, ainda que tímida, uma oposição. Mas – e aqui está outra grande revelação destes 60 dias – nada parece animar os partidos derrotados em 2018 a voltarem à vida. Do êxodo forçado dos médicos cubanos à proposta de reduzir a menos da metade os benefícios assistenciais dos idosos e desvalidos, passando pela redução do salário mínimo, pelo desmonte dos serviços públicos, pelos retrocessos ambientais, pelo absurdo da “agenda moral” – nenhum ato de Bolsonaro desencadeou uma resposta à altura, muito menos o esboço de um caminho alternativo. Preencher este segundo vazio é cada vez mais indispensável. Enquanto ele persistir, seremos pequenos como nunca.

Outras Palavras

Ao se envolverem com Bolsonaro, arriscam-se a sinuca de bico. Para saírem, precisariam de decisões heroicas – em especial, redefinir relação diante dos EUA. Aí revela-se sua provável impotência

A riqueza é o grande objetivo. E a riqueza só pode ser obtida 
através de um notável desenvolvimento econômico, 
desenvolvimento esse que não pode ser atingido em isolamento. 
Os capitais e os produtos industriais ou agrícolas 
precisam de preferências e nessas preferências há concorrentes.

Editorial da Revista de Defesa Nacional, “Paz”, junho de 1919


A história comparada das grandes potências capitalistas ensina que o crescimento do seu poder político e de sua influência mundial dependeu do grau de sucesso do seu desenvolvimento econômico. E o sucesso do seu desenvolvimento econômico dependeu – em grande medida – da capacidade de esses países responderem com eficiência aos desafios colocados por seus concorrentes e inimigos externos. Por isso, em todos os casos, a questão da “defesa” e de “preparação para a guerra” funcionou como uma bússola estratégica de suas economias vitoriosas [1]. Foi o que aconteceu, por exemplo, na relação entre Portugal e Espanha, nos séculos XV e XVI; entre Holanda e Inglaterra, no século XVII; entre França e Inglaterra, no século XVIII; entre Grã Bretanha, Rússia e Alemanha, no século XIX; entre EUA e URSS, no século XX; e agora de novo, entre EUA, China e Rússia, no século XXI. E o mesmo aconteceu na América do Sul, com a competição entre a Argentina e o Brasil, pela hegemonia da Bacia do Prata, entre 1870 e 1980. Nesse período, a Argentina se transformou no primeiro “milagre econômico” da América do Sul, entre 1870 e 1940; e, logo em seguida, o Brasil obteve o mesmo sucesso, entre 1930 e 1980, completando 100 anos de crescimento sequenciado e contínuo, dentro de um mesmo tabuleiro geopolítico.

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A aceleração econômica da Argentina começou logo depois da Guerra do Paraguai e seguiu uma estratégia clara e bem determinada de aliança com a Inglaterra e de competição com o Brasil, pela supremacia do Cone Sul. No início do século XX, a Argentina estava muito à frente do Brasil e já havia se transformado na sexta ou sétima economia mais rica do mundo. Mas logo depois da “crise de 30”, a Argentina “entrou em pane” e sua sociedade nunca mais conseguiu se unir em torno de alguma estratégia de inserção dentro da nova ordem mundial liderada pelos EUA. Ao contrário da Argentina, o Estado e as Forças Armadas brasileiras entraram em colapso, e quase se desintegraram, depois da Guerra do Paraguai. E só vieram a se recuperar no século XX, seguindo uma estratégia igual e contrária de competição e superação da Argentina, que começou a ser desenhada na época de Rio Branco e Hermes da Fonseca, mas só se transformou na política oficial do Estado brasileiro depois de 1930. Manteve-se a partir daí, de forma mais ou menos constante durante os 50 anos em que a economia brasileira cresceu a uma taxa média anual de 7% – crescimento responsável pela ultrapassagem da Argentina, já na década de 50, e pela transformação do Brasil na principal potência da América do Sul, já pelos anos 80.

Essa inversão de posições no tabuleiro do Prata foi uma obra complexa, envolvendo muitos grupos e forças políticas, mas não há dúvida de que os militares tiveram papel decisivo na formulação e execução desse projeto desenvolvimentista. Não é fácil separar as coisas, mas é perfeitamente possível analisar a participação dos militares de forma separada, para compreender seu papel no passado, mas sobretudo para entender melhor sua divisão e impotência atual, no momento em que iniciam sua sexta intervenção direta no processo político brasileiro, a contar do golpe militar de 24 de outubro de 1930.

As grandes linhas da estratégia seguida pelos militares brasileiros durante o século XX foram traçadas e sistematizadas na década de 30, por Mario Travassos e Góes Monteiro [2]. Desde então, suas ideias e objetivos fundamentais se mantiveram praticamente os mesmos, até a década de 1980, a despeito das mudanças que sofreram logo depois da II Guerra Mundial e durante a Guerra Fria, propostas por Lysias Rodrigues, Golbery do Couto e Silva e pelo corpo de professores da Escola Superior de Guerra, criada em 1949 sob inspiração norte-americana. Em particular, depois da Revolução Cubana de 1959, quando a Doutrina de Segurança Nacional dos militares brasileiros redefiniu o velho conceito de “inimigo interno”, que foi perseguido de forma implacável pelos governos militares que se sucederam depois do golpe de 1964.

Depois da grande crise econômica internacional do início dos anos 70 e da mudança geopolítica que se seguiu à derrota americana na Guerra do Vietnã, foi o próprio Golbery do Couto e Silva – o mais americanista de todos esses estrategas – que ajudou a repensar e redefinir a nova estratégia internacional visando à criação de uma “potência intermediária”, que foi seguida pelo governo Geisel e boicotada pelos EUA durante os anos 70 e 80. Assim mesmo, deve-se reconhecer que os objetivos especificamente militares da estratégia seguida nestes 50 anos foram alcançados, em grande medida: com a ocupação e a integração de grande parte do território nacional; com a competição e superação da Argentina, no Cone Sul; com a conquista da hegemonia econômica dentro da América do Sul; com a obtenção de altas taxas médias de crescimento econômico; e com uma industrialização que deu acesso, aos militares, de alguns avanços tecnológicos indispensáveis à sua concepção de defesa nacional. E foi o compromisso com esses objetivos, exatamente, que obrigou os militares a se distanciar – recorrentemente – de seus aliados de primeira hora, os empresários e economistas liberais, assumindo a responsabilidade direta pela criação das principais empresas estatais e estratégicas do país. De qualquer maneira, como já dissemos, este projeto foi interrompido e abandonado na década de 80, e os próprios militares brasileiros perderam seu protagonismo depois do fim da Guerra Fria.

Trinta e cinco anos depois da sua retirada de cena, os militares brasileiros estão de volta, em 2019, e parecem decididos a governar de novo. Mas se for o caso, terão que enfrentar e responder aos novos desafios do Estado brasileiro: como é o caso da ocupação e integração plena demográfica, social e econômica da Amazônia; como é o caso da defesa da costa brasileira e da bacia do Atlântico Sul, agora com a riqueza do pré-sal; como é o caso da indispensável expansão econômica do país na direção do Pacífico; como é o caso da construção de alianças e de pontes diplomáticas no “entorno estratégico” do Brasil, incluindo a costa ocidental da África, e como é caso, finalmente, da projeção internacional do país para fora do seu próprio continente e do chamado hemisfério ocidental. Tudo isto reconhecendo que o mundo está atravessando uma gigantesca transformação geopolítica e geoeconômica, em pleno curso nesta segunda década do século XXI.

Frente a este cenário e a este conjunto de desafios, soa absolutamente ridículo falar do “marxismo cultural” como se fosse um inimigo sério de alguma força armada que se respeite. E soa tão ou mais absurdo querer transformar a mudança de um governo da Venezuela num objetivo do governo e de suas forças armadas, uma coisa que o Brasil jamais fez e que pode transformar o país – depois de passada esta onda de extrema-direita – numa potência “sub-imperialista”, odiada pelos seus vizinhos menores e menos ricos, os mesmos que já se encontram neste momento sob a égide hegemônica e pacífica do Brasil.

Para piorar esse horizonte dos militares, a economia brasileira não cresce há cinco anos, o investimento segue caindo, a infraestrutura está aos pedaços, o desemprego em alta e as perspectivas internacionais cada vez mais pessimistas. Aqui não há como tapar o sol com a peneira: os novos dirigentes políticos e econômicos do país saíram da sarjeta do governo Temer, considerado, pela maioria dos brasileiros, como o pior governo da história republicana. Suas principais lideranças participaram diretamente do golpe de Estado de 2016 e compartilham as mesmas ideias econômicas liberais do governo Temer, que já vêm fracassando há quatro anos. E não há a menor possibilidade de que a tão falada “reforma da Previdência” possa alterar o rumo desses acontecimentos. Ela não foi concebida para reativar a atividade econômica, e por isso, mesmo que seja aprovada, não terá o menor impacto sobre o crescimento real da economia brasileira.

Por isso, concluindo, é possível afirmar, neste momento, que os militares brasileiros caíram ou se meteram numa armadilha, e estão colocados numa verdadeira “sinuca de bico”: ou se destroem como instituição e como poder, como já aconteceu no final do século XIX, só que, agora, por conta do fanatismo ideológico de seus economistas ultraliberais e do delírio belicista da ultradireita norte-americana ou então procuram reencontrar o caminho do crescimento econômico acelerado e soberano, para poder cumprir suas funções institucionais e seus objetivos estratégicos. Mas para seguir esta segunda alternativa, teriam que fazer escolhas “heroicas”, a começar pela redefinição dos termos de sua aliança tradicional com os Estados Unidos, o verdadeiro “dono” do Hemisfério Ocidental. E talvez seja este, exatamente, o verdadeiro ponto cego dos militares brasileiros: sua impotência frente aos Estados Unidos.

[1] Fiori, J.L., “História, Estratégia e Desenvolvimento”, Editora Boitempo, São Paulo, 2014.

[2] Zortéa Vieira, R. Lembrai-vos da Guerra. Tese de doutoramento, PEPI/UFRJ, Rio de Janeiro, 2013 (mimeo).

As medidas propostas não levam em conta as profundas mudanças em curso no mercado de trabalho

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Na embolada do (des)ajuste promovido pelos paladinos do conservadorismo econômico, a inteligência brasileira ou a falta dela está a se afogar nas esperanças angustiadas da reforma da Previdência.

Entre tantas propriedades milagrosas da Reforma, a mais proclamada é a volta do crescimento vigoroso amparada nas expectativas favoráveis dos mercados, embevecidos com a coragem e presteza do novo governo. Finalmente, dizem, um governo empenhado em exorcizar definitivamente o demônio do desequilíbrio fiscal.

Os desconfiados que ainda deambulam nos vazios das certezas indagam de seu bom senso se a badalada Reforma tem mesmo as virtudes apregoadas urbe et orbi. Não há como negar os propósitos de maior equidade das reformas propostas, à exceção dos golpes assentados nos miseráveis amparados pelos Benefícios de Prestação Continuada e nos trabalhadores rurais.

Os argumentos dos reformistas partem de um fenômeno demográfico: o Brasil envelheceu. Uma boa notícia: o IBGE informa que a esperança de vida dos brasileiros e brasileiras alcança 74,4 anos. O envelhecimento juntou-se à queda acentuada da taxa de natalidade, promovida pela rápida urbanização que acompanhou a industrialização eloquente das três primeiras décadas do Pós-Guerra. Se há males que vêm para o bem, há bens que vêm para o mal. No regime de repartição, já foi dito, os que trabalham financiam os que estão aposentados. No galope do tempo, a “nova” dinâmica populacional promete um desequilíbrio perverso entre os que trabalham e contribuem com a Previdência e aqueles que se aposentam e abocanham os benefícios.

Os estudos sobre as consequências da globalização produtiva e da rápida introdução das novas tecnologias vislumbram o crescimento dos trabalhadores ditos independentes, em tempo parcial e a título precário, sobretudo nos serviços, e a destruição dos postos de trabalho mais qualificados na indústria. O inchaço do subemprego e da precarização não só achata, como torna incertos os rendimentos dos trabalhadores, além de desobrigar os empregadores de prestar suas contribuições.

Na nova economia “compartilhada”, “do bico”, ou “irregular”, prevalece a incerteza a respeito dos rendimentos e das horas de trabalho. Algumas projeções estimam que, nos próximos cinco anos, mais de 40% da força de trabalho global estará submetida a um emprego precário. Essas transformações nos mercados de trabalho fragilizaram inexoravelmente o regime de repartição. A carteira verde-amarela de Paulo Guedes vai jogar mais água na fervura.

É uma ilusão imaginar que o regime de capitalização, prometido de forma vaga no texto da reforma, possa remediar os riscos embutidos nas transformações em curso nos mercados de trabalho. O economista José Roberto Afonso botou o dedo na ferida: “A reforma é um ajuste de contas com o passado”. Nos debates que se seguiram à apresentação das medidas, não há qualquer menção à imperiosa necessidade de uma reforma tributária, imprescindível para acompanhar as intenções de equidade das alterações na Previdência.

História antiga. Na década dos 80 do século XIX, Otto von Bismark, o Chanceler de Ferro, sob o acicate da industrialização e as pressões do movimento socialista alemão, criou a Seguridade Social fundada no regime de repartição. Empregados e empregadores passaram a contribuir para o fundo comum destinado a prover defesas contra os infortúnios do mundo do trabalho. O Kaiser anunciou o programa em 1881. O auxílio-doença foi criado em 1883, o seguro contra acidentes do trabalho em 1882, e o sistema de aposentadorias em 1889. Os proventos dos aposentados eram modestos e o período de qualificação muito longo.

Nos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt entregou o Social Security Act ao povo americano em 1935. Na Inglaterra, na primeira eleição realizada depois de 1945, o trabalhista Clement Attlee derrotou o grande liberal Winston Churchill. Acompanhado por Aneurin Bevan, seu Ministro da Saúde, pai do National Health Service, Attlee desenhou a arquitetura do Estado do Bem-Estar britânico, inspirado no relatório preparado por outro liberal, Sir William Beveridge.

Em 1942, na Inglaterra ainda maltratada pela guerra, pelo racionamento e pela debilidade econômica, Sir William Beveridge, em seu lendário Relatório, fincou as estacas que iriam sustentar as políticas do Estado do Bem-Estar. O Relatório Beveridge recebeu a colaboração das concepções da Teoria Geral do Juro, do Emprego e da Moeda – obra magna do liberal, porém iconoclasta, John Maynard Keynes.

 

Beveridge apontou os “Demônios gigantes da vida moderna” que os governos estavam obrigados a enfrentar: Carência, Doença, Ignorância, Miséria e Inatividade. Em seu Relatório, proclamou que a ignorância é uma erva daninha que os ditadores cultivam entre seus seguidores, mas que a democracia não pode tolerar entre seus cidadãos.

 

Essa forma de financiamento da seguridade social, o regime de repartição, conheceu seu auge e glória na posteridade da Segunda Guerra Mundial, à sombra do Estado do Bem-Estar. O pleno emprego foi colocado como uma meta a ser perseguida pelas políticas econômicas. Muitas constituições europeias consagraram esse princípio. A nova Constituição dizia ser a Itália uma república baseada no direito ao trabalho, assegurado a todos os italianos no artigo 1º. Os Estados Unidos promulgaram uma lei. No Pós-Guerra, o rápido crescimento das economias capitalistas esteve apoiado numa forte participação do Estado, apoiada na elevação da carga tributária abrigada em um sistema tributário progressivo, medidas destinadas a impedir flutuações bruscas do nível de atividades e a garantir a segurança dos mais fracos diante das incertezas inerentes à lógica do mercado.

 

O Estado do Bem-Estar estava fundado, sobretudo, na articulação de interesses entre trabalhadores e capitalistas, empenhados na construção de instituições destinadas a reduzir a angústia de quem se propõe a assumir riscos e enfrentar os azares do mercado. Os regimes de Seguridade Social estavam assentados no princípio de solidariedade. Ao reduzir a insegurança das famílias assalariadas, esses regimes tiveram papel importante na expansão do consumo das classes menos favorecidas.

As políticas econômicas tinham o propósito de criar empregos e elevar, em termos reais, os salários e demais remunerações do trabalho. O continuado aumento da renda e do emprego fazia crescer a receita dos governos. Há quem diga que o Brasil, ao promulgar a Constituição de 1988, entrou tardia e timidamente no clube dos países que apostaram na ampliação dos direitos e deveres da cidadania moderna. 

É um exagero.    

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Funciona sem Estado? Premia o mérito e o esforço? Promove a concorrência? Corresponde à “natureza humana”? Promove, aos poucos, o bem-estar de todos? Breve guia para tempos infames

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Seymou Fogel
Riqueza da Nação

Sempre que escrevo sobre capitalismo, coisas estranhas e engraçadas acontecem. “Isso não é nem capitalismo, cara. Cresce!” Não é? Aparentemente capitalismo significa o que qualquer um queira que signifique, e portanto, é qualquer coisa que alguém quer que seja. Assim como todo Deus, creio, capitalismo é tudo para todas as pessoas. Mas isso nos deixa ainda mais incapazes de realmente compreender muito — nos deixa cegos, confusos e andando para trás. Tempos sombrios espreitam, ao fim do caminho em que não se faz perguntas. É, mais ou menos, para onde os EUA, talvez o mundo, estão caminhando.

Vamos discutir alguns mitos do capitalismo, cada um baseado em uma definição diferente do termo – e ver se conseguimos entender um pouco mais sobre o que ele “realmente” é.

O mito do capitalismo platônico. Os anglo-saxões amam dizer que o capitalismo é seu ideal platônico: se nós apenas deixássemos capitalistas com seus próprios dispositivos, e parássemos de interferir, a competição iria garantir que a virtude levasse tanto à prosperidade como à decência. Este mito — que também é do capitalismo laissez-faire –– é o mais fácil de refutar. Foi testado muitas vezes. Nos EUA, por exemplo, durante a “era de ouro” pós-Guerra de Secessão. Novamente em tempos mais recentes, na era da “austeridade”, dos anos 1980 até agora. Nós removemos todos os obstáculos no caminho dos capitalistas que podíamos. O resultado não foi uma explosão da competição, mas o exato oposto — o surgimento de enormes monopólios, que exploraram as pessoas de várias maneiras: sub-remunerando-as, exigindo-lhes trabalho exaustivo, cobrando preços altos, sobretributando-as e corroendo suas democracias. Que lista… O mito do capitalismo platônico é apenas isso — um mito. O capitalismo não atingirá o ideal de competição, virtude e prosperidade se o libertarmos. O exato oposto irá acontecer. O que isso nos diz sobre sua natureza?

O mito do capitalismo darwiniano. Este mito assenta-se no primeiro. Sugere que, por meio da competição, emergirá magicamente um resultado darwiniano: a sobrevivência do mais apto, o que irá resultar no bem maior para todos. O problema é que o capitalismo é darwiniano demais para que as sociedades sobrevivam a ele – porque não é natural, e sim uma seleção artificial, ao estabelecer seu próprio critério de “mais apto” entre as pessoas. Qual é o tipo? Atributos de crueldade, astúcia, ganância, avareza, cálculo, inautenticidade. É isso o necessário para chegar ao topo dos sistemas capitalistas, porque é precisamente o que o sistema recompensa, cultiva e valoriza — já que seu único propósito é maximizar lucros cegamente, a qualquer custo. Mas também significa que as pessoas que não cultivam — ou não podem cultivar — estes atributos, são consideradas passivas e pesos mortos, nos sistemas capitalistas. O que acontece com elas? São descartadas, abusadas e jogadas fora.

O resultado é que os piores, e não os melhores alcançam o topo e ganham fortunas inimagináveis — frequentemente dando às pessoas o pior — enquanto os melhores e mais inteligentes acabam trabalhando para eles e também desperdiçando seus talentos. O capitalismo é darwinista — é verdade — mas não em um sentido nobre, produtivo, criativo, se é que isso de fato existe, e sim em sentido autodestrutivo, calamitoso e voraz. Ele seleciona os piores entre nós para comandar os recursos de toda a economia: tempo, esforço, criatividade, imaginação, ideias. Tais recursos são desperdiçados em besteiras e itens supérfluos: iates, mansões e bolhas da bolsa de valores, que são obtidos dando-se às pessoas baixa qualidade de medicamentos, água potável e educação, em vez de investir em sistemas de saúde, aposentadoria e pesquisa.

O mito do capitalismo Emersoniano. Ralph Emerson tornou-se famoso por escrever sobre a noção de “auto dependência”. Deste então, especialmente os norte-americanos, adoram pensar que o capitalismo é um exercício forte, áspero e desafiador de auto dependência — algo como sobreviver numa floresta equatorial. Mas nada é assim. Se você compreender que o capitalismo deixado a sós com seus próprios dispositivos irá destruir a sociedade, então, para manter o sistema vivo, em moderação, ele precisa de freios – o que significa governo. O pensamento norte- americano, mas não só ele, cometeu um erro fatal. Ao supor que capitalismo produz “auto dependência”, assumiu que uma sociedade não precisa de investimento social, bens públicos, governo, democracia.

Mas o capitalismo não é e nunca foi auto-dependente — ele sempre dependeu do Estado. A escravidão dependia fundamentalmente de leis e regras marítimas e aplicação da legislação. As colônias precisavam de navios e exércitos. Atualmente, o capitalismo é muito apoiado em todos os sentidos imagináveis, desde leis aos códigos, de tribunais a pontes e ruas, hospitais e escolas. Toda grande “inovação” capitalista, também, foi uma grande descoberta a partir das pesquisas feitas com financiamento público — da vacina aos antibióticos, da internet até a rede world wide web. O capitalismo não é auto-dependente. Mas finge sê-lo e ensina que o é, para que as sociedades acabem crendo nesse mito.

O mito do capitalista benthamiano. Faço um desserviço a Jeremy Bentham ao usar esta qualificação. Entenda que as percepções de Bentham — sobre usos e “utilidade” — foram cruelmente caricaturadas pelos pensadores norte-americanos, séculos depois. Pretendíamos que acreditássemos que o capitalismo, ao nos levar a produzir o que é mais útil para os outros, tornaria melhor a situação de todos. É verdade? Como poderia? Se o capitalismo seleciona os piores como produtores — e nós trabalhamos para eles, sem ter nenhum poder sobre eles — como poderíamos acabar focados no que é “útil” aos outros? Sistemas de saúde pública, aposentadorias ou creches não seriam mais “úteis” do que uma centena de Facebooks Amazons? Então por que seus respectivos presidentes Zuckerberg e Jeff Bezos, são inimaginavelmente ricos – enquanto a população não tem acesso a sistemas de bem-estar?

O mito diz que o capitalismo irá magicamente indicar às pessoas as coisas mais úteis a produzir, e viveremos vidas de facilidade e conforto. Mas basta olharmos para o mundo para constatar que isso não é verdade. As populações são bombardeadas com as coisas mais relativamente inúteis – Alexas e Siris por exemplo [assistentes virtuais pessoais da Amazon e Apple, respectivamente]. É verdade que estas coisas podem tornar sua vida um pouco mais fácil e confortável. Mas na hierarquia do que é genuinamente útil aos seres humanos, poder deitar em sua cadeira reclinável e ter um robô lhe dando uvas na boca está na última posição, quando você não consegue ter sistema de saúde, remuneração, educação e aposentadoria decentes. A vida humana precisa de cuidado, nutrição, apoio e cultivo — mas o capitalismo não tem nenhum incentivo ou qualquer razão para prover tais coisas. Nesse sentido, o capitalismo mantém as sociedades famintas do que é mais genuinamente útil.

Na verdade, se realmente pensarmos a respeito, o capitalismo faz precisamente o oposto do que fornecer as coisas que as pessoas mais precisam, quando elas mais precisam, que é o real significado de “utilidade”. Quando as pessoas estão vulneráveis, desesperadas e em grande necessidade — é nesse exato momento que o sistema explora selvagemente suas fraquezas, implacavelmente, sem consciência, remorso, de modo impiedoso.

O mito do capitalismo bom. Este mito diz que diz que o capitalismo irá tornar todo mundo, não só capitalistas, melhores pessoas, virtuosas e nobres, ao instilar nelas valores de moderação, humildade, coragem e sabedoria, as fazendo “alocêntricas”, ou focadas no outro. Funcionou assim para você?

O capitalismo não torna as pessoas nobres e virtuosas – mas exatamente o oposto, porque primeiro as torna pobres. Como as pessoas vivem à beira do abismo — tanto as empobrecidas como as antigas “classes médias” – a virtude torna-se um luxo. Quando você está lutando para colocar comida na mesa para seus filhos, nobreza e grandes virtudes são apenas teorias ocas. O capitalismo prende as pessoas a corridas desenfreadas, na busca por status, em competições intermináveis por superioridade, no superficial, trivial e sem sentido, reduzindo vidas a programas de entretenimento e loterias desesperadas. O resultado é que as pessoas continuam pobres, e obrigadas a fazer qualquer coisa para sobreviver. Talvez, então, até dispostas a comprar o próximo mito: o de que você está sobrecarregado e sub-remunerado, mas algum dia também será capitalista…

O mito do capitalismo neoclássico. Bem, tudo acima vai contra maior mito capitalista de todos, que provavelmente é aquele em que você ainda acredita – mesmo se acha que não. Este mito diz que o capitalismo irá gotejar prosperidade de cima pra baixo. Isto é: um dia, todos serão capitalistas — e viverão uma vida de incontáveis riquezas, conforto, facilidades, sem ter que trabalhar. Será? Que parcela das sociedades, no mundo todo, chegou a esta condição? (E não, “ter casa própria”, enquanto no banco você assumiu uma dívida gigante, não faz de você um capitalista. Usar um ativo pelo qual você está endividado faz de você o oposto de um capitalista.)

O mito do capitalismo que goteja é o mais perigoso de todos, porque a maioria das pessoas acredita nisso – mesmo quando não o percebem. Em algum lugar, no fundo, mesmo que não admitam isso para si mesmas, elas colocaram fé em um sistema, como mostra sua própria mente, que não está funcionando.

Nunca devemos ter fé cega nos sistemas humanos como se fossem deuses. Se o fizermos acabaremos sendo seus prisioneiros – não seus senhores. Precisamos examinar o que está diante de nossos olhos – e fazer disso um hábito. Contos de fadas cintilantes das terras prometidas, por mais tentadoras e sedutoras que sejam, não substituem uma mente que reflete e olhos que veem. É um trabalho difícil. É impressionante assistir ao fracasso, queda e colapso do capitalismo — e é este o grande marco de nossa era. Por que, então tantos de nós mantemos nossos olhos e mentes bem fechados, em vez de abri-los? A resposta pode ser: é mais confortável assim, especialmente quando o mundo está em chamas.

Por Umair Haque

Tradução: Marianna Braghini

Quem é Craig Faller, chefe do Comando Sul dos EUA, que visitou o país esta semana. Como trama um ataque à Venezuela. Por que sua proposta, de integrar um general brasileiro ao “Southcom”, fere a lei e a tradição brasileiras.

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11 de fevereiro: O almirante Craig, que trabalha abertamente por uma ação militar dos EUA contra Caracas, é cumprimentado, no Itamaraty, pelo ministro Ernesto Araújo 

O ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, considerou “imprópria e incompatível com a Política Nacional de Defesa” a indicação de um general brasileiro para assumir, ainda este ano, o posto de vice-comandante de interoperabilidade do Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos. O anúncio foi feito no dia 9 de fevereiro pelo Almirante Craig S. Faller, chefe do Comando Sul, durante depoimento em uma comissão do Senado norte-americano. O Comando do Sul (SOUTHCOM) integra tropas do Exército, da Força Aérea, da Marinha e da guarda costeira dos Estados Unidos e tem com tarefa defender a política de segurança dos EUA na América Central, América do Sul e o Caribe.

No documento que apresentou ao Senado, o almirante destaca Colômbia, Brasil e Chile como parceiros para uma estratégia de segurança regional e global. E cita nominalmente Rússia, China, Irã, Venezuela, Cuba e Nicarágua como ameaças aos interesses dos Estados Unidos na região. O documento afirma ainda que as Forças Armadas brasileiras se unirão este ano a uma rede logística para apoiar possíveis ações militares dos EUA na região. O Brasil se unirá ao SPMAGTF (Special Purpose Marine Air-Ground Task Force) este ano, além de liderar nosso exercício naval multinacional UNITAS AMPHIB (…) Isso permitirá o estabelecimento de uma força-tarefa multinacional para apoiar a resposta humanitária, uma capacidade que não empregamos desde o terremoto no Haiti em 2010”.

“Caso se concretize, considero essa designação totalmente impropria e incompatível com a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco da Defesa Nacional, documentos que foram aprovados pelo Congresso Nacional”, disse Celso Amorim ao Sul 21. Para Amorim, que também foi ministro da Defesa do Brasil (2011-2015), a presença de um general brasileiro em um comando operacional do comando Sul servirá para “legitimar uma eventual intervenção militar dos Estados Unidos na América Latina e Caribe e conferir a uma unidade daquele país um papel similar ao da OTAN, sem que nenhum tratado tenha sido firmado com tal objetivo”.

O diplomata considera o anúncio ainda mais grave no momento em que há a ameaça de uma ação militar contra a Venezuela, sob pretexto humanitário. “Não se trata aqui de um mero “estágio” (a meu ver já seria criticável), mas de uma função militar operacional, que coloca o nosso exército em uma posição delicada, que discrepa, a meu ver, da concepção de independência que embasou os documentos citados”. Celso Amorim assinalou ainda que, nas últimas décadas, oficiais brasileiros atuaram em operações da ONU, mas o que se anuncia agora é algo totalmente diferente. Talvez seja preciso voltar ao período da II Guerra Mundial para se encontrar algo semelhante, observou.

Reunião do chefe do Comando Sul no Ministério da Defesa

O almirante Craig Faller esteve no Ministério da Defesa, em Brasília, na manhã de segunda-feira (11). Segundo o Ministério, o objetivo da visita foi “promover a cooperação no âmbito da defesa entre o Brasil e os EUA, além de fortalecer os laços de amizades entre as duas nações”. O chefe do Comando Sul teve uma audiência com o comandante da Marinha do Brasil, almirante Ilques Barbosa Júnior, que apresentou a ele as operações desenvolvidas pela força, no Brasil e no exterior, bem como projetos estratégicos como o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub).

Faller também se reuniu com o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, brigadeiro Raul Botelho para debater “possíveis tratativas entre os dois países”. “Desta forma, podemos ver o melhor jeito de fortalecer essa relação e deixa-la mais robusta. É importante trabalharmos mais próximos”, diz o almirante em nota publicada no site do Ministério da Defesa. Ainda na manhã de segunda, o chefe do Comando do Sul esteve no gabinete do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.  Algumas horas depois, Araújo reuniu-se com Maria Belandria, representante no Brasil de Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente interino da Venezuela.

O militar norte-americano também fez uma palestra para oficiais do Ministério da Defesa, com o tema “Parceria entre Brasil – EUA e Liderança Militar”. Nesta palestra, apresentou “as linhas de ação do Southcom e o marco da estratégia, que deve estar pronto no próximo mês”. Faller disse que apresentará esse trabalho aos demais países parceiros da região e aguarda a avaliação brasileira sobre o mesmo. Além disso, defendeu a importância de “manter a coesão entre as lideranças”, independentemente de mudanças políticas que possam ocorrer.

Por Marco Weissheimer, em Sul 21

 

       Jair Bolsonaro, em sua peroração inicial como mandatário-mor da Nação, fez questão de exibir o manto verde-amarelo que expressa a estética de sua identidade desde os tempos em que adentrou o território da política. Ao puxar a bandeira brasileira do bolso e acenar com ela para a multidão, no discurso de posse no Parlatório do Palácio do Planalto, o presidente procurou enaltecer compromissos que permearam sua campanha: o verde-amarelismo abriga coisas como o ânimo cívico, o nacionalismo, a soberania nacional, o combate à ideologia de esquerda. O fecho de suas mensagens aponta a linha divisória que separa seu eleitorado de contingentes abarcados pelo lulopetismo e entorno: “essa bandeira jamais será vermelha”.

       A expressão soma mais força em função da origem militar de Bolsonaro. Mais que outros segmentos, os militares encarnam de maneira intensa a simbologia nacionalista. De pronto, a primeira fala do presidente definiu o Brasil, sob seu mando, como enclave poderoso no sul do continente a lutar contra o ideário da foice e o martelo (o comunismo) e, por tabela o socialismo, mesmo sabendo que as cores deste foram suavizadas em nossos tempos com a incorporação de elementos do liberalismo, como a livre iniciativa, formando a social-democracia, como pode se ver na Europa.

       Ocorre que a vertente esquerdista tem se enfraquecido nos países social-democratas, casos de Alemanha, Itália, Espanha, Hungria, Polônia e até Suécia, onde entes mais à esquerda têm amargado derrotas. O fato é que a crise da democracia representativa tem fragilizado seus vetores, implicando arrefecimento ideológico, declínio de partidos, desânimo das bases, fragmentação das oposições. Em contraposição, novos polos de poder se multiplicam – particularmente os núcleos formados no âmbito da sociedade organizada – sob os fenômenos que hoje agitam a política: a globalização, a imigração e o nacionalismo.

       A globalização rompeu as fronteiras nacionais, instalando interdependência entre as Nações. A livre circulação de ideias e a troca de mercadorias contribuem para a formação de uma homogeneidade sócio-cultural, arrefecendo valores próprios dos territórios e certo prejuízo para os conceitos de soberania, independência, autonomia. A explosão demográfica, por outro lado, e as carências das margens sociais, a par dos conflitos armados em algumas regiões (as guerras modernas), aceleraram processos migratórios. Na Europa, emerge o temor de que as correntes de imigração não apenas contribuam para a perda de emprego da população nativa, como resultem mais adiante em impactos culturais de monta, descaracterizando signos e símbolos das Nações.

       Nos Estados Unidos, esses fenômenos têm sido tratados de maneira dura por Donald Trump, com sua insistência para construir um muro na fronteira com o México. O cabeludo presidente desfralda a bandeira do nacionalismo sob o discurso de proteger empregos e melhorar as condições de vida de populações ameaçadas pelo fluxo migratório. Daí o posicionamento do governo americano ante a globalização, os compromissos das Nações com o Acordo de Paris sobre Mudança Climática e o Pacto Mundial sobre Migração, sob a égide da ONU; a situação de países como Venezuela, Cuba e Nicarágua e a política de defesa de direitos transgêneros. Os EUA marcam posição nessas frentes.

       Nessa encruzilhada, Bolsonaro e Trump marcam um encontro. O pano de fundo da articulação mostra a integração de esforços para combater ideologias de esquerda, fortalecer vínculos com entes comprometidos com um ideário conservador, dar impulso ao liberalismo. No Brasil, o foco será a privatização. Deixar o Estado com o tamanho adequado para cumprir suas tarefas. E manter o cobertor social do tamanho que os recursos permitam. Nem lá nem cá. Mais: sem apoio a núcleos que batalham por direitos. (A indicação de Bolsonaro de que devemos combater o “politicamente correto” não seria, por exemplo, o arrefecimento a ideologia de gêneros?).

       Em suma, com o resguardo militar, um programa arrojado de alavancagem da economia, ações na área do campo, forte combate à corrupção, disposição de cortar as fontes que alimentam a bandidagem, desfralde dos valores da família, sob as bênçãos de Deus, o novo governo quer “consertar” as coisas erradas. P.S. Com direito da população de acompanhar tudo isso pela linguagem de Libras. Com a simpática Michelle, ao lado do marido, abrindo seu cativante sorriso.


Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato

Elogio de Bolsonaro à “informalidade” do trabalho não é vão. Futuro governo tem planos concretos para rebaixar valor dos salários e favorecer empregadores. Mas é faca de dois gumes…

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Não é de hoje que o Ministério do Trabalho vem sendo desmantelado, diz em entrevista o professor Marco Gonsales, da Universidade São Judas Tadeu. “Para que existir, se a sua função é tida como um dos maiores empecilhos para o sucesso do projeto de país que essa gente aspira? O principal alvo dessa guerra não é o ministério, é o trabalhador e a trabalhadora e, portanto, o trabalho, no sentido dos direitos conquistados”, afirma, pasta, cujas atribuições, na gestão Bolsonaro, deverão se espalhar por três áreas.

Isso deixará ainda mais pendente, pró capital, uma balança que a rigor nunca teve equilíbrio no Brasil, avalia o professor, que antes de ir para a academia atuou no meio empresarial e formação em Administração de Empresas. “Um fenômeno também global característico desta fase neoliberal do capitalismo. Há pelo menos 50 anos, países centrais e periféricos realizam os ajustes rumo à tão sonhada “austeridade” fiscal. Em suma, eliminam direitos – sob o pretexto do equilíbrio das contas públicas.”

As consequências nocivas ao trabalhador serão várias, enumera. “Para que fiscalização, se o trabalho análogo à escravidão será legalizado com as carteiras verde e amarela?”, questiona Gonsales. “Os empresários não terão mais motivos para não formalizar os seus trabalhadores. Direitos conquistados ao longo do século 20 serão suprimidos. Grande parte do atual e do futuro governo é composta por grupos empresariais responsáveis pelo trabalho escravo e infantil no país, tanto no campo quanto nos centros urbanos.

Ele avalia que a situação irá piorar, em um país que já tem 27 milhões de desempregados ou subempregados, com uma “regulamentação da desregulamentação”. Normas de saúde e segurança também deverão ser comprometidas. “Temos uma média de 700 mil acidentes de trabalho por ano no Brasil. Ocupamos o trágico quarto lugar no mundo em ocorrência de acidentes de trabalho, atrás somente da China, Índia e Indonésia. Em suma, a quase metade da classe que trabalha no Brasil reclama por salários atrasados, um quinto implora por uma alimentação digna e outros 16% por mínimas condições de trabalho. Não tem como o Brasil não ser um dos lugares mais perigosos para se trabalhar no mundo e, com toda certeza, esse cenário só deve piorar com o futuro governo.

Qual o significado, em termos institucionais, do fim ou do “fatiamento” do Ministério do Trabalho?

Temer e Bolsonaro são faces da mesma moeda. A diferença é o como fazer, mas o objetivo é o mesmo. Para esses representantes das frações dominantes brasileiras, o objetivo é claro: manter o Brasil na posição de país subalterno, semiperiférico, norteado pelos interesses do grande capital internacional. É assim que a nossa elite aprendeu historicamente a acumular riqueza, se perpetuar no poder e saquear o país: explorando o trabalhador e trabalhadora e/ou entregando as nossas riquezas, naturais e socialmente construídas. Veja o caso da Embraer. Um patrimônio brasileiro que FHC privatizou, Temer preparou e será entregue definitivamente por Bolsonaro.

O desmantelar do MT não é de hoje. Quem não se lembra da nomeação de Cristiane Brasil, por Michel Temer, para a pasta do ministério? A filha de Roberto Jefferson tinha sido processada pela Justiça do Trabalho, além de possuir três ações movidas contra ela por três antigos funcionários. Já o atual ministro, Caio Luiz de Almeida, Vieira de Mello, recebeu 24 atuações entre 2005 e 2013 da própria pasta que passou a comandar. Um escárnio!

Como apresentado, de maneira ainda muito leviana, para não dizer amadora, pelo futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a Secretaria de Políticas Públicas deve ficar com os ministérios da Economia, de Paulo Guedes, e Cidadania, de Osmar Terra. Este último foi ministro do Desenvolvimento Social de Michel Temer e responsável pelo cancelamento de 85 mil auxílios-doença e pelo corte de 4,4 milhões de famílias do Bolsa Família.

Em suma, o fim do MT começou a ser desenhado após o golpe parlamentar de 2016. Para que existir, se a sua função é tida como um dos maiores empecilhos para o sucesso do projeto de país que essa gente aspira? O principal alvo dessa guerra não é o MT, é o trabalhador e a trabalhadora e, portanto, o trabalho, no sentido dos direitos conquistados. As frações burguesas brasileiras, e de muitos outros países periféricos, vivem ancoradas na lógica do capitalismo de rapina.

Parece fato que o MT deixou de ter peso nas decisões governamentais. Mas sua extinção não enfraquece ainda mais a área social, em favor da econômica, predominante? A balança não fica ainda mais desequilibrada?

A balança, que por aqui nunca teve equilíbrio, também, desde 2016, pende radicalmente a favor do capital. Um fenômeno também global característico desta fase neoliberal do capitalismo. Há pelo menos 50 anos, países centrais e periféricos realizam os ajustes rumo à tão sonhada austeridade fiscal. Em suma, eliminam direitos – sob o pretexto do equilíbrio das contas públicas. É claro que esse caminho não é linear, cada povo tem as suas particularidades sociais, culturais e políticas, há também os conflitos entre os próprios capitalistas, além das lutas das classes subalternas que também dão o tom neste processo.

A própria América Latina elegeu diversos governos progressistas no começo deste século em meio ao período neoliberal capitalista. O próprio México, ao que tudo indica, deve adentrar em um período de conquistas de direitos pelas classes subalternas. Mas não há dúvida, o capitalismo em sua fase neoliberal – principalmente após as quedas da URSS e do muro – desequilibra a balança das lutas de classes a favor das elites. Não por menos, os estudos sobre a desigualdade social no capitalismo contemporâneo, de Thomas Piketty, são best-sellers.

Como fica, por exemplo, a atuação dos grupos móveis de fiscalização de combate ao trabalho escravo, criados em 1995 e que se tornaram uma política do Estado? Lembrando que essa ação específica sempre esteve na mira de grupos críticos ao que chamam de “excessivo” rigor da lei.

Para que fiscalização se o trabalho análogo à escravidão será legalizado com as carteiras verde e amarela? Segundo Paulo Guedes, a carteira de trabalho verde e amarela garantirá apenas três direitos: férias remuneradas, 13º e FGTS. Os empresários não terão mais motivos para não formalizar os seus trabalhadores. Direitos conquistados ao longo do século 20, como salário mínimo, hora extra, vale transporte, aviso prévio, seguro-desemprego, repouso semanal remunerado, salário-família, licença-maternidade, licença-paternidade, auxílio-doença, adicional noturno, insalubridade e aposentadoria serão suprimidos. No mais, a fiscalização é uma das principais funções do MT. No entanto, grande parte do atual e do futuro governo é composta por grupos empresariais responsáveis pelo trabalho escravo e infantil no país, tanto no campo quanto nos centros urbanos. A União Democrática Ruralista (UDR), uma das organizações de classe que mais apoiou o Bolsonaro, chama de “indústria das multas de cunho ideológico” as equipes de fiscalização do ministério.

Em relação às políticas públicas, o que se pode esperar caso essa área específica fique mesmo sob o comando de Paulo Guedes na Economia?

O principal objetivo do MT é pensar a geração de emprego. No Brasil, hoje, há mais de 27 milhões de desempregados ou subempregados e fica evidente que este quadro deve piorar. A política pública do futuro governo, no âmbito do trabalho, nós já sabemos. É a criação das “carteiras de trabalho verdes e amarelas”, idealizadas por Paulo Guedes. Uma sequência lógica após a reforma trabalhista realizada pelo governo Michel Temer. Em suma, ambas seguem a linha de muitas outras reformas realizadas recentemente em grande parte do mundo, onde o trabalho intermitente e com nenhum ou quase nenhum direito garantido, tem sido regulamentado. Em suma, regulamenta-se a desregulamentação. É a legalização do trabalho análogo à escravidão. É um mundo onde ser explorado (legalmente), tornou-se um privilégio.

A partir da pasta do Trabalho se elaboram também, por exemplo, normas técnicas de segurança e saúde no trabalho. Essa função pode ficar comprometida?

Não tem como não ficar comprometida. Temos uma média de 700 mil acidentes de trabalho por ano no Brasil. Ocupamos o trágico quarto lugar no mundo em ocorrência de acidentes de trabalho, atrás somente da China, Índia e Indonésia. Mais da metade da classe trabalhadora brasileira necessita da horas extras ou faz jornada dupla, em casa ou em outro emprego. Segundo o Dieese, há cinco anos, a classe trabalhadora brasileira realiza uma média de 2 mil greves por ano. Somos um dos países que mais pulsa no mundo. Os principais motivos para as greves são: atraso de salário (38%), reajuste (30%), alimentação (18%), condições de trabalho (16%). Em suma, a quase metade da classe que trabalha no Brasil reclama por salários atrasados, um quinto implora por uma alimentação digna e outros 16% por mínimas condições de trabalho. Não tem como o Brasil não ser um dos lugares mais perigosos para se trabalhar no mundo e, com toda certeza, esse cenário só deve piorar com o futuro governo. Em suma, tanto a fiscalização quanto a segurança do trabalho devem ser menosprezadas, assim como já são pelo o atual governo.

E os recursos do FAT e do FGTS, como ficaria sua gestão?

Aparentemente, os recursos do FAT e do FGTS, capital da classe trabalhadora, deve ficar com a pasta da Economia, um patrimônio de R$ 800 bilhões. Acenam revisar parte dos gastos obrigatórios e Paulo Guedes, recentemente, se posicionou favorável a restringir e até acabar com o abono salarial e com o seguro-desemprego. Em suma, mais direitos suprimidos, um saque, à luz do dia, à classe trabalhadora brasileira.

Marco Gonsales, entrevistado por Vitor Nuzzi, em Rede Brasil Atual

Peça 1 – a geopolítica moderna

A prisão de Meng Wanzhou, filha do fundador da gigante de tecnologia Huawei, escancarou até para os idiotas da objetividade o contexto das novas disputas geopolíticas globais, tendo como pano de fundo a legislação anticorrupção e o combate ao terrorismo.

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Todas as evidências sobre a interferência externa na Lava Jato eram tratadas por esses sábios da objetividade como teoria conspiratória, “coisas da CIA”, como se a CIA fosse apenas uma ficção de Will Eisner.

O modelo político brasileiro estava infectado mesmo. O financiamento de partidos passava pela Petrobras, mas também pelo Congresso, sendo utilizados pelas empreiteiras, pelo agronegócio, por bancos de investimento.

Mas o tiro certeiro foi em cima da engenharia nacional, o setor que havia acumulado o maior coeficiente de competitividade internacional e tinha papel relevante do pré-sal – os únicos setores com interesse direto de grupos americanos. E não se abriu nenhuma possibilidade de estratégias que, punindo os corruptores, preservassem as empresas. O Ministério Público Federal e o juiz Sérgio Moro conseguiram o feito extraordinário de, numa só tacada, destruir a engenharia brasileira. E coroar sua grande obra viabilizando a eleição do mais despreparado agrupamento político da história.

Antes de entrar no caso Huawei, um apanhado de análises publicadas no GGN sobre a cooperação internacional e o jogo geopolítico internacional.

Peça 2 – a prisão da filha

Meng Wanzhou foi presa no Canadá, a pedido dos Estados Unidos, dentro do acordo de cooperação internacional. A acusação era a de que a Huawei teria usado uma subsidiária, a Skycom, para burlar as sanções ao Irã. Se for extraditada, Meng será acusada de conspiração e de fraudes contra instituições financeiras, cada crime sujeitando-a a penas de até 30 anos.

Comprovava-se, ali, uma suspeita levantada há tempos no GGN: a de que a cooperação internacional e a Lei Anticorrupção, aprovada no âmbito da OCDE (o grupo dos países mais industrializados) estariam sendo utilizados pelo Departamento de Estado dos EUA para objetivos geopolíticos. Pela lei, qualquer ato de corrupção que se valesse de dólares passaria a ser de jurisdição norte-americana.

No dia 21/08/2017, publicamos artigo sobre ensaio pensador francês Hervé Juvin – “Da luta anticorrupção ao capitalismo do caos, oito temas sobre uma revolução do direito” – analisando o uso geopolítico pelos EUA dos novos instrumentos organizados.

Hoje em dia há sanções extraterritoriais impostas a empresas francesas e europeias em nome das leis norte-americanas, punindo atos de corrupção (FCPA) ou violações de embargos americanos, em particular em operações de fora do território americano, mas usando o dólar como primeiro critério para garantir a jurisdição do juiz americano, explica Juvin.

Há pesados efeitos diretos e indiretos sobre a economia francesa, constatava Juvin. Os diretos são a submissão às decisões unilaterais de embargos ou sanções norte-americana. Hoje em dia há provedores de serviços dos EUA trabalhando o mercado da “conformidade” com regras dos EUA para empresas sancionadas, muitas vezes contra a lei continental europeia, explica ele.

As despesas indiretas são a paralisia estratégica decorrente daí. Que banco francês irá financiar o estabelecimento de uma empresa francesa na Rússia, Irã, Sudão etc? Que banco francês se atreverá a estudar o financiamento de uma operação comercial nesses países?

Peça 3 – o significado da operação

No caso Hauwai, o que está em jogo é a disputa de gigantes americanos com chineses pelo mercado de tecnologia.

Fundada em 1987 pelo ex-oficial do Exército vermelho Ren Zhengfei, a Huawei se tornou a maior fabricante de equipamentos de telecomunicações, e a segunda maior fabricante de celulares smartphones do mundo. Por número de aparelhos vendidos, superou a Apple este ano e conquistou 15% do mercado mundial de smartphones.

Tem receita anual de US$ 92 bilhões e é líder de mercados em vários países da África, Ásia e Europa.

No início, era considerada uma maquiadora de produtos da Cisco System e da Motorola. Ganhando musculatura, passou a investir pesadamente em desenvolvimento e se tornou líder global em tecnologia de rede de telecomunicações, passando antigos campeões, como a Nokia e a Ericsson.

Nos últimos anos avançou no desenvolvimento de chips, inteligência artificial e computação em nuvem. E montou uma rede de laboratórios por todo o mundo. No Brasil há dois laboratórios, um em Sorocaba, e uma parceria profícua com a Inatel, instalada em Santa Rita do Sapucaí.

Mas seu grande feito foi se lançar à frente das concorrentes na rede móvel de 5ª geração.

A maneira de combate-la foi levantar as teses da guerra híbrida, a versão tecnológica da guerra fria. Procuradores, órgãos de segurança dos EUA – que, ao contrário dos seus pares brasucas, têm o hábito de jogar em favor do país – passaram a difundir reiteradamente suspeitas de que os equipamentos seriam utilizados para espionagem pelo governo chinês. Não havia nenhuma evidência, mas pouco importou.

As autoridades americanas mencionavam uma norma aprovada em 2017 pela Agência Nacional de Inteligência da China, pela qual as empresas do país devem "apoiar, cooperar e colaborar com o trabalho de inteligência nacional”, E, a partir dali lançavam suspeitas de que a tecnologia 5G da Hauwei deixaria os EUA expostos a ciberataques.

O escarcéu deu resultado. Austrália e Nova Zelândia vetaram a tecnologia da Hauwei para redes 5G. O Canadá e o Japão estão reavaliando. Por outro lado, a Hauwai anunciou uma relação de vinte países com acordos já assinados para implementação da tecnologia 5G.

Peça 4 – geopolítica e globalização

Aí se entra no reverso da medalha: a importância da China para as gigantes americanas de tecnologia.

Como consequência da prisão de Meng, um tribunal chinês baniu a venda de alguns modelos antigos da Apple, sob o argumento de que violavam patentes da Qualcomm. Lá, como cá, e como nos EUA, a Justiça passou a ser instrumento de jogadas políticas e comerciais.

Especialistas calculam em 350 milhões a quantidade de upgrades dos iPhones, Desse total, cerca de 70 milhões estão na China.

Além de vender na China, a Apple depende da produção chinesa e do custo menor dos salários por lá. Foi o que levou a BBC a constatar que “ao queimar a Apple, a China estaria, até certo ponto, queimando a própria casa."

Na sequência, o ex-diplomata canadense Michael Kovrig foi detido na China.

Ambos os episódios provcaram um curto-circuito na relevante categoria dos CEOs internacionalizados, braços centrais da globalização econômica.

A Bloomberg foi mais dramática ainda: “Os EUA têm Huawei em algemas. China tem os EUA em cadeias”. E imaginou o que poderia ser a retaliação chinesa:

”Sem isso, você não pode viajar. E com maiores preocupações com a segurança e com a repressão às VPNs (que permitem que os usuários ignorem a censura chinesa na internet), sua empresa decretou que todas as discussões sobre produtos sensíveis sejam feitas pessoalmente na sede. Mas a renovação do visto está demorando muito e você está preso em Xangai, com o ciclo do produto sendo ampliado a cada dia.

Em Shenzhen, onde seus dispositivos são montados, a fábrica acaba de ser invadida pela terceira vez naquele mês. Os inspetores estão procurando violações de saúde e segurança ocupacional. Você trabalhou duro para manter as coisas das normas, embora as regras pareçam mudar constantemente. A ferrugem menor em um cano na parte de trás do local era de todas as autoridades necessárias para encerrá-lo até uma correção. Seu gerente de site não pode sequer encontrar qualquer menção de ferrugem nos regulamentos, e esse tubo não está em pior condição do que as duas inspeções programadas anteriores. Agora é um problema e a produção está parada”. 

A China monta os aparelhos da Apple, os roteadores da Cisco System, os motores da Ford Motor Co. Só Apple pagou US$ 160 bilhões de bens e serviços da China.

Peça 5 – a nova desordem

Não se sabe aonde levará essa nova desordem mundial. Em vez de guerras atômicas, o novo campo da guerra fria são as guerras cibernéticas.

O que fica demonstrado, nesses episódios, é a clareza dos EUA e da China sobre o interesse nacional. Ao contrário de um país que, de sétima economia do mundo, tornou-se alvo de chacota internacional pela extrema incapacidade de suas elites midiáticas, políticas e jurídicas, em entender e defender minimamente os interesses nacionais.

Não há quem não tenha ficado chocado com a agressão sofrida pelo candidato da direita, Jair Bolsonaro, praticada por um esquerdista que dizem ser um “lobo solitário”. Bem, não desejo aqui entrar no mérito dessa questão, até porque cabe à Polícia Federal e aos órgãos competentes fazer a devida investigação. Mas é necessário focarmos na questão política envolvida, nos efeitos que esse ato perverso provocou em nossa democracia.

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O ato, algo agressivo em si, nos traz à tona uma linguagem que antes era desconhecida no Brasil e que está contida em inúmeras formas de nuances esquerdistas que formatam um enorme elenco de pensamentos e atitudes de que tínhamos ideias apenas perfunctórias, pois, além dos já famosos mantras, como ideologia de gênero, imposição aos negros de atitudes compactas em relação ao pensamento esquerdista, desejando doutriná-los pela cartilha marxista para não serem chamados de traidores, introdução de ideias esquerdistas nas escolas e tantos outros comportamentos, podemos também constatar, no mundo da esquerda, uma agressividade latente vermelha.

Observem que não estou aqui defendendo a direita com suas propostas conservadoras, liberais, mas simplesmente me atendo ao escopo comportamental político que realmente nos assusta.

A democracia deve ser pluralista, de acordo com os princípios fundamentais da nossa Carta Magna, mas o grande problema do Brasil é que, durante mais de trinta anos de exercício democrático, nós só exercitamos nossa mente a enxergar do ponto de vista da esquerda, o que não é culpa do povo brasileiro, e sim de uma falha democrática de conteúdo técnico. Deveríamos ter, desde o início da abertura política, um verdadeiro partido de direita, algo que nunca houve em nosso país, a não ser agora. Sim, pela primeira vez a timidez conservadora saiu do armário, e deu no que deu.

Logo, tudo que era contra o nosso pensamento, condensado durante todo esse período na elaboração partidária por membros advindos da anistia política, muitos dos quais terroristas, mas que viraram donos de partido, no amplo espectro viralizante do pensamento da Escola de Frankfurt e outras correntes, sempre embasadas no esquerdismo do pesado ao light, traduzia-se em ideologias para todos os gostos. A profanação do regime militar feita de forma uníssona por eles e sem um líder direitista bem rotulado desde o início da abertura política, para contrabalançar o eixo populista marxista, foi o que levantou a faca ao primeiro líder realmente de direita neste país.

É claro que tudo isso ocorre num plano do inconsciente coletivo, como assim denominava Jung. Contudo, quando se tem enraizada durante anos uma mentalidade formatada progressista, se é que podemos usar esse termo, ela se choca, como num acidente brutal, de frente com o Conservadorismo, que latente estava sem um líder sequer. A corrupção e a descoberta de que a maioria dos partidos têm o pano de fundo esquerdista, useira e vezeira das táticas que se tornaram inaceitáveis, não são muitas vezes tão convincentes de que a direita seria a melhor opção, pois o vício mental está presente.

Um antigo slogan do PT dizia: “Sem medo de ser feliz”, e pregava que a esquerda era boa para os pobres. Agora que descobrimos a verdade, só podemos dizer aos que não se descolam da mentalidade da desilusão que, se não se livrarem do passado, resta à direita dizer: “Sem medo de ser infeliz”.

Portanto, ou experimentam a linhagem política que ficou no armário, o Conservadorismo, e ninguém precisará levar facadas por ser o primeiro a sair do armário em direção à moralidade e à boa intenção em colocar o Brasil em ordem, ou escolhem o caminho que já demonstrou dar errado. Vamos em frente. “Sem medo de sermos infelizes"..

Fernando Rizzolo é Advogado, Jornalista, Mestre em Direitos Fundamentais, Professor de Direito

Apesar do engajamento dos jovens nas manifestações de Junho de 2013 e nas ocupações das escolas nos últimos anos, “a desconfiança da política institucional está particularmente acentuada entre os jovens neste momento”, diz Carmen de Oliveira à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail. Esse tipo de reação, frisa, não significa que os jovens estão desinteressados pela política. Ao contrário, analisa, “eles estão decepcionados com esta forma de fazer política, apontam as suas imperfeições e distorções e isto é bom para a democracia”. Além disso, menciona, “o cansaço em relação aos partidos e políticos não é sinal de esgotamento da política. Foi o desencanto que levou os jovens às ruas em Nova York, Paris, Túnis, Cairo e outros lugares em outros momentos. Eles dizem as mesmas coisas: ‘Não acreditamos mais’, ‘Como fomos capazes de acreditar no que agora desmorona?’”.

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Carmen também comenta a atuação dos jovens nas redes sociais e avalia que o uso das redes como meio de debate não é ruim, mas “o que preocupa é justamente a constituição de ‘bolhas virtuais’ que nem poderiam ser chamadas de redes, pois não agenciam conexões abertas e acentradas”, adverte.

No dia de hoje, 04-10-2018, Carmen de Oliveira estará no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ministrando a palestra “As juventudes e o cenário eleitoral brasileiro. Possibilidades e limites”, às 17h30min, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU.

Carmen de Oliveira é graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, com especialização em Saúde Pública pela Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul, mestrado em Psicologia Clínica pela PUCRS e doutorado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como tem observado a participação dos jovens no debate acerca do atual cenário eleitoral brasileiro?

Carmen de Oliveira - A nova geração de eleitores tem algumas peculiaridades. Certamente não se trata da mesma juventude da primeira década dos anos 2000, tampouco é o mesmo cenário eleitoral. Estes novos eleitores cresceram sob governos petistas, se acostumaram com uma certa calmaria econômica e melhor acesso a bens e serviços, aprenderam a discutir liberdades individuais sem travas, além de serem nativos digitais com participação ativa na revolução das redes sociais.

Nos últimos anos, esses jovens também protagonizaram várias mobilizações sociais marcantes, tais como a reivindicação pelo passe livre e a ocupação das escolas, que despertaram uma certa euforia política pelas possibilidades de deslocamento da apatia e do individualismo.

Estes motivos já nos fariam supor que haveria uma maior participação da juventude neste processo eleitoral no sentido de incidência na escolha sobre o projeto de país para os próximos anos. No entanto, a desconfiança da política institucional está particularmente acentuada entre os jovens neste momento. Esta é a primeira eleição majoritária pós-impeachment, em meio a uma insatisfação generalizada e uma polarização que leva a um descrédito sobre as possibilidades de construção de projetos coletivos para o futuro.

Contudo, não visualizo estas reações como sinais de que os jovens estão desinteressados da política. Eles estão decepcionados com esta forma de fazer política, apontam as suas imperfeições e distorções e isto é bom para a democracia. O cansaço em relação aos partidos e políticos não é sinal de esgotamento da política. Foi o desencanto que levou recentemente os jovens às ruas em Nova York, Paris, Tunísia, Cairo, Atenas. Eles dizem as mesmas coisas: “Não acreditamos mais”, “Como fomos capazes de acreditar no que agora desmorona? ”.

Não considero que são revoltas erráticas ou separadas, muito embora a maioria dos jovens brasileiros talvez ignore ou não perceba as conexões entre si dessa onda de levantes que se comunicam de maneira quase imperceptível. Não vivemos, portanto, uma crise brasileira, mas uma crise generalizada do modelo econômico, do modo de governar e das democracias. Dar-se conta disto pode significar para os jovens eleitores o peso de sair do atordoamento e de se colocar em um outro nível de responsabilidade diante das urnas.

IHU On-Line - Podemos afirmar que os jovens estão mais engajados no debate eleitoral de 2018 se comparado com algumas eleições passadas? Por quê?

Carmen de Oliveira - A resposta poderia ser negativa se levarmos em conta o número de adolescentes entre 16 e 17 anos que se registrou no sistema eleitoral para fazer uso do voto facultativo. Segundo dados do Supremo Tribunal Eleitoral esse número caiu 14,5% em relação a 2014 (ano da última eleição majoritária) embora na população geral tenha crescido 3,14%. Essa queda não pode ser explicada pela curva demográfica observada na faixa etária pois é o dobro do que se observou no mesmo período. No RS a redução foi maior, em torno de 20%. No Amazonas o número de adolescentes cadastrados diminuiu pela metade. E em Minas Gerais o número registrado desses eleitores foi o menor nos últimos 29 anos, com uma queda de 73% em relação a 1989.

Mas o engajamento no debate eleitoral não pode ser medido apenas por este indicador. Se levarmos em conta que os jovens utilizam as redes sociais como o principal espaço público para a informação e discussão de ideias veremos que eles estão muito ativos neste processo.

IHU On-Line - Qual o peso das redes sociais no engajamento dos jovens no debate político? E até que ponto eles rompem com a “bolha virtual” e empreendem suas ações políticas no mundo não-virtual?

Carmen de Oliveira - Não vejo como problema que a principal esfera pública para o debate entre os jovens sejam as redes sociais. O que preocupa é justamente a constituição de “bolhas virtuais” que nem poderiam ser chamadas de redes pois não agenciam conexões abertas e a-centradas. Seu nucleamento se dá por algoritmos, determinando uma partilha mínima para além do território configurado, ou seja, um compartilhamento entre iguais.

Também é equivocado afirmar que existe maior privacidade e liberdade de expressão nas redes sociais. O exército virtual em torno de fake news, hackers, perfis falsos e bots (robôs) é um recurso conhecido de manipulação da opinião pública. Uma investigação recente realizada pela BBC Brasil identificou este tipo de ações no processo eleitoral de 2014.

A principal estratégia que vem sendo usada é o que chamamos de “comportamento de manada”, expressão usada em referência ao comportamento de animais que se unem para se proteger de um predador. No senso comum isto equivale ao “Maria vai com as outras”. No caso da juventude haveria maior suscetibilidade a este tipo de agenciamento pois este ciclo vital se caracteriza por uma maior demanda ao reconhecimento do outro e também de identificação com pessoas ou grupos vistos como referências.

Voltando às “bolhas”. No plano “real” também se observa que a juventude está sitiada em muros invisíveis, que a separa em guetos voluntários (como os condomínios das elites) e guetos involuntários (como os bairros “destinados” à periferia empobrecida). Na medida em que os diferentes mundos não são mais partilháveis o reconhecimento do outro não se dá mais pelo convívio direto, mas por meio de representações, ou seja, por imagens pré-configuradas quase sempre forjadas em estigmas. Do desconhecimento à indiferença e da indiferença à intolerância são apenas alguns passos a mais que nos levam ao caminho da barbárie social.

Por isto, as manifestações que convocam a presença de jovens e velhos rebeldes de diferentes matizes nas ruas e praças podem ser vistas como um sinal promissor pelas possibilidades de derrubar as barreiras de geração e de reconquistar de maneira coletiva e pacífica os territórios urbanos demarcados por uma lógica privatista. Não sabemos ainda até que ponto tais experimentações podem ressignificar o cotidiano de cada um de nós, mas sem dúvidas abrem caminho para o contraponto ao extremismo conservador diante de um caldo ameaçador de fascismo político.

IHU On-Line - Pesquisas apontam que os jovens estão em grande número entre os eleitores de Jair Bolsonaro. De que forma a senhora explica esse fenômeno?

Carmen de Oliveira - Quando analisamos os resultados das pesquisas eleitorais por segmentos (sexo, idade, escolaridade, região por exemplo) temos que levar em conta os limites metodológicos de se trabalhar com uma fração ainda menor da amostra. Nestes casos, a margem de erro pode ser bem superior. Levando em conta estas limitações pode-se supor duas situações: Bolsonaro tem uma proporção acentuada de eleitores jovens, mas também eles produzem um dos maiores percentuais de rejeição a esse candidato.

Alguns especialistas atribuem esta preferência pela sedução dos jovens a um discurso de contestação do status quo e que vem de encontro a demandas desta faixa etária em seu desejo de autoafirmação. A juventude poderia estar seduzida pelo seu comportamento outsider, como quando afirma que não faz parte da política tradicional, cuja imagem é de corrupção. Ele também daria mostras de ser contra o chamado "establishment" quando desdenha, por exemplo, poderosas instituições midiáticas e econômicas do país. Além disso, na visão de conservadores, temas como descriminalização do aborto e casamento LGBT, seriam do interesse de um "establishment" de esquerda.

Outro tipo de argumentação relaciona o fato de que Bolsonaro é um dos principais atores políticos nas redes sociais - e que parte de sua força entre os jovens é porque ele não só utiliza as redes sociais, como conhece a linguagem que viraliza, usa frases curtas de efeito apelativo, cria polêmica, fala o que pensa, como “um performer".

Sem desconsiderar tais argumentos, entendo que eles são ainda insuficientes para dar conta da compreensão da forte emergência da retórica fascista no Brasil contemporâneo. Como psicanalista, é inevitável colocar em análise um outro ângulo deste cenário.

Guattari chamou a atenção para quatro situações envolvendo a figura de Hitler e que aumentaram seu poder de afetar as massas: um certo estilo plebeu, que lhe assegurava um passaporte entre diferentes segmentos populares; um certo estilo veterano de guerra, que lhe dava condições de aproximação do estado-maior militar; um oportunismo de negociante, mesclando jogo de cintura e debilidade, o que lhe favorecia na negociação com as elites, deixando-os crer que poderiam controlá-lo; e, por fim, o que Guattari sinalizou como essencial, “um delírio racista, uma energia paranoica louca, que o colocava no diapasão da pulsão de morte coletivo que havia exalado dos ossários da Primeira Guerra Mundial”.

Como o psicanalista francês ressalvou, esta é uma descrição “demasiado esquemática”, mas que permite problematizar algumas condições locais do que ele denominou de “irresistível ascensão” de Hitler. É evidente que esta engrenagem totalitária não é um problema biográfico ou datado historicamente. O nazismo, fascismo e as ditaduras não foram apenas maus momentos da nossa história.

A micropolítica que produziu tais circunstâncias nos diz respeito, tanto aqui e agora como sempre estiveram presentes no interior dos grupelhos, das famílias, nas escolas, nas relações de trabalho, em nossos corpos etc. Esta mesma micropolítica engendra o racismo, a misoginia, a homofobia e outras formas de intolerância que suprem com vantagens os campos de concentração e os fornos crematórios. Por isto, é demasiadamente simplista a palavra de ordem: “fascistas não passarão”. Eles não só já passaram, como passam sem parar.

Mais uma vez, Guattari nos alerta de que o fascismo passa através da mais fina malha e encontra sua energia no coração de cada um de nós. Ele se nutre do medo. Como aconselhava o economista americano Milton Friedman: “Se querem impor uma mudança, desencadeiem uma crise”. Dito de outra maneira, a crise é desencadeada com o objetivo de introduzir o remédio - desestabilizar para estabilizar. É assim que na vivencia de uma insegurança existencial crônica e a impressão de que não contam com ninguém os sujeitos amedrontados demandam a ordem.

A recente cena de “manifestantes” enrolados na bandeira do Brasil, de joelhos e mãos na cabeça, pedindo uma intervenção militar é a imagem que condensa esses elementos. Os sujeitos atordoados e enfraquecidos se tornam intolerantes com tudo o que supostamente coloca em risco esta estabilidade. Tudo o que é estranho passa a ser ameaçador e visto como inimigo da ordem social e é isto que torna justificável a exclusão do outro. Não, as massas não foram enganadas, disse Wilhelm Reich no começo do século XX, elas desejaram o fascismo.

Portanto, o que nos cabe, é recusar a fórmula totalitária, seja qual for, porque a história tem demonstrado que o remédio se mostrou mais perigoso do que o próprio mal.

IHU On-Line - A campanha eleitoral de 2018 vem sendo marcada, entre outros fatores, pelo ódio e os ataques contra quem discorda do “seu” posicionamento, seja ele qual for. Como vê a atuação dos jovens nesse ambiente de intolerância e como esses sentimentos podem reverberar na vida em sociedade?

Carmen de Oliveira - É importante compreender melhor os movimentos de rebelião que implicam na negação do outro, como podemos constatar no “Fora Dilma”, “Fora Temer”, no “anti-petismo” ou no “#elenão”. Na Argentina, o desejo de supressão foi ainda mais radical: “Que se vayan todos! ”. Será que nada parece nos unificar a não ser o ódio em comum?

Estamos enredados no jogo da culpabilização, entre a exigência de um mea culpa e a acusação ao outro: minha culpa, tua culpa. Esta é a trama do ressentimento que, segundo Nietzsche, é uma herança da tradição metafísica. É uma forma arcaica de lidar com o mal-estar diante do desabamento de mundo e da perda de ancoragem: se algo ruiu, alguém é o culpado. Em ambas situações - quando o ressentimento se volta contra o sujeito ou quando é dirigido ao outro- o sujeito ressentido fica paralisado ao perceber que o mundo tal como ele é não deveria ser, ou de que o mundo tal qual ele deveria ser não existe. Nietzsche alerta de que isto pode levar ao fim do otimismo ou ao refúgio na crença e na veneração. Para ele, são faces da mesma moeda do niilismo, são sintomas do adoecimento da vontade.

Por isto, ele nos fala que a mutação não pode emergir do ódio do malogrado e do enjeitado ou do veneno do ressentido mas deve ser a consequência necessária de uma vontade afirmativa. Como refere Zizek, saber contra quem se luta é um começo, mas não basta saber o que não se quer, é preciso saber o que se quer. Ou seja, este tipo de protesto pela negação ao outro é insuficiente para uma pactuação sólida e de maior alcance. Em tempos de incerteza, os debates abertos precisam de respostas concretas: que tipo de organização social queremos? De que tipo de novos líderes precisamos? E que tipo de institucionalidade seria necessária para sustentar este pacto social?

IHU On-Line - Quais os desafios para a formação de jovens eleitores conscientes, preocupados com o seu futuro, mas também com as questões sociais e coletivas?

Carmen de Oliveira - O TSE, juntamente com os Tribunais Regionais Eleitorais, desenvolve programas de informação em escolas municipais, estaduais e federais, atingindo atuais e futuros eleitores. São realizadas palestras e rodas de conversa, com apresentação de vídeos educativos e distribuição de cartilhas.

Tais iniciativas são necessárias, mas insuficientes, em especial porque são focais e datadas. Precisamos pensar a formação para a cidadania como parte do percurso formativo e não como algo secundário ou que deva ser impedido pois é visto como perigoso para a sociedade, como no caso daqueles que apregoam uma Escola sem Partido.

As mordaças nunca construíram a autonomia, cuja operação psíquica é considerada pela psicanalise como a principal tarefa na adolescência e juventude. As mordaças nunca fortaleceram a democracia tampouco impediram que as ideias circulassem. Ainda bem, pois como sinaliza Vladimir Safatle, precisamos da circulação de ideias para confrontar as pseudo certezas que limitam a produtividade do pensamento e, desta forma, sair das palavras de ordem, reconstruir problemas e recolocar hipóteses na mesa. Talvez seja isto que mais desperte o temor para aqueles acostumados a selecionar alternativas já postas à mesa.

IHU On-Line - No mundo todo fala-se num esgotamento da esquerda e na necessidade de reinvenção de uma outra esquerda. O jovem militante de esquerda também sofre esse esgotamento? E em que medida tem se mantido ativo e disposto a pensar numa “nova esquerda”

Carmen de Oliveira - Destacaria duas questões. Em primeiro lugar, a constatação de que a geopolítica em tempos de globalização nos leva a reposicionar o locus das lutas. Há um deslizamento progressivo do campo social para o territorial. Isto é o que o Comitê Invisível denomina de “habitar plenamente”, isto é, criar a consistência do local, fazer existir o cotidiano dos territórios, inventar formas de viver, produzir o comum, tomar conta dos mundos que edificamos. Este tipo de ação política envolve a “tomada do inconsciente” para a emergência de “revoluções moleculares” no plano individual e no campo social, como diriam Deleuze e Guattari. A produção de novas subjetividades exige um tempo mais longo.

Outro ponto de virada na forma de fazer politica pode ser definida da seguinte forma: nenhum “céu social” acima de nossas cabeças, nenhuma miragem de horizonte, nenhum viver para o amanhã. O que existem são os “nós”, o conjunto de ramificações que se conectam e se recompõem sem parar. Hoje, por exemplo, se fala muito em interseccionalidades, no encontro de diferentes interesses relacionados a gênero, classe, raça, geracional, origens geográficas e profissionais etc, onde unificação é operada transversalmente e não pela verticalidade. Portanto, a força estratégica dos novos coletivos não estaria garantida pela filiação, hierarquia ou disciplina, mas pela potência do contágio, da alegria que emana dessa experimentação conjunta, da densidade de afeto e delicadeza que sustentam a disposição a agir. Não se trata, portanto, de uma ruptura com a ideia de organização ou até mesmo de representação política. Trata-se sim de um questionamento radical dos movimentos de massa decididos de forma centralizada em torno de objetivos padronizados, como na velha forma militarizada de organização.

Não são pontos de viragem fácil pois, como alerta o Comitê Invisível, nunca faltam burocratas na esquerda que saibam o que fazer com a potência de nossos movimentos, isto é, como fazer dela um meio para o seu fim. Também subsiste a degeneração dos coletivos em vanguardas, grupelhos ensismemados ou “seitas. ” Superar estas formas de fazer politica é uma tarefa difícil, mas imediata.

Mas já temos algumas pistas destas mutações. Sinais, fortes sinais, de que as novas gerações já demonstraram que tem um papel importante para o rejuvenescimento da política.

IHU On-Line - Quais são, na sua avaliação, as demandas dos jovens brasileiros hoje?

Carmen de Oliveira - O período pós-impeachment, em que vigorou a política neoliberal austericida do Estado mínimo, produziu demandas que afetam a juventude a médio e longo prazo, tais como o congelamento de investimentos na educação pública, a perspectiva de trabalho precarizado e a insegurança sobre a aposentadoria. A esses problemas se somam aqueles que já eram pesadelos sem o devido enfrentamento, como no caso do genocídio da juventude negra, da alta evasão escolar, da juvenilização da AIDS e do sistema penitenciário.

Apesar dos impactos na vida dos jovens e de suas famílias bem como o previsível ônus a ser gerado para o Estado na assistência a tais problemas, estas questões estão praticamente invisíveis na retórica dos candidatos e até mesmo nos seus programas de governo. Nestes casos, os jovens aparecem mais como marketing das campanhas eleitorais do que como prioridades.

É interessante observar que os partidos que apoiaram as diretrizes do governo Temer sinalizadas no documento denominado de Ponte para o Futuro são os mesmos que aprovaram o congelamento dos recursos para as politicas sociais, evidenciando posições distintas para duas diferentes juventudes. Tal medida assegurou a travessia na “ponte para o futuro” dos jovens bem-nascidos, enquanto a parcela da juventude brasileira marcada como “refugo social” se viu jogada para fora, abandonada à própria sorte diante da alta vulnerabilidade.

São vidas desperdiçadas, termo usado por Baumann para designar as parcelas da população vistas como “deslocadas”, “inaptas” ou “indesejáveis”. Para esta “geração desperdiçada” a “ponte para o futuro” se transformou em uma pinguela precária, jogando a maioria a um limbo visto como irreversível, em um cenário em que prevalecem a perda de postos de trabalho, o índice recorde de pessoas trabalhando sem carteira assinada e um mercado de trabalho com uma alta taxa de rotatividade, salários miseráveis e uma competição feroz diante de poucas vagas e de altas exigência.

Neste contexto, restam muitas interrogações: Em que medida é possível uma produção do comum entre as diferentes juventudes no país? A resposta dada nas urnas pelos jovens, mas também por todos nós irá priorizar as demandas da juventude e enfrentar os problemas de uma “geração desperdiçada”? Seremos capazes de desinflar o niilismo e superar as tentações totalitárias que nos dividem e enfraquecem as possibilidades de construção de um novo pacto social?

Enquanto um atributo de todo indivíduo no gozo dos seus direitos civis e políticos, aliás, inerente ao Estado Democrático de Direito, a cidadania é o exercício de um conjunto de direitos e deveres que possibilita aos membros da sociedade a participação ativa da vida e do governo de seu povo, ou seja, propicia que todo cidadão possa interferir, direta ou indiretamente, nos destinos da nação.

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Embora não seja a panaceia para todos os problemas, o exercício do voto possibilita que todo indivíduo participe ativamente de uma ação que busque coibir as posturas daqueles que, quando investidos como agentes políticos, maculam os bons costumes, alienam pessoas, semeiam a discórdia, a divisão e a miséria, utilizando-se de instrumentos de corrupção, da mentira e da fraude para enfraquecer a sociedade como forma de privilegiar seus próprios interesses.

Aparentemente, o fisiologismo e a barganha têm impulsionado o aparelhamento das entidades públicas e, lamentavelmente, testemunhamos o mau trato da coisa pública; o aumento desmedido da corrupção; a busca da transformação intelectual e moral da sociedade pela banalização de suas tradições, usos e costumes, com a tentativa da introdução de novos conceitos que tornam menos rígidos os valores e princípios éticos-morais; o enfraquecimento da família, célula mater da sociedade; etc. Ainda que de forma dissimulada, a sociedade está sendo fragmentada em pequenos grupos, o que gera embaraços comportamentais face à manipulação dos paradigmas sociológicos e, como consequência, facilita o seu controle por meio de mecanismos travestidos de valores democráticos.

Além de gerar insegurança e o sentimento de que a sociedade está sem limites, sem referências, sem respeito ao próximo, mais egoísta e narcisista, esse cenário deixa o país mais pobre de caráter, de ética, de respeito a si mesmo e ao próximo. Oportuna é a advertência feita pelo Papa João Paulo II na Encíclica Veritatis Splendor ao dizer que “uma democracia sem valores se transforma com facilidade num totalitarismo visível ou encoberto.”.

Creio que se Rui Barbosa estivesse vivo talvez voltasse a manifestar sua descrença na situação do país, tal qual como fez em seu histórico discurso ao Senado em 17/12/1.914 ao dizer que: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

Infelizmente, esse alerta é atual e deve continuar vivo em nossos corações fazendo com que todo cidadão tenha a consciência tranquila de ter dado ao país aquilo que estava ao seu alcance. É por isso que a ação do voto, ato acima de tudo de cidadania, deve refletir uma atuação na busca de uma ordem social que leve em conta os valores e princípios democráticos e republicanos, vigas mestres do Estado brasileiro, e privilegie o bem comum e não o interesse daquele que irá exercer um mandato, daquele que irá governar.

Com base no pensamento bíblico no sentido de que “quando o justo governa o povo se alegra, mas quando o ímpio domina o povo geme” (Provérbios 29-2) , é de  se  ter  claro que, para o exercício do dever-poder cívico do voto, é indispensável que todo cidadão enxergue o Brasil por si mesmo, que aja com coerência ética e moral em prol do bem comum e expresse sua opinião quanto ao país que quer ver. Sendo assim, mais uma vez parafraseando Rui Barbosa: “Eu não troco a justiça pela soberba. Eu não deixo o direito pela força. Eu não esqueço a fraternidade pela tolerância. Eu não substituo a fé pela superstição, a realidade pelo ídolo.”.

Enfim, se a liberdade de escolher um representante deve expressar a opinião acerca da situação sócio-política e o que se espera para o futuro do país, a construção de um país mais justo e perfeito começa pela ação consciente e ética de cada cidadão ao exercer seu poder-dever de votar.

Paulo Eduardo de Barros Fonseca é Presidente da APAESP - Associação dos Procuradores Autárquicos do Estado de São Paulo, Vice-Presidente do Conselho Curador da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, mantenedora da Faculdade Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, e Titular do escritório Sheldon Barros Fonseca Advogados.

O agitador brasileiro Jair Bolsonaro deu a entender que a única chance da esquerda ganhar a eleição do mês que vem é através de fraude. Seu colega de chapa chamou o exército a dar um golpe se o judiciário não expurgar a corrupção.

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Bolsonaro comprometeu-se a voltar a fazer campanha no dia 12 de outubro depois de ter sido esfaqueado em um evento eleitoral no começo de setembro.

Jair Bolsonaro, o agitador candidato presidencial de direita do Brasil, disse na sexta-feira que não aceitará o resultado da eleição do mês que vem se ele perder, como as pesquisas indicam que ocorrerá.

"Pelo que eu vejo nas ruas, não aceitarei nenhum resultado que não seja a minha eleição", disse o político populista à rede de televisão brasileira TV Band.

Bolsonaro, um capitão do exército aposentado, tem liderado uma campanha eleitoral polêmica na que vem sendo a eleição mais polarizada do Brasil desde que o país retornou à democracia em 1985. Ele tinha dito anteriormente que não confia no mais alto tribunal eleitoral do Brasil e acusou o partido rival de esquerda, o Partido dos Trabalhadores, de recorrer a fraude como seu plano B na eleição que ocorrerá em breve.

Seu colega de chapa de direita, o general aposentado Hamilton Mourão, também disse que as forças armadas do Brasil deveriam dar um golpe se o judiciário não se livrar da corrupção política.

A campanha de Bolsonaro até agora não forneceu nenhuma evidência de uma potencial fraude eleitoral.

O tribunal eleitoral do Brasil e a Organização dos Estados Americanos, que supervisiona as eleições, negaram categoricamente as acusações do legislador de direita.

Bolsonaro estava falando no dia 28 de setembro a partir de sua maca hospitalar onde está se recuperando de um esfaqueamento quase fatal que sofreu em um evento eleitoral na cidade de Juiz de Fora no sudeste do país no começo deste mês. Esperava-se que recebesse alta na sexta-feira, mas sua saída foi adiada depois de apresentar uma febre e uma pequena infecção. Ele diz que pretende voltar à campanha no dia 12 de outubro.

Destinado à derrota

Se nenhum candidato conseguir uma maioria no primeiro turno de votação no dia 7 de outubro, um segundo turno entre os dois primeiros colocados ocorrerá no dia 28 de outubro.

Bolsonaro lidera o primeiro turno de votação, mas as pesquisas sugerem que perderá para o candidato do Partido dos Trabalhadores e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, no segundo turno.

Haddad assumiu a candidatura do partido de esquerda no começo do mês depois que o ex-presidente preso Luiz Inácio Lula da Silva foi impedido de concorrer por causa de uma condenação por corrupção.

Bolsonaro rejeita acusações de roubo feitas por sua ex-esposa

Em vez de sair do hospital na sexta-feira, o político populista acabou passando a maior parte do dia negando relatos de que sua segunda ex-esposa acusou-o de esconder sua fortuna e de roubar dinheiro de sua conta bancária.

A revista brasileira Veja, citando documentos de tribunais, reportou que Ana Cristina Valle alegou em um processo de divórcio de 2008 que Bolsonaro tinha roubado 1 milhão de reais (247.000 dólares ou 212.000 euros) em dinheiro e joias. Valle, que atualmente é candidata a deputada sob o sobrenome de seu ex-marido, admitiu que estava de “cabeça quente” quando fez a acusação.

A campanha de Bolsonaro comprometeu-se a levar a revista aos tribunais por causa da matéria.

*Publicado originalmente em dw.com - Tradução: equipe Carta Maior
    

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